Na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, uma multidão se reúne de costas para o mar e celular em punho. O clima é de descontração, com comentários engraçadinhos e muita risada enquanto todos os olhos, desprezando a paisagem da tradicional praia carioca e seu famoso calçadão, levam à janela de um quarto no alto de um dos edifícios do entorno. No enquadro, um casal transa.

É difícil saber se, entre quatro paredes (e uma vistosa janela), a dupla tinha ciência do público que havia angariado. Se perceberam o movimento e continuaram a se deixar serem observados, sinal que não era só a plateia a se divertir com essa interação à distância: talvez, tanta visibilidade até os excitasse. Sendo este o caso, toda essa dinâmica coloca o casal no papel de exibicionista, bastante adequado para o deleite do olhar voyeurista de quem a tudo assistia – e filmava.

O episódio, que viralizou nas redes sociais no último 30 de outubro – dando mostras que não eram só as bruxas que andaram à solta na data –, é ilustrativo de como, assim como de médico e de louco, de exibicionista e voyeurista quase todo mundo tem um pouco. Até mais que alguns gostariam de admitir.

Dito dessa maneira, a proposição pode, à primeira vista, até causar incômodo e estranhamento. Afinal, estas são práticas geralmente associadas a uma atitude invasiva, seja pelo olhar abusado que invade a privacidade alheia ou pelo seu oposto, isto é, por se oferecer, inoportunamente, ao olhar alheio. Não significa, porém, que tais comportamentos não possam ser consensuais ou se dar de maneira, digamos, mais velada.

O que dizer, por exemplo, do sucesso de reality shows como o “Big Brother Brasil”, exibido na TV Globo, e o “De Férias com o Ex”, da MTV, que seduzem o público justamente ao convidá-lo para uma espiadinha na intimidade de um grupo de desconhecidos? Um pendor voyeur que inclusive movimenta toda uma cadeia de produtos de entretenimento, como os sites de fofoca, o mercado de influenciadores e fandoms que se proliferam na internet. De outro lado, a força de redes sociais com o Instagram estão aí para dar provas do quão comum é o ato de exibir-se aos olhos – e timelines – alheios.

“O Facebook (e outras tantas redes sociais, o Instagram incluído) é uma mídia que promove o voyeurismo, o exibicionismo e a vigilância em larga escala. É isso que ele propõe. Não é apenas facilitar a comunicação, mas promover a troca de individualidades e intimidades. Ele solicita que você mostre sua intimidade e veja a intimidade do outro”, sugere o cineasta e pesquisador Aldo Pedrosa, ao falar, em entrevista ao Jornal da Unicamp, sobre sua tese de doutorado, defendida, em 2018, no Instituto de Artes (IA) da mesma instituição. Uma análise que, seis anos depois, segue válida à luz das políticas da Meta, cujos algoritmos privilegiam conteúdos “em primeira pessoa”, quando o usuário se expõe e “coloca a cara”.

Observar é inerente ao humano

Mas, mesmo que ganhe contornos inéditos na lógica da internet, a verdade é que a satisfação em se observar o outro é muito anterior à sua criação. E não envolve apenas o contexto sexual. Os bebês, por exemplo, antes da fase da introdução alimentar, observam os adultos comendo – e até reproduzem o movimento do mastigar. Já adultos, quantos não se entusiasmam e sentem satisfação, por exemplo, ao assistir a performances de atletas olímpicos? Quantos não chegam a se fantasiar naquele papel? Esse olhar atento ao outro, portanto, é inerente ao ser humano, sendo instrumento de aprendizado e prazer.

Quando aplicada ao sexo, a tendência observadora está na base da atitude voyeur, que é reconhecida desde a década de 1940, quando foram realizadas as primeiras pesquisas populacionais sobre comportamentos sexuais pelo Instituto Kinsey. A conclusão, já naquele momento, era de que tanto o homem quanto a mulher podem se sentir excitados, em algum momento da vida, ao assistir ou presenciar situações eróticas. Um achado que, já naquele tempo, derrubava uma ideia ainda enraizada no senso comum, que sugere que a excitação visual seria uma característica mais masculina do que feminina.

