A sobrecarga emocional e prática no dia a dia foi determinante para o fim do casamento da dona de casa Geralda Ferreira Rodrigues, de 48 anos. Ela acumulava responsabilidades que iam desde organizar os compromissos da família até cuidar da saúde dos filhos, lembrar de consultas médicas, vacinas e aniversários. Segundo ela, a ausência de iniciativa do ex-companheiro acabou minando a relação.

“Eu dava todos os comandos, só deu certo por isso. Eu lembrava de tudo, organizava. Falam que a mulher é a base de tudo, mas ter uma pessoa assim ao lado sobrecarrega demais. Até na hora de desabafar era comigo”, conta Geralda. Esse desequilíbrio de funções foi se tornando insustentável: “Ele nunca resolvia nada, não tinha iniciativa. Relacionamento é uma balança, cada um segura de um lado”. 

Aos 56 anos, a manicure Roseli é casada e destaca que, apesar de o marido colaborar com as tarefas da casa e com os compromissos do dia a dia, é ela quem costuma assumir o papel de apoio emocional da família. “Essa parte é comigo”, ela diz. “Na maioria das vezes, eu cuido de todo mundo. Mas acho que preciso deixar que eles também aprendam a se cuidar, e não fiquem tão dependentes de mim”, completa Roseli.

Relacionamentos desequilibrados, em que um dos lados – quase sempre a mulher – se dedica bem mais para que tudo funcione, não são exatamente novidade. Mas agora essa dinâmica tem nome. O conceito de “mankeeping” vem ganhando destaque nas discussões sobre afeto, gênero e saúde mental ao revelar um padrão silencioso, porém exaustivo, vivido por muitas mulheres.

Criado pela pesquisadora Angelica Puzio Ferrara, pós-doutoranda no The Clayman Institute for Gender Research, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, o termo define o trabalho emocional e social que as mulheres realizam para manter os homens “funcionando” dentro e fora do relacionamento. Envolve desde apoiar emocionalmente o parceiro, mediar conflitos familiares e manter a vida social do casal ativa até ocupar o papel de ser sua única fonte de apoio.

Algumas mulheres podem gastar várias horas por semana nessa função invisível. Mas, no fim das contas, quais são os sinais mais comuns de que uma mulher está exercendo o “mankeeping” em um relacionamento? 

“Os sinais podem aparecer com o desequilíbrio no relacionamento, quando a mulher, mesmo cansada, se percebe na obrigação de dar suporte emocional para o homem. Outro comportamento que a mulher assume é de ter que gerenciar e administrar conflitos do companheiro com amigos, familiares e até mesmo com o trabalho”, afirma a psicóloga Viviane Rogêdo.

O psicólogo e especialista em psicoterapia de família e casal, Rodrigo Tavares Mendonça, diz que é muito comum encontrar maridos que se comportam como filhos de suas esposas: “Elas escutam os sofrimentos dos parceiros, pois eles não costumam compartilhá-los com amigos homens. Elas cuidam da saúde deles, marcando consultas médicas, por exemplo. Elas podem escolher a roupa que eles vestem, pois eles consideram que elas são melhores nisso. Elas os ensinam a se comportar em público, a cumprimentar direito”.  

Mendonça sublinha que o conceito de “mankeeping” surge no ambiente acadêmico, mas reflete uma insatisfação feminina após conquistas em diversos espaços que antes eram negados a elas. Essa dinâmica entre homens e mulheres não é uma novidade, pondera Mendonça. O novo, ele avalia, é que elas estão cansadas de cuidarem dos parceiros.

“Hoje, elas têm a sua própria vida social e profissional, então cuidar não é mais a maior satisfação feminina. Muitos homens, especialmente os que cresceram com mães excessivamente cuidadoras e protetoras, podem acabar esperando que suas esposas cuidem deles da mesma forma. E muitas mulheres podem acreditar que essa é a forma certa de ser esposa, e acabarem exaustas por ficarem sobrecarregadas de tarefas”, enfatiza o especialista. 

Reflexo estrutural

Em seu estudo, publicado na revista “Psychology of Men and Masculinities”, a pesquisadora Angelica Puzio Ferrara reforça que esse tipo de desgaste gerado pelo “mankeeping” não é algo pontual ou individual, mas um reflexo estrutural, resultado de decorrente de tradições conservadoras, machistas e ultrapassadas.

Para Viviane Rogêdo, mulheres ainda são vistas por boa parte da sociedade como aquelas que devem – e sabem – cuidar. “Além disso, existe uma construção inconsciente de que a mulher precisa carregar o peso da responsabilidade de manter um relacionamento, e isso pode gerar o pensamento de que precisa aceitar tudo, mesmo estando exausta”, ela completa.

Segundo a psicóloga, a sobrecarga que acompanha o “mankeeping” pode, a longo prazo, causar desgaste emocional e exaustão mental às mulheres.  Medo e dificuldade de impor limites, perda da noção de individualidade e baixa auto-estima por entender que seus problemas são menores e ela não tem espaço para ser ouvida pelo parceiro também podem ser algumas consequências negativas.

“Em casos extremos, a mulher pode desenvolver sintomas ansiosos e depressivos ou mesmo a síndrome de burnout, que é o surgimento de uma exaustão física e emocional pelo excesso de tarefas”, acrescenta Rodrigo Tavares Mendonça.

Psicoterapia de casal pode ajudar

O “mankeeping” pode levar a uma situação caótica em que a única solução vislumbrada seja a separação. Contudo, há caminhos para quem deseja sair desse ciclo sem necessariamente terminar a relação. A psicoterapia conjugal pode ajudar o casal a identificar que a insatisfação pelo cuidado excessivo demandado pelo homem pode ser a causa, muitas vezes invisível, dos conflitos que eles vivenciam diariamente. É o que ressalta o psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça.

“Os casais podem brigar por pequenas discordâncias, sem perceber que estão discordando porque estão insatisfeitos com essa dinâmica de cuidado excessivo. Após identificar a causa principal dos conflitos, o desafio clínico será ajudar os casais a encontrarem formas diferentes de se relacionar, uma nova dinâmica mais funcional”, afirma o especialista.