A masturbação tem um quê de universal, como já demonstram pesquisas dedicas a investigar a popularidade da prática. Mas, mesmo tão comum, o ato segue tratado como um tabu, principalmente em família. Um tipo de pudor que, por vezes, impõe obstáculos a orientação adequada de crianças e adolescentes sobre o tema. É o que alerta a psicologia e sexologia Théa Murta, que orienta para a importância de tornar o ambiente doméstico acolhedor para um diálogo aberto e seguro sobre temas da sexualidade.

“Em uma comunicação que se perceba que a vivência da sexualidade é algo natural, os filhos ou filhas vão entender que o que estão sentindo ou vivendo não é errado ou vergonhoso, mas, sim, um processo do corpo em conjunto com processo subjetivo da construção da sexualidade”, assegura, pontuando que, dessa maneira, sabendo que não serão punidos ou criticados, eles provavelmente se sentirão à vontade para conversar com os pais.

Por outro lado, se a criança ou adolescente percebe que o tom dos pais é crítico, invalidante sua experiência, ou nota que temas ligados a sexualidade não podem ser ditos, as chances de se retrair, não se sentir confortável e entender que a sexualidade é algo que deve ser mantido em segredo é grande. 

“O grande problema disso é que muitos vão buscar essas informações em outras fontes e tentar entender esses processos de outras formas, em ambientes que não são seguros e acolhedores, como na pornografia, em outros recursos da internet, com colegas e talvez até com desconhecidos, gerando confusão e um entendimento distorcido sobre o tema”, adverte a sexóloga.

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Além disso, prossegue, a forma como os pais ou os principais cuidadores e referências lidam com a sexualidade reflete diretamente na forma como eles irão construir sua identidade sexual. Mas Théa pondera ser importante perceber e respeitar os limites dos filhos. “Tem pessoas mais reservadas e outras mais abertas. A própria criança e adolescente, naturalmente, vai demonstrar se está à vontade ou não. Então, é essencial observar e respeitar para que a conversa não soe invasiva e demonstrar sempre que aquele é um local seguro para expor e tirar dúvidas”, assinala.

Estratégias

Théa Murta defende ser estratégico que temas que orbitam a sexualidade sejam introduzidos com naturalidade no cotidiano, não surgindo de forma abrupta em um ambiente que não foi preparado para tal – o que pode gerar estranhamento e constrangimentos. 

“É interessante começar isso desde a infância da criança nomeando as partes do corpo, inclusive as genitais, já mostrando que são partes íntimas, que os pais e cuidadores só tocam quando é necessário um cuidado direto. Por exemplo, no momento do banho, da troca de roupa ou na necessidade de passar uma pomada, os pais e os cuidadores podem pedir licença para tocar, explicando o que estão fazendo e que só eles podem fazer isso”, sugere. 

Dessa maneira, à medida que a criança for se desenvolvendo, será mais fácil adequar as falas ao entendimento da criança, do adolescente. “Devemos sempre trazer informações conforme a capacidade da criança”, observa. “Já na adolescência é importante perceber também os limites da pessoa para falar do assunto, até onde ela fica confortável e respeitar isso”, frisa, reforçando ser possível ter conversas educativas sem que a intimidade seja invadida.

Todos e todas

Embora a masturbação tenha um aspecto universal, culturalmente, a prática ainda tende a ser mais associada ao universo masculino – uma dicotomia que deixa suas marcas. Nesse cenário, diz Théa Murta, é necessário um esforço dos pais de repensar sobre esses tabus a fim de contribuir para o desenvolvimento sexual saudável de seus filhos e filhas. 

“Todos esses tabus e repressões associados a sexualidade feminina contribuem diretamente para um adoecimento de mulheres em suas vidas sexuais. Adoecimentos que aparecem em forma de traumas, medos, inseguranças, dificuldade de experimentar prazer e viver sua sexualidade de maneira saudável”, explica a sexóloga.

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“Já temos vários estudos científicos que mostram que a masturbação feita de maneira saudável, independente do gênero, trazer benefícios para autoestima, bom relacionamento com o corpo, bons relacionamentos íntimos e até mesmo proteção de violências”, complementa.

Théa conclui fazendo um alerta: “Enquanto reproduzirmos repressões, tabus e tratar a sexualidade como algo que não deve ser conversado ou vivenciado, vamos ter pessoas com sua sexualidade atrelada a sofrimento, dúvidas e angústias”.

Pesquisas

A popularidade da masturbação já foi testada em diversas pesquisas. Um levantamento de 2022 realizado pela plataforma Sexlog, que reúne adultos interessados em relacionamento liberal, por exemplo, indicou que 39,6% dos homens cadastrados no serviço não deixam passar sequer um dia em branco. Outros 29,7% têm momentos de prazer individual ao menos três vezes por semana, enquanto a minoria se masturba duas vezes (14,8%) ou menos (7,9%) no mesmo período. Por fim, os que responderam que a prática não é um hábito somaram 8,5%.

Já entre as mulheres, 24,4% têm o hábito do autoestímulo diário. Uma fatia maior (31,6%) considera que três vezes por semana está de bom tamanho, enquanto 17,5% se contentam com duas vezes. Para 10,1% das usuárias do site, uma vez só já é o bastante. Já 16,5% disseram que dificilmente se masturbam – número que é praticamente o dobro em relação aos homens ouvidos.

Embora com foco em um nicho bem específico – adultos que frequentam uma rede com foco em relacionamentos liberais –, os números obtidos pela Sexlog estão alinhados com o de outros inquéritos. Um deles, de 2021, realizado pelo instituto OnePoll a pedido de um fabricante de lubrificantes, ouvindo pessoas solteiras, mostrou que a pandemia da Covid-19 tornou a prática ainda mais habitual, entrando na rotina, de forma mais reiterada, de cerca de metade (48%) dos entrevistados. Deles, quase um terço (30%), à época, afirmou se masturbar mais de uma vez por dia.