“Dar um tempo”. Você provavelmente já ouviu essa frase – seja na vida real, seja na ficção – ou até mesmo usou essas palavras, muitas vezes, em meio a uma crise no relacionamento. Mas, afinal, o que significa “dar um tempo”? Seria uma pausa estratégica para fortalecer o amor ou apenas o primeiro passo para um término inevitável? Especialistas em comportamento analisam o que realmente se esconde por trás desse pedido e alertam: na maioria das vezes, é um ensaio para o adeus.

Cláudio Paixão, doutor em psicologia social e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é categórico ao afirmar que o pedido de tempo é, na verdade, uma falta de coragem para terminar. Quando a pessoa diz ‘quero um tempo’, ela está dizendo: ‘quero terminar, mas não tenho certeza se vou dar conta ou se vou achar algo melhor. Se não der certo, você é meu porto seguro’, explica o especialista, frisando que a prática não é exclusiva dos jovens. “Culturalmente, vemos mais em adolescentes e jovens adultos, mas acontece em todas as idades”, diz.

A visão é compartilhada por Márcia Stengel, psicóloga e professora da PUC Minas, que define a pausa como um “pré-término”. “Você vai anunciando para o outro um pouco da insatisfação, de como a relação não vai bem, mas não consegue bancar o término de cara”, pontua.

Mas o que leva um relacionamento a este ponto de saturação? No livro “A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão” (2022), a psicanalista e pesquisadora Ana Suy descreve como idealizamos o amor, esperando que ele seja “inquebrável e infinito”. Quando a realidade se impõe, a decepção pode ser avassaladora, como já cantava Cazuza em “O Nosso Amor a Gente Inventa”: “E quando acaba a gente pensa / Que ele nunca existiu”.

Cláudio Paixão usa a mesma música para explicar que todo relacionamento carrega um grau de fantasia. “O prazer está em descobrir pedaços de mim no outro. Quando isso acaba, fica chato”, reflete o especialista. É neste momento de desencanto que a ideia de uma pausa surge como uma rota de fuga.

Caminhos

Mas seria essa pausa sempre uma sentença? A história de Bárbara Oliveira, de 33 anos, mostra um caminho diferente. Bacharel em direito, cantora e especialista de produto, ela viveu um relacionamento que começou em 2016. Depois de muitas idas e vindas, ela se separou definitivamente em julho deste ano. “Nosso relacionamento ficou burocrático. No fim de 2023, decidimos nos separar pela primeira vez. Foi muito doloroso”, relembra Bárbara.

O tempo afastado, no caso deles, não serviu para uma reconciliação nos moldes antigos, mas para uma ressignificação. “Esse tempo foi importante para a gente perceber que não é falta de amor, é incompatibilidade de planos”, conta. Do relacionamento nasceu Théo, hoje com 8 anos, e em breve chega Matteo, fruto da mesma relação. Ela está no oitavo mês de gestação.

Após idas e vindas, Bárbara e o marido se separaram; ela está grávida do segundo filho do casal | Foto: Gabriella Pinho/Lilla Fotografia/Divulgação

Atualmente separados, Bárbara e o ex-marido mantêm uma relação de respeito e parceria, com uma comunicação que, paradoxalmente, melhorou. “Nosso filho nunca tinha visto os pais felizes. Decidimos que ele precisava aprender o que é felicidade”, diz. “Eu trabalhei minha dependência emocional na terapia e ele também fez suas reflexões. Você precisa se entender para entender o outro”, conclui Bárbara.

Regras claras

Embora pareçam sinônimos, há uma diferença crucial entre se afastar para esfriar a cabeça após uma briga e pedir formalmente para “dar um tempo”. Segundo o psicólogo Cláudio Paixão, o primeiro busca reflexão para acalmar os ânimos e preservar o vínculo. Já o segundo carrega um peso muito maior, especialmente nas relações amorosas.

A psicóloga Márcia Stengel explica por quê. “Nas amizades, é fácil se afastar um pouco sem precisar anunciar. Já nas relações amorosas, existe uma expectativa de permanência e continuidade”, pontua. Anunciar uma pausa nesse contexto quebra um pacto de futuro, o que não existe com a mesma intensidade em outros laços.

Márcia, entretanto, alerta para pedidos estratégicos, que funcionam como um “passe livre” temporário. “Faltando um mês para o Carnaval, a pessoa pede um tempo para curtir a folia sozinha e, depois que acaba, pede para voltar. Isso acontece”, lembra.

Para que a pausa não se torne uma fonte de insegurança, o diálogo sobre as regras é fundamental. “Vai poder conversar? Vai acompanhar a rede social? Vai ter prazo?”, questiona Cláudio Paixão. Sem essas definições, o afastamento só alimenta a desconfiança.

No fim, o maior desafio, segundo Márcia Stengel, está no desalinhamento de expectativas. “Eu posso pedir um tempo e, na minha cabeça, isso tem um sentido. Na cabeça do outro, pode ter outro completamente diferente”, finaliza.

*Sob supervisão de Ana Clara Brant