Tom Jobim já cantava, em Wave, música-título de um dos álbuns fundamentais da bossa nova, lançado em 1967, que é “impossível ser feliz sozinho”. E, agora, a ciência parece concordar com ele.

Pelo menos é que se infere de um estudo publicado no periódico Psychological Science, que indica que pessoas que não estão e nunca estiveram em uma relação de longa duração tendem a ser mais introvertidas e se mostrar mais insatisfeitas com a vida, sendo, ainda, menos conscientes e mais fechadas a novas experiências. A comparação, naturalmente, é com aqueles que estão ou já estiveram em relacionamentos longos.

O estudo ouviu mais de 77 mil europeus com mais de 50 anos e constatou que todos os solteiros pontuaram mais baixo em extroversão, abertura e satisfação com a vida em relação a pessoas que estavam em relacionamentos. Detalhe: aqueles que nunca estiveram em uma relação séria duradoura pontuaram abaixo daquelas que já viveram com um parceiro ou já foram casadas.

Os resultados não surpreendem o psicólogo clínico Rodrigo Tavares Mendonça, especializado no atendimento de casais e famílias. “Me parece que era mesmo esperado que personalidades mais introvertidas e menos abertas a experiências novas, como mostra a pesquisa europeia, favorecessem a solteirice e, ao mesmo tempo, acredito eu, a solidão”, indica, sublinhando que a observação empírica, isto é, do dia a dia, corrobora esse achado. 

Por outro lado, reflete, é igualmente esperado que pessoas com mais facilidade para se relacionar, como as extrovertidas e abertas a experiências novas, naturalmente se relacionam amorosamente com mais facilidade. 

Ele prossegue citando pesquisas recentes que já mostraram que o sentimento de solidão é um fator de vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos mentais, como os de ansiedade e de depressão. “Além disso, a observação clínica corrobora esse achado: as pessoas mais solitárias costumam ser mais infelizes”, reforça. 

“Mesmo que a pessoa não perceba a solidão como uma causa, esse sentimento costuma fazer a vida ir perdendo o sentido aos poucos. Para que assistir um filme, ler um livro ou viajar? Sem compartilhar, as experiências boas da vida podem perder o sentido”, assinala. 

Mas o psicólogo pondera que, obviamente, a solteirice não pode ser identificada com solidão. Muito menos patologizada. “Dá para se viver solteiro e, ao mesmo tempo, rodeado de pessoas que se ama, como amigos e família”, indica.

“Acontece com frequência, contudo, de pessoas solteiras estarem mais vulneráveis ao sentimento de solidão. Acredito que essa vulnerabilidade aconteça mais por causa da organização da sociedade, que costuma dificultar a vida dos solteiros, e menos por causa da solteirice em si”, continua o especialista, contextualizando que, na contemporaneidade, as pessoas vivem mais individualizadas em suas casas e apartamentos e menos em uma comunidade de pessoas que compartilham juntas a vida.

Pressão para o casamento

Na avaliação de Rodrigo Tavares Mendonça, a expectativa social voltada para o casamento, como se esse fosse um passo natural e esperado na vida de todas as pessoas, pode frustrar os solteiros, principalmente os que já se consideram mais velhos – sobre os quais recaem pechas como “encalhado” ou “ficou para titia”. Críticas, aliás, mais acentuadas quando dirigidas às mulheres.

Nesse sentido, a antropóloga e doula Thais Rocha lembra que a expressão “ficar para titia” nem sequer possui um equivalente masculino. “Há, nesse desenho social, uma imposição de gênero em que a validação feminina equivale à realização de matrimônio e maternidade. E não precisamos ir muito longe em nossos repertórios culturais para ver os estereótipos da ‘tia’, ou da ‘solteirona’ sempre mobilizados para desqualificar uma mulher”, questiona. 

“Ainda hoje, mulheres independentes, assertivas, financeiramente potentes, que priorizam outras realizações para além de cuidar, são criticadas por alcançarem objetivos que sempre foram de direito masculino. A visão social funciona como se a mulher que ‘ficou pra titia’ fosse preterida e fosse mais uma versão da penalidade sofrida por querer ter os mesmos direitos que um ‘solteirão’ – que, aliás, é uma expressão que não tem a mesma carga negativa do que ‘titia’ ou ‘solteirona’”, reforça ela. 

Com efeito, essa pressão faz que as pessoas solteiras se sintam obrigadas a se adequar à norma social, sofrendo por não conseguir. “Além disso, pode ser difícil para muitas pessoas encarar a frustração de amigos e familiares por escolher uma vida que eles não aprovam”, sugere Mendonça. “O problema piora quando os amigos e familiares ficam pressionando a pessoa para entrar em um relacionamento sério. Suportar essa pressão pode causar muito sofrimento”, complementa.

Solteirice não é sinônimo de solidão

O psicólogo Rodrigo Tavares Mendonça acredita que a sociedade ainda precisa se acostumar com a possibilidade de as pessoas escolherem a solteirice, e compreender que isso não significa solidão. 

“Pesquisam mostram que está crescendo o número de idosos solteiros morando em casas e apartamentos compartilhados. É uma forma de evitar a solidão e… por que não ser um estilo de vida? Mesmo as pessoas que escolhem morar sozinhas não necessariamente vivem em solidão”, menciona, para, em seguida, assinalar como a família se constitui como o núcleo da sociedade, que se organiza a partir desse modelo, que, portanto, não está em xeque.

“A família certamente continuará sendo o núcleo da sociedade. Contudo, podemos, enquanto sociedade, aceitar como normal pessoas que escolhem um estilo de vida diferente do normal”, conclui.