Cerca de 30 milhões de brasileiros se declaram vegetarianos, conforme dados de uma pesquisa desenvolvida pelo Ibope Inteligência e encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira em 2018. Mas é bem provável que esse número já tenha aumentado, isso porque outro levantamento, este desenvolvido pelo The Good Food Institute Brasil (GFI Brasil) em 2022, mostrou que 67% dos brasileiros haviam diminuído o consumo de carne (bovina, suína, aves e peixes) nos 12 meses que antecederam a pesquisa, um aumento de 17 pontos percentuais em relação a 2020. Outro dado apontado pela pesquisa indicava que 47% desse total pretendia reduzir ainda mais a ingestão no ano seguinte.
Mas e quando as pessoas decidem abolir de vez o consumo de produtos de origem animal? O que está por trás dessa decisão? Foi isso que um estudo desenvolvido pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub) buscou descobrir. De acordo com a pesquisa, emoções positivas, como alívio da culpa e sensação de paz, são fatores importantes para a manutenção do veganismo; já a revolta e a culpa funcionam como gatilhos para a adoção da filosofia. “A coexistência de afetos positivos e negativos demonstra a complexidade da jornada vegana, que envolve tanto a busca por um estilo de vida ético quanto o enfrentamento das injustiças ambientais e sociais”, explicou Diego Moreira, um dos estudantes responsáveis pela pesquisa, em nota enviada à imprensa.
Ainda conforme o estudo, 85% dos argumentos a favor do veganismo têm natureza ecocêntrica, ou seja, partem de uma postura ética e política que coloca a natureza no centro, em oposição ao antropocentrismo, que considera o homem a figura mais importante. É esta a visão ressaltada pela servidora pública Adriana Araújo para defender e explicar o veganismo, filosofia de vida que ela adota já há 18 anos. “Não é apenas uma dieta. É um modo de estar neste mundo que vai muito além da alimentação, é também uma forma de resistência ao capitalismo, que lucra muito com a exploração dos animais. Por isso também digo que é uma escolha, porque escolho estar na contramão desse sistema e escolho me tirar dessa posição arrogante que a nossa espécie colocou, de nos colocar acima de outras vidas, achando que o mundo está em função de nós”, afirma ela, que também é coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais.
A decisão de se tornar vegana, ela conta, surgiu depois que ela assistiu ao documentário “Terráqueos”, em 2005. A obra, que tem direção de Shaun Monson e narração do ator Joaquin Phoenix, tem como foco a dependência da humanidade em relação aos animais para obter alimentação, vestuário e diversão, além do uso de várias espécies em experimentos científicos. “Eu despertei a minha consciência quando assisti e, a partir do momento que isso acontece, é um caminho praticamente sem volta. Pouquíssimas pessoas que têm suas consciências tocadas conseguem voltar a estar diante de um prato sem enxergar o que o antecede. Olhar aquela carne suculenta, aquele bife sangrento, sem pensar em tudo o que aconteceu”, diz ela, referindo-se às formas industriais de abate de animais, que são extremamente violentas.
Além disso, a servidora pública acrescenta que a adesão ao movimento também é uma forma de tentar frear os impactos ambientais causados, principalmente, pela pecuária. Para se ter uma ideia, em 2021, a criação de gado impulsionou, sozinha, 75% do desmatamento em terras públicas, segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “A gente acredita que os animais, os humanos, o meio ambiente só vão ter chances de futuro se buscarmos a harmonia entre esses três elementos. Mas, enquanto a gente insistir em continuar matando animais para o nosso consumo, para o couro, o leite, o mel e tantas outras coisas, não vamos alcançar isso”
Nutricionista explica os cuidados que devem ser tomados ao adotar uma dieta que não inclui alimentos de origem animal
Embora existam diferentes argumentos e questões que sejam levadas em conta ao adotar o veganismo, é importante não deixar a saúde de lado. Como o movimento também implica uma grande mudança na alimentação, a nutricionista Fernanda Larralde, parceira da Bio Mundo, destaca que é necessário ter acompanhamento nutricional durante o processo. “Não dá para fazer isso por conta própria”, afirma. “Algumas pessoas acabam associando muito esse tipo de alimentação ao selo de produto vegano e se guiam por isso. Então, acabam indo ao supermercado, se prendendo a essa questão e esquecem de olhar a qualidade nutricional daquele alimento, que às vezes pode ter muitos aditivos químicos, conservantes, açúcares, carboidratos”, diz ela, que é especialista em nutrição esportiva, saúde da mulher e fitoterapia.
A falta de acompanhamento também pode acarretar em problemas mais graves como anemias e ausência de nutrientes. “Um ponto importantíssimo é a gente observar a ingestão de vitamina B12 e ferro, porque esses são nutrientes que, basicamente, são obtidos de alimentos de origem animal. Então, é necessário fazer suplementação. Porque por mais que você inclua alimentos de origem vegetal, que a gente sabe que tem proteína na composição, a absorção é diferente. A questão dos minerais também é importante ser observada”, explica.
Fernanda ressalta que, embora seja necessário o acompanhamento, é totalmente possível ter uma alimentação saudável sendo vegano. “Quanto mais natural é a alimentação, melhor ela é. Então a orientação é evitar alimentos ultraprocessados e recorrer aos que são mais naturais. E não deixar de fazer acompanhamento porque é necessário fazer exames periódicos e fazer suplementação, inclusive com produtos veganos. Hoje temos uma linha gigantesca de suplementos veganos, de creatina, proteína, de vitaminas, minerais. O próprio Ômega 3, hoje é obtido por meio das algas”, lista.
Ela também chama a atenção para a complementação de proteínas, orientando que as pessoas optem por leguminosas como lentilha, feijão, ervilha e soja orgânica. “Hoje, principalmente nas redes sociais, a gente tem visto as pessoas falarem que espinafre, couve e agrião são fontes de proteína, mas eles não podem ser considerados para suplementação porque na porção de 100 gramas, por exemplo, não se alcança a ingestão que seria recomendada”, afirma.
Quanto aos pais que são veganos e pretendem introduzir os filhos ao veganismo, ela aconselha que pode ser melhor esperar um pouco. “A gente tem que lembrar sempre que a criança tem uma demanda aumentada de proteínas, de vitaminas e minerais. Então, muitas vezes, a falta da proteína animal na infância pode ser um grave problema, atrapalhando o crescimento, o desenvolvimento e a maturidade sexual. Então, essa deficiência pode trazer consequências muito negativas ou até mesmo, acabar induzindo muito o consumo de alimentos muito ricos em açúcar e de carboidratos refinados. Uma idade adequada para introduzir o filho a esse tipo de alimentação seria em torno dos 12 anos, que já é um período de entendimento, em que a criança já está entrando na pré-adolescência, então ela tem a condição de definir se aquilo é para ela ou não e começar a entender o que seria interessante. Porque não é recomendado já suplementar uma criança desde muito cedo”, diz.
Por fim, a nutricionista destaca que uma alimentação vegana bem suplementada e orientada pode trazer, também, muitos benefícios para a saúde. “Há uma maior ingestão de fibras, mais vitaminas, bastante mineiras. São muitos elementos antioxidantes, que são fitoquímicos que, muitas vezes, quando a pessoa tem uma grande ingestão de carne ou de produtos animais, ela acaba deixando de lado”, observa. “Muitas vezes, também, as pessoas se sentem mais leves, porque é uma digestão um pouco mais facilitada. Com a melhora do funcionamento do intestino, pelo consumo maior de fibras, há também uma melhora no sono, no humor, na disposição e até no comportamento”, conclui.