Aliás, considerando que a prática voyeur está relacionada ao prazer de observar o outro, então é seguro dizer que todos carregam essa característica consigo, em maior ou menor escala. É o que indica Sigmund Freud (1905-1980) em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, quando observa que o ato de olhar – a escopofilia – não está circunscrito a uma fase, porque “o escopismo está sempre presente; ele é atemporal”. O pai da psicanálise ainda sinaliza, falando sobre as funções de olhar e tocar, que “a impressão visual continua a ser o caminho mais frequente pelo qual se desperta a excitação libidinosa”.

O desejo que desperto

De outro lado, o desejo de ser visto, de ser notado, é outra característica inerentemente humana – e válida também para contextos não sexualizados. De novo, estamos falando de uma propensão já presente nos nenéns, capazes de gracejos ou outras peripécias para se colocar no centro das atenções. Ainda que esse apelo seja moderado com a maturidade, quando passamos a entender que nem sempre devemos assumir o papel de protagonistas e, por vezes, a discrição é bastante conveniente, é fato que o reconhecimento alheio faz parte de nosso processo de autoafirmação. 

Quando aplicado ao sexo, é também verdade que há um quê de afrodisíaco em se saber o objeto de desejo do outro. Sensação que aparece entre os componentes por trás da atitude exibicionista, que, aliás, em um sentido mais amplo, não está necessariamente restrita ao ato de se colocar fisicamente ao olhar alheio, podendo acontecer por meio da narração geralmente detalhada – e por vezes constrangedora – de façanhas sexuais.

Não significa dizer, porém, que todas as pessoas desejam ser vistas no ato. “O sexo ainda é um grande tabu em nossa sociedade, e somos constantemente confrontados com padrões de beleza altamente exigentes, que não representam as características da maioria da população. Isso pode gerar desconforto e insegurança durante a experiência sexual, em especial sobre ser observado”, pondera a psicóloga e sexóloga Mariana Galuppo.

O lugar do fetiche

Ainda que dialoguem com características humanas universais, voyeurismo e exibicionismo ganham contornos bem definidos nos estudos da sexualidade humana e no meio fetichista, sendo descritos, na sexologia, por exemplo, como parafilias em que o prazer sexual está ligado ao ato de observar ou ser observado.

“No voyeurismo, a pessoa sente excitação ao observar outras pessoas em situações íntimas. No exibicionismo, por outro lado, o prazer surge ao se expor para que outros vejam, como uma forma de expressar a própria sexualidade. A diferença principal está na direção desse desejo: enquanto o voyeur busca observar, o exibicionista quer ser observado”, distingue Mariana Galuppo, ao indicar, portanto, que um dos comportamentos não é só o extremo oposto como também complementar ao outro, pressupondo, de um lado, que um indivíduo revele sua intimidade e, de outro, que um sujeito se esconda para ver a intimidade do outro.

Antes de seguir com o raciocínio, a sexóloga ressalva que o termo “parafilia” não deve ser encarado como sinônimo de transtorno ou patologia, mas como uma designação genérica para comportamentos sexuais que se desviam em alguma medida do que costuma ser aceito pelas convenções sociais, englobando práticas com diferentes graus de aceitabilidade social. As duas práticas discutidas aqui, diga-se, podem ser manifestas de forma mais ou menos aceitáveis.

“Elas podem surgir de forma sutil e consensual no jogo erótico quando realizadas em contextos adequados, de maneira confortável aos envolvidos, quando vão ser parte de fantasias saudáveis, sempre respeitando os limites éticos e o consentimento de todos os envolvidos”, situa, apontando que a possibilidade de ser observado ou de observar pode trazer um elemento de novidade e excitação para alguns casais, que buscam enriquecer a experiência sexual.

Quando práticas se tornam um problema

Mariana Galuppo aponta que voyeurismo e exibicionismo se tornam comportamentos problemáticos quando ultrapassam o limite do consentimento, se tornam intensas e frequente ou geram sofrimento significativo, afetando a vida da pessoa, de terceiros e suas relações. 

O voyeurismo, em particular, diz ela, é considerado uma desordem sexual e denominado transtorno voyerista quando envolve excitação recorrente e intensa ao observar alguém em situações íntimas, como despindo-se ou em atividade sexual, com esse desejo persistindo por pelo menos seis meses. “A pessoa pode então agir sobre esses impulsos sem o consentimento da outra parte”, explica. 

