Uma das preocupações recorrentes para quem tem filhos pequenos em idade escolar é a famosa preparação da lancheira. A museóloga Pollyanna Lacerda, de 35 anos, conhece bem os desafios de se dedicar ao preparo de uma alimentação saudável que seja, ao mesmo tempo, prática e nutritiva.

“Hoje em dia, temos mais opções, porque o próprio mercado começou a se atentar para esse tipo de questão, e os alimentos orgânicos estão aí para provar isso. Mas tanto o preço quanto o dia a dia corrido às vezes dificultam essa vontade de preparar a melhor lancheira do mundo”, assegura ela. Farmacêutica, Ana Lage, de 39 anos, também compartilha os desafios do cotidiano. “Eu tento tirar um dia para deixar prontos alguns lanches que irei enviar para a escola, e, normalmente, é no domingo. Mas têm outros alimentos que só preparo na hora”, diz.

A nutricionista Nayhara Castro, especialista em saúde da família e atualmente realizando um curso sobre alimentação infantil, introdução alimentar respeitosa e participativa e alergias alimentares, explica que, ao pensar na “lancheira ideal” é necessário garantir “os nutrientes que a criança precisa receber, mas sem complicação”.

“É importante ressaltar que cabe aos pais entenderem que a lancheira não é apenas um lanchinho, ela é responsável por moldar parte do paladar dos filhos, bem como prevenir doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade infantil e diabetes”, pontua Nayhara, que apresenta um número impressionante para referendar sua observação. 

“Mais de 200 dias letivos no ano serão nutridos pelo lanche das crianças, o que pode representar quase 60% das necessidades nutricionais. Lembrem-se de que crianças e adolescentes estão em fase de crescimento e precisam de lanches que as nutram de verdade”, alerta a especialista. Ela, inclusive, criou uma metodologia conhecida como NHEC, cujas iniciais imitam a onomatopeia de uma bela mordida num lanche saboroso, e onde cada letra representa um grupo alimentar essencial. 

Metodologia especial 

A letra N diz respeito aos alimentos nutritivos, como frutas e vegetais, que fornecem fibras, vitaminas e antioxidantes. “Isso ajuda a fortalecer a imunidade e a melhorar o funcionamento do intestino. São os palitos de vegetais, frutas desidratadas, chips de frutas, frutas picadas e tomatinhos”, exemplifica. A letra H é responsável pela hidratação. “A prioridade sempre deve ser a água. Muitas mães acham que o suco é essencial, mas ele pode reduzir o interesse da criança pela fruta e pela própria água. O ideal é que os sucos sejam eventuais”, orienta a nutricionista. 

A letra E faz alusão aos alimentos energéticos, como carboidratos de boa qualidade, “que dão energia para a criança se manter ativa e concentrada”. “Pipoca, bolo, biscoito de arroz, torta salgada, panqueca de banana e chips de batata-doce são ótimas opções”. Por fim, a letra C refere-se aos construtores, ou seja, “esse é o grupo da proteína, que sacia e evita que a criança chegue em casa morrendo de fome”. “Ovo de codorna, queijo, iogurte, vitamina de fruta, snack de grão-de-bico, pasta de amendoim, mix de castanhas, sementes e muffins são boas escolhas”, enumera Nayhara. 

Na opinião da nutricionista, “variedade é importante, mas não precisa ser algo complicado”. “Não existe uma regra fixa para a frequência de variação, mas sugiro que mude pelo menos dois itens da lancheira a cada dois dias. Assim, a criança não se cansa dos alimentos, mas também não fica sobrecarregada com muitas novidades de uma vez. Lembrando que, sempre que testar algo novo, o ideal é testar em casa antes de mandar na lancheira, evitando surpresas para a criança, que precisa de previsibilidade para tudo”, pondera. Uma ótima dica, segundo a especialista, é aproveitar os alimentos da estação. 

“Além de serem mais frescos e nutritivos, costumam ser mais baratos. Por exemplo, nessa época de verão, use e abuse de preparações frescas, como espetinhos de tomate e queijo, palitinhos de cenoura com creme de queijo e vitamina de abacate”, salienta. Um entrave comum na hora de preparar uma lancheira nutritiva e saudável para as crianças é o ritmo da vida contemporânea. “Sabemos que a rotina das mães é intensa, então a praticidade deve vir junto”, constata Nayhara, que oferece um cardápio de opções. 

