Diversas pesquisas têm investigado como a pandemia afetou o comportamento sexual das pessoas. Recentemente, um novo estudo sobre o tema, feito nos Estados Unidos, indicou que, entre os solteiros, a masturbação e o consumo de conteúdo pornográfico se tornaram mais frequentes no último ano. Segundo o levantamento do instituto OnePoll, cerca de metade (48%) dos entrevistados admitiram estar buscando o prazer solitário de forma mais reiterada nesse período. Detalhe que quase um terço (30%) afirma se masturbar mais de uma vez por dia. Além disso, 26% dos respondentes reconheceram estar acessando sites adultos mais rotineiramente do que antes.
A partir dessa pesquisa, encomendada por uma fabricante de lubrificantes, pode-se chegar a conclusões que parecem um tanto óbvias. Pode-se inferir, por exemplo, que dois fenômenos contemporâneos contribuíram para tornar o prazer solitário uma alternativa mais atrativa para muitas pessoas. Um deles se trata da crise sanitária, obviamente, que levou à necessidade da adoção de medidas de isolamento e distanciamento social. Outro fator é a tendência de virtualização das relações eróticas, dado que as novas tecnologias facilitam tanto o acesso quanto a troca de conteúdo sexual.
A julgar por esse recente estudo, pode-se dizer que o hábito da masturbação tem melhorado a qualidade do orgasmo dos solteiros. É o que garantiram 34% dos entrevistados. Mas, se essa é uma realidade para os descompromissados, pouco se sabe sobre como esse comportamento sexual – que, digamos, está em alta – pode estar afetando a vida das pessoas que estão em uma relação. Sem uma pesquisa que se detenha sobre esse aspecto, é a experiência clínica de profissionais que tratam de temas da sexualidade que pode ajudar a compreender como a masturbação tem se inserido na conjugalidade nos tempos atuais.
Nesse caso, conforme expõe a psicóloga Ana Larissa Perissini, no atendimento a casais, quando chega ao consultório, o tema do prazer individual tende a aparecer como uma fuga, como motivo de vergonha ou como uma compulsão. Nessas situações, as parcerias raramente entendem esse momento íntimo como uma forma de autoconhecimento e de exploração do próprio corpo, e, por isso, a prática deixa de ser saudável. Mas nem sempre é assim e, provavelmente, essa nem sequer é a regra para a maioria.
Sabe-se, é verdade, que a masturbação pode ser entendida, por alguns, como um substituto para a falta de sexo. Contudo, há evidências de que a prática pode ser um sinal de que as coisas vão bem, sendo um complemento de uma vida sexual ativa e feliz. Em um artigo publicado pela revista canadense “Vice”, o pesquisador Justin Lehmiller, do renomado Instituto Kinsey, que promove pesquisa nos campos da sexualidade, gênero e reprodução humana, foi enfático: “Quando as pessoas estão transando mais, conforme apontam algumas pesquisas, isso aumenta o desejo por outras atividades sexuais – incluindo a que praticamos sozinhos”. No texto, o estudioso indica não ser apropriado dizer que o prazer solitário é um substituto ou um complemento para o sexo – “em vez disso, pode servir aos dois papéis, dependendo de cada pessoa”.
Quando, então, a masturbação torna-se um problema para o casal? De maneira geral, para avaliar como esse comportamento afeta a conjugalidade, pode-se dizer que o contexto em que se pratica o ato importa mais que a quantidade de vezes que ele é praticado.
Ana Larissa expõe que, na maioria das vezes, quando a masturbação aparece como um problema na relação, “estamos falando de pessoas que estão em um relacionamento desestabilizado”. “Nesses casos, esse exercício sexual que se faz só é encarado como uma forma de compensar a falta de encontros eróticos do casal, o que acaba acentuando a distância entre as partes da relação”, explica. Piora esse quadro o fato de a prática ser, às vezes, encarada como uma traição. Nessas situações, tudo se torna mais tenso, quase clandestino. “Não é raro que se espere a parceira dormir para, então, se masturbar, fazendo disso uma busca por algo fora do que envolve a parceira”, aponta.
Há um ponto em comum entre os relatos ouvidos pela especialista em sexualidade, no contexto da conjugalidade, e a pesquisa da OnePoll, com pessoas solteiras, que ajuda as razões por trás desse cuidado em manter o prazer solitário em sigilo, quase como se fosse um caso de infidelidade. Ocorre que muitos preferem se comportar assim por se envergonhar do ato. No estudo do instituto OnePoll, quase metade (47%) das pessoas admitiram se sentir assim. Esse fato leva a outra questão que, embora menos frequente, também é motivo de sofrimento, como expõe Ana Larissa. Ela confirma que algumas pessoas relatam sentir falta de, sozinhas, explorarem o próprio corpo, mas dizem ter dificuldade de fazê-lo quando sua parceria está em casa. “O ideal é que os casais conversem abertamente sobre seus desejos, preferências, forjando acordos entre as partes para que consigam conviver em harmonia. Enfim, se não há comunicação, problemas vão existir”, pontua.
A psicóloga informa que, a partir da emergência de saúde, com mais pessoas fechadas em casa e com acesso fácil a conteúdo adulto, houve um sensível crescimento da busca por tratamento relacionado à dependência combinada de masturbação e pornografia. “É algo generalizado, que independe de se estar com alguém ou não. Estamos vendo, no consultório, que muitas pessoas perderam o controle”, comenta, ponderando que nem toda pessoa que tem contato com esse tipo de material se tornará dependente.
Segundo Ana Larissa, esse distúrbio de comportamento é muito semelhante, neurologicamente falando, a outras condições de vício. “As partes do cérebro que são acionadas são as mesmas, promovendo satisfação fugaz”, observa. Seguindo essa mesma lógica, pode-se dizer que essas pessoas tendem a buscar doses cada vez maiores (ou mais fortes) desse conteúdo para se excitarem. Os níveis de dependência variam muito, analisa Ana Larissa. Em casos mais severos, a pessoa pode chegar a sofrer disfunções, só conseguindo se realizar sexualmente por meio de acervos pornográficos. Quando se torna uma compulsão, há o risco de perdas profissionais e afetivas. Nessas situações, divórcios e demissões são comuns. O tratamento, a depender do estágio do vício, pode demandar apoio psiquiátrico e uso de medicamentos.