Quando o assunto é sexo, algumas palavrinhas costumam colar em nosso vocabulário. E, às vezes, a gente até faz de conta que sabe do que está falando. Libido, por exemplo, quer dizer o quê? Será um simples sinônimo de desejo? E a excitação pode ser confundida com vontade? Já o gozo só existe se ocorre o orgasmo?

Tratada com um quê de mistério, a verdade é que a sexualidade humana mobiliza nossa curiosidade há séculos, talvez milênios. O interesse é tamanho que, antes mesmo da invenção da escrita tal qual conhecemos hoje, hieróglifos e até pinturas rupestres deixaram registros, do período Pré-Histórico à Antiguidade, sobre os encontros sexuais. Nem o livro sagrado do cristianismo, a Bíblia, deixou de abordar o tema, que aparece, entre outros trechos, na coletânea de poemas Cântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo Testamento, que discorre sobre a atração física de um casal.

O assunto, claro, é também alvo de um crescente esforço científico em uma corrida por conhecimento que promoveu, sim, avanços na construção de teorias que ajudam a decifrar, ao menos em parte, esse antigo enigma. E fez que nosso vocabulário fosse enriquecido com termos como os que aparecem no parágrafo que abre esta reportagem.

Os consensos científicos, no entanto, continuam longe de se firmarem. É o que explica o psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres, que, a pedido da reportagem de O TEMPO, descreveu conceitos importantes para a compreensão da sexualidade, no que diz respeito ao desejo sexual, à luz das teorias mais recentes.
“Acredito que compreender (esse ecossistema) pode favorecer muito o nosso autoconhecimento, inclusive em relação ao nosso funcionamento sexual”, argumenta ele, ponderando que muitos desses tópicos serão compreendidos de formas distintas, a depender da abordagem usada. Neste caso, embora alguns desses conceitos tenham origem na psicanálise, eles serão tratados pela perspectiva da sexologia, uma disciplina científica que surgiu no século XIX e, no Brasil, foi institucionalizada como especialidade médica em 1980.

Confusão

Uma dessas palavrinhas tantas vezes repetidas quando o assunto é a disposição sexual é a libido, um termo psicanalítico, entendido como uma força vital que impulsiona o comportamento humano em busca de prazer e sobrevivência, mas que, com o tempo, passou a ser usada para designar a energia psíquica dos impulsos sexuais. Ainda que se confundam, a libido se distingue do desejo, que, por outro lado, é mais específico e direcionado, representando a aspiração consciente ou inconsciente por um objeto ou experiência particular. É como se o desejo fosse uma manifestação dessa energia libidinosa em contextos específicos.

Curiosamente, embora geralmente andem juntas, as duas coisas podem surgir descoladas uma da outra. A libido, por exemplo, pode surgir independentemente de um objeto específico de desejo, enquanto este último pode se manifestar sem uma libido forte, caso de situações em que o desejo é mais intelectual ou emocional do que físico.

Excitação e vontade são outra dupla de conceitos que, por vezes, se confundem. A primeira refere-se à resposta fisiológica e emocional automática do corpo e envolve aspectos físicos, como o aumento da frequência cardíaca e fluxo sanguíneo; já a última está mais ligada à ideia de intenção ou decisão consciente de buscar ou evitar uma experiência sexual.

Neste caso, mais uma vez, as duas coisas podem surgir dissociadas: a excitação pode ocorrer mesmo sem a intenção consciente, às vezes, até em momentos inadequados; inversamente, uma pessoa pode ter vontade de se envolver em atividade sexual, mas não ter excitação física em função de fatores diversos, como ansiedade, estresse ou fadiga.

Por fim, Gozo e orgasmo também costumam surgir como sinônimos, embora não sejam propriamente equivalentes. O gozo, muito associado à ejaculação, ganha mais complexidade na psicanálise lacaniana, quando é tratado como um conceito amplo, que está além do prazer e da própria linguagem. De maneira muito resumida, isso acontece porque, ao reprimir certos impulsos sexuais, vamos experimentá-los de maneira inconsciente – inclusive, por meio do que causa sofrimento. O orgasmo, por sua vez, é um evento fisiológico específico, caracterizado pelo clímax do prazer sexual e envolve uma série de respostas corporais.

De novo, estamos falando de duas ideias que não andam, necessariamente, juntas. O gozo, de um lado, não está condicionado ao clímax físico do orgasmo, que, por sua vez, pode acontecer sem que a pessoa experimente um gozo pleno.

Sistemas sexuais cíclico e linear

O psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres lembra que o conhecimento acumulado ao longo, sobretudo, das últimas décadas possibilitou revoluções na compreensão da sexualidade humana. “Por exemplo, da década de 1960 até o início dos anos 2000, a gente tinha a ideia de que todos os seres humanos funcionavam sexualmente de maneira linear. Ou seja, tudo começava pela manifestação da libido pelo desejo, que levaria à vontade de fazer sexo, provocando a excitação e, com a continuidade dos estímulos, chegaríamos ao orgasmo e, depois, à fase da resolução e ao período refratário”, indica.

Mas, então, na virada do século, a pesquisadora canadense Rosemary Basson muda tudo ao propor um novo modelo de resposta sexual feminina: o modelo cíclico. Segundo ela, a mulher, em uma relação de longa duração, pode deixar de ter o desejo sexual espontâneo, aquele que surge de forma natural e inesperada, sem a necessidade de estímulos externos, que é mais comum no início dos relacionamentos, quando a novidade e a atração física são intensas. Ela propõe, então, a existência de outro tipo de desejo, menos óbvio, mas igualmente importante: o desejo responsivo, que seria despertado quando a pessoa se permite ser estimulada e se abre para a experiência sexual, mesmo que inicialmente não sinta uma excitação espontânea. 

No sistema de Basson, portanto, a relação pode ter início a partir de uma disposição consciente de fazer sexo, que não vai surgir, necessariamente, de um desejo espontâneo. E a transa pode levar à satisfação, mesmo sem a ocorrência do orgasmo. Saindo satisfeita, a mulher fica mais predisposta a se engajar nessa dinâmica outras vezes. “Na clínica, a gente percebe que alguns homens também respondem dessa maneira, mas ainda não há estudos científicos que avaliem esse comportamento”, informa.