“Frutas que não amassam facilmente, como uvas, mexericas e maçãs cortadas com gotinhas de laranja para evitar o escurecimento. Chips de vegetais, como batata-doce, chips de frutas desidratadas, como maçã e banana, e até frutas secas, como uva-passa e bananinhas sem açúcares, que são fáceis de carregar e práticas. Ovos de codorna cozidos e queijo cortado, que podem ser preparados com antecedência. Bolo caseiro ou muffins salgados, que podem ser congelados e retirados momentos antes de sair de casa. E Iogurte congelado. Sim, você congela no dia anterior e manda assim mesmo na lancheira. Com o passar do dia, ele fica geladinho e no ponto de consumir”, sugere. 

Praticidade no dia a dia 

Segundo ela, “a ideia é escolher alimentos que não precisem de muito preparo na hora e que tenham uma boa durabilidade ao longo do dia”. Outro ponto importante é a relação da criança com o próprio lanche. “O segredo está na variedade e apresentação. Quando a criança vê uma lancheira colorida e bem montada, ela se interessa mais. Além disso, respeitar o paladar da criança e oferecer alimentos que ela já come em casa faz toda a diferença”, garante a especialista. 

Para tanto, “o ideal é equilibrar os grupos alimentares do NHEC e pensar na lancheira como uma extensão da alimentação de casa”. “Muitas mães têm dificuldade em substituir os ultraprocessados, mas existem versões mais nutritivas e igualmente práticas, como biscoito de arroz no lugar de biscoitos tipo Maizena e bolinho caseiro ao invés de bolinhos prontos recheados”, compara. 

Para completar, investir no “charme” da lancheira, agregando o aspecto lúdico, costuma trazer bons resultados, a partir de “recadinhos carinhosos, cortadores para apresentar uma fruta ou sanduíche de forma diferente, canetinhas alimentícias para desenhar na casca das frutas, e até mesmo palitinhos de animais que aumentam o interesse da criança pela lancheira”, detalha Nayhara. 

“A participação da criança no processo é fundamental. Quando ela se sente parte da escolha, planejamento e montagem, a aceitação dos alimentos melhora”, diz ela, que indica lançar mão de estratégias como “levar a criança ao sacolão e deixá-la escolher uma fruta nova para a lancheira da semana; montar um cardápio simples com as opções que a criança gosta dentro de cada grupo do NHEC e dar opções para ela escolher entre dois itens, como ‘quer uva ou morango amanhã?’; e deixar que ela ajude a montar a lancheira, como, por exemplo, colocando os alimentos nos potinhos, preparando pequenas receitas, escolhendo os palitinhos que serão utilizados”. 

Cuidados com alergias e recipientes

A nutricionista infantil Nayhara Castro afirma que uma atenção especial deve ser dada ao cuidado no armazenamento dos alimentos. “Para lanches frios, como iogurte ou queijo, uma bolsa térmica e gelinhos reutilizáveis ajudam a conservar melhor. Além disso, enviar já congelado o iogurte ou vitaminas também ajuda a conservar. Potinhos e garrafinhas com vedação hermética evitam vazamentos e mantêm a textura dos alimentos, e devem ser de material térmico. Para frutas que oxidam e ficam escuras após o corte, mas permanecem com seu valor nutricional, como banana e maçã, é recomendado pingar algumas gotas de limão ou deixar imersas em água com gás por 5 a 10 minutos. Depois de picadas, é só deixar esse tempo e tirar direto para o potinho, para evitar que ocorra o escurecimento natural. E sempre vale lembrar de higienizar bem todos os recipientes diariamente”, discorre Nayhara. 

Pais que estão começando a enviar os filhos para a escola e possuem crianças com restrições alimentares devido a alergias tendem a se preocupar bastante. Para a nutricionista, “o primeiro passo é conversar com a escola para entender as políticas de alimentação e evitar contaminação cruzada, além de solicitar um relatório do nutricionista infantil e do pediatra que acompanha essa criança, para que todos os cuidados necessários sejam tomados”. “Depois, a ideia é buscar substituições tão nutritivas quanto, sempre respeitando a individualidade das preferências de cada criança”, destaca. 

Se a criança tem alergia a leite, o cuidado principal será substituir as fontes de cálcio. “Podemos incluir iogurtes vegetais enriquecidos, pastas à base de amêndoas ou snacks, como snack de grão-de-bico com tahine. Para quem tem restrição ao glúten, há boas opções como pipoca, biscoitos caseiros de polvilho, tapioca e bolinhos caseiros sem farinha de trigo. Para crianças com alergia ao ovo, utilizar banana amassada, linhaça ou chia hidratadas podem ajudar a substituí-lo em receitas, e inserir castanhas e leguminosas, como grão de bico e amendoim no lanche ajudam a suprir a demanda proteica. Para crianças diabéticas, o principal é priorizar carboidratos integrais com bom aporte de fibras e proteínas, que ajudam a evitar picos glicêmicos”, conclui.