Nas últimas semanas, o noticiário internacional foi tomado por uma sucessão de acontecimentos que culminaram no movimento do democrata Joe Biden de retirar sua candidatura, embaralhando ainda mais a já conturbada eleição nacional dos Estados Unidos, que acontece em novembro deste ano. O então presidenciável vinha sendo pressionado pelo próprio partido a desistir da campanha após o mal desempenho em um debate com o republicano Donald Trump, em que pareceu frágil, tendo dificuldade de concluir raciocínios. O episódio foi seguido por uma série de gafes em entrevistas e pronunciamentos públicos, quando o político sofreu com lapsos de memória e fez confusão, errando o nome inclusive de sua então vice, Kamala Harris – que, agora, se encaminha para ser a cabeça da chapa na corrida eleitoral.
Por trás de toda a pressão para que Biden abrisse mão da candidatura, uma questão era recorrentemente lembrada: a idade do atual presidente norte-americano, que tem 81 anos. Em termos objetivos, uma diferença pequena em relação a seu oponente, Trump, que tem 78 anos. Mas, subjetivamente, para a opinião pública, aliados, antagonistas e imprensa, era como se, para o democrata, o peso dos anos fosse maior, fragilizando-o – e, por isso, levantando dúvidas sobre a sua capacidade de concorrer e exercer mais um mandato presidencial.
Para além de refletir nas dinâmicas eleitorais nos EUA, a pressão que Biden sofreu e sua decisão de se retirar da campanha levantam uma série de questões mais abrangentes. De um lado, por exemplo, pode nos levar a refletir sobre como pessoas idosas são cobradas a abrir mão do que querem em função da idade que têm. De outro, nos conduz a pensar em como pode ser difícil, mas também importante, tomar a decisão de repensar nossa carreira ou até interromper uma atividade que foi central em nossa vida – mesmo que essa decisão seja encarada, pela sociedade, como um fracasso pessoal.
‘Cada um com seu cada qual’
Para Simone de Paula Pessoa Lima, médica geriatra da Saúde no Lar, a reavaliação da carreira ou o movimento de interromper uma atividade do nosso cotidiano são atitudes que exigem maturidade e autoconhecimento, variando de pessoa para pessoa e dependendo, sobretudo, de uma avaliação abrangente da saúde física, cognitiva e emocional. “Sinais de que pode ser necessário considerar mudanças incluem dificuldades persistentes em realizar tarefas que antes eram feitas com facilidade, aumento da frequência de erros, fadiga excessiva, perda de interesse ou prazer em atividades previamente apreciadas, e feedback de colegas ou familiares sobre preocupações com desempenho ou segurança”, aponta, lembrando que, no caso dos idosos, a situação é similar a dos adultos, que também podem optar por mudanças de rumos em suas próprias histórias.
Para a profissional da saúde, uma avaliação geriátrica completa, que pode incluir testes cognitivos, físicos e uma revisão da saúde mental, tende a ajudar nesse processo de identificação de questões a serem trabalhadas. E ela reconhece que o envelhecimento repercute, sim, em mudanças físicas, cognitivas e emocionais. A adaptação a essas transformações, prossegue, é que vai variar muito, de forma que alguns podem sofrer mais e outros menos com os impactos que a idade implica tanto à vida pessoal quanto à profissional.
“Entre os desafios enfrentados estão a mudança da capacidade física que podem acontecer impactando na mobilidade e força, as alterações cognitivas, como lenificação do processo de memória e processamento de informações”, enumero. “Profissionalmente, dependendo da atividade, esses fatores podem impactar na produtividade e a capacidade de acompanhar mudanças rápidas no ambiente de trabalho. Além disso, doenças crônicas e condições de saúde como hipertensão, diabetes e osteoporose são mais comuns na terceira idade, exigindo cuidados constantes e adaptações”, reforça.
Simone acrescenta que as relações familiares não passam incólumes a esse processo. “Nesse contexto, muitas situações podem acontecer. Os filhos crescem, saem de casa, geram netos, voltam para casa após um divórcio, levam netos para serem cuidados, algumas doenças geram maiores cuidados – potencialmente, invertendo papéis onde os filhos passam a cuidar dos pais…”, enumera. Além disso, a geriatra lembra que hobbies podem precisar ser adaptados para se adequar às capacidades físicas ou cognitivas do momento – “assim como outras atividades diárias, como cozinhar, limpar a casa ou até mesmo vestir-se, que podem, dependendo da situação, se tornar mais difíceis, exigindo ajuda externa ou modificações no ambiente doméstico que favoreçam a independência”.
Preconceito não ajuda
Reforçando que o processo de envelhecimento é muito individualizado, variando muito de pessoa para pessoa, Simone de Paula Pessoa Lima assevera que certo mesmo é que o etarismo – tipo de discriminação contra pessoas com base em sua idade – não ajuda em hipótese alguma. “Infelizmente, a sociedade costuma tratar o envelhecimento de maneira preconceituosa, subestimando a capacidade e a contribuição dos idosos. Isso pode levar a sentimentos de isolamento, depressão e baixa autoestima entre os indivíduos mais velhos, além de trazer implicações práticas como os desafios no acesso a cuidados de saúde apropriados pelo alto custo”, ressalta.
Para enfrentar essa realidade, Simone cita recursos como programas de saúde pública voltados para a terceira idade, centros de convivência para promover socialização e atividades, e serviços de cuidados domiciliares para aqueles que necessitam de suporte adicional. “É crucial promover políticas públicas que incentivem a inclusão e a valorização dos idosos, garantindo que eles tenham acesso a recursos que promovam um envelhecimento ativo e saudável”, alerta.
Enfrento
Atitudes como a do multi-artista Thomaz Gomide, que transita nas artes plásticas, música, dança, teatro, literatura e até como perfumista, também contribuem para o enfrentamento ao estigma social que recai sobre os idosos. Em um vídeo publicado pelo projeto “Todos têm histórias”, que viralizou na última semana, o paulista debocha dos olhares tortos que recebe quando está na pista de dança. “Eu vou para as baladas e vou sozinho para a pista. Enfrento. Porque tem a moçada que fica…”, provoca, imitando trejeitos que sugerem espanto e desconforto das pessoas mais jovens ao vê-lo se divertindo no mesmo ambiente que elas.
Diante dos olhares de reprovação, Gomide reage com altivez. “Vou para a pista e danço e danço. Eu comecei a postar os pequenos vídeos, que estão todos lá no Instagram, com a intenção de mostrar que o velhinho também pode e deve fazer dança ou ballet, o que seja”, indica. “Perguntam se eu sou bailarino e eu sempre falei que sou dançarino, porque eu tenho o espírito da dança, o ziriguidum, tenho a volúpia da dança. Eu sou dançante”, orgulha-se.
O artista ainda lembra que, hoje com 68 anos, começou a fazer aulas aos 67. No início, fazia duas vezes por semana. “Só que me exauria e me exaure muito. Uma aula que eu faço, naquele dia eu não marco nada, porque eu fico… Meu pescoço fica mole, de exaustão. O ânimo, o espírito animado, mas o corpo… É uma assimilação”, descreve, dando conta que é possível, ao mesmo tempo, acolher o envelhecimento, adaptando a própria rotina às demandas do corpo, sem se esquecer dos prazeres.