No transtorno exibicionista, a excitação sexual recorrente surge da exposição dos próprios genitais a uma pessoa que não espera esse ato, com impulsos, fantasias ou comportamentos desse tipo persistindo por um período mínimo também de seis meses. “Além da violação dos diretos do outro, este transtorno acarreta sofrimento clínico e prejudicar o funcionamento social, profissional ou em outras áreas da vida. Em ambos os casos, o tratamento profissional é recomendado para lidar com os impulsos de maneira saudável”, alerta.

A questão é que, na clínica, esses comportamentos só se tornam tema de uma consulta quando há algum tipo de pressão externa. “Se a pessoa está em seu quarto, usando binóculos e espiando o vizinho sem que ele saiba e sem ser percebido, a pauta não aparece. Mas, se a pessoa é flagrada observando o outro, tende a ficar mais preocupada em controlar aquele comportamento, e por isso pode buscar um tratamento”, avalia Cida Lopes.

Alternativas seguras

Para quem deseja explorar essas fantasias, segurança e consentimento são essenciais. “É ideal discutir o desejo e estabelecer um acordo ajuda a alinhar expectativas e evita desconfortos. É necessário compreender que se trata de uma fantasia, um jogo erótico, e que para ser saudável precisa sempre ser consensual e não colocar pessoas em risco ou em situação de violação de direitos”, sinaliza, Mariana Galuppo.

“Os envolvidos devem saber até onde estão confortáveis, respeitando o que cada um se sente à vontade para fazer ou observar. A busca de espaços adequados também é essencial. Existem espaços específicos, como casas de swing e eventos privativos, onde essas práticas podem ser realizadas de forma consensual e segura, sem invadir a privacidade alheia. E para aqueles que percebem desconforto com essas práticas, um terapeuta sexual pode ajudar a entendendo melhor a situação”, complementa.

Há, claro, outras várias possibilidades de se colocar essas fantasias na prática de forma segura. “Um casal pode assistir a conteúdos eróticos junto ou se observar por um espelho, que são formas de experimentar esse olhar voyeur-exibicionista”, inteira a sexóloga e educadora sexual Cida Lopes, que reforça a ideia de que existe uma infinidade de ambientes propícios a dar vazão a esse desejo.

Números

  • Em um estudo que ouviu 1.689 usuários do site Ashley Madison, principal plataforma de namoro no mundo para casados, o voyeurismo apareceu como uma das fantasias em alta em 2024. No total, segundo o levantamento, 23% dos respondentes – naturalmente, um público liberal – disseram querer explorar a prática. 

O que diz a lei

A advogada criminal Isabela Cardoso expõe que, embora a Constituição Federal garanta a inviolabilidade da intimidade e da vida privada na seara criminal, não há um tipo penal específico em que a prática se enquadre. “Se a pessoa só observa, mas não registra aquela cena, ela pode responder apenas na esfera cível”, detalha, informando que o sujeito observado pode requerer, do autor do ato, indenização por dano moral.

“Mas, se o voyeur fizer fotos ou vídeos do outro, ele está cometendo crime de exposição da intimidade sexual, previsto no artigo 216 B”, acrescenta. No caso, a pena será de seis meses a um ano de detenção, mas pode ser convertida em multa. “Se a pessoa tiver registrado cena de nudez de criança ou adolescente, a pena vai ser maior, de quatro a oito anos”, conclui Isabela.

Já no caso do exibicionismo, a depender do contexto, pode ser enquadrado no crime de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal (CP). A lei, de 2018, define como importunação sexual a prática de um ato libidinoso sem o consentimento da vítima, com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou o de outra pessoa, com pena de 1 a 5 anos de reclusão.

O ato pode ser interpretado, ainda, à luz do artigo 23 do CP, que trata do crime de ato obsceno, considerado um crime contra a norma social, a modéstia, a decência, o pudor, o decoro, a lei natural e a ordem pública que envolve na prática de obscenidades em lugar público, aberto ou exposto ao público. A pena é de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa. É sob essa perspectiva que um homem está sendo investigado após ser flagrado transando em uma praia em Maceió.