Equilíbrio

Bagunça: quando a desorganização pode indicar transtornos mentais e emocionais?

Entenda a relação entre a falta de arrumação externa do dia a dia e o nosso estado de saúde psicológico


Publicado em 30 de janeiro de 2023 | 05:30
 
 
 
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Cama desarrumada, roupa suja jogada pelo chão, lixo amontoado por todo lado. Mais do que sinônimo de caos, viver em uma casa bagunçada pode ser, na verdade, o sinal de sérios transtornos de humor, como a depressão e a ansiedade. É isso o que diz um estudo publicado em 2016 no periódico “Journal of Environmental Psychology”.

A pesquisa analisou um grupo de aproximadamente 1.400 homens e mulheres com idade média de 54 anos e constatou que ambientes desorganizados interferem diretamente no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas.

Mas será que a falta de arrumação dos locais em que vivemos tem mesmo alguma relação com a nossa saúde psicológica? 

“Os espaços ao nosso redor influenciam nosso humor e estado de espírito. Sem disposição ninguém consegue ser organizado”, afirma a personal organizer e pedagoga Jacqueline Moreno. 

Ela aponta que a organização externa é uma atividade que envolve tanto planejamento e execução quanto vigor mental. 

“Quando estamos para baixo, isso afeta todas as nossas ações, porque nos sentimos incapacitados. Portanto, se nosso lado emocional estiver desequilibrado, é bem provável que os ambientes onde convivemos venham a refletir essa bagunça”, observa. 

Rodrigo de Almeida Ferreira, psiquiatra e terapeuta cognitivo-comportamental, diz que casos crônicos de desorganização em casa tendem a ser um fator determinante para o desenvolvimento de problemas emocionais como o estresse e o desânimo, além de doenças crônicas como a pressão arterial alta e a gastrite. 

“Um ambiente bagunçado muitas vezes é o sinal de um adoecimento mental. Quando alguém não consegue ordenar bem seu espaço interno (ou seja, sua mente), isso também se manifesta na realidade à sua volta”, destaca o médico. 

“Em situações em que nossa desorganização foge do habitual, ficamos incomodados e ansiosos, e isso aumenta nossa produção de cortisol – que é o hormônio do estresse e também tem ligação com outras enfermidades, como a hipertensão, dores musculares e fibromialgia”, completa Rodrigo. 

Já a mestre em relações interculturais e especialista em terapia cognitivo-comportamental Renata Borja levanta ainda outro aspecto importante. “Um espaço bagunçado gera a sensação de que as coisas estão atrasadas e as tarefas são maiores e mais difíceis do que realmente são”, aponta.   

Desse modo, um ambiente desordenado provoca o descontrole e favorece sensações de angústia, desânimo e desesperança. 

“É como se a pessoa ficasse o dia inteiro sofrendo com a organização das tarefas: ‘E agora? O que vou fazer primeiro? Não vai dar tempo! Tem muita coisa! Não sei por onde começar’”, exemplifica Renata. 

Nem sempre a desorganização confirma um diagnóstico 

No entanto, nem todo tipo de dificuldade em organizar rotinas pessoais tem consequências nocivas, enfatiza a psicóloga Laís Ribeiro. 

“Se alguém se sente bem, criativo e produtivo com sua desorganização, por que enxergar nisso uma ameaça à saúde? A situação só muda quando a bagunça o deixa infeliz, desmotivado e sempre preocupado com prazos impossíveis”, esclarece a profissional da saúde. 

Ainda assim, é preciso estar atento a qualquer sintoma negativo atrelado à desordem contínua. 

“Se a desorganização atrapalha seu dia a dia, causa angústia, irritabilidade, induz à procrastinação e interfere na sua autoestima, então é hora de buscar ajuda. É muito importante também discernir se esse cenário caótico é um fator momentâneo causado por alguma doença psíquica ou se faz parte do comportamento normal de alguém”, aconselha Laís. 

Bagunça x depressão 

Porém, especialistas alertam que, se o estado de desarrumação de um ambiente é extremo e contínuo, ele pode, sim, sinalizar – ou até mesmo causar – a depressão. 

“Em muitos casos, a desorganização representa a falta de motivação do indivíduo para agir, o que é um dos sintomas da depressão”, descreve Laís Ribeiro. 

“O estresse pode ser uma consequência da bagunça se a sensação de ingerência sobre a própria vida se torna um grande fardo. Isso acontece quando alguém olha para a quantidade de coisas a fazer e não tem ânimo, ou, ainda, se lhe falta uma visão otimista sobre o futuro”, defende. 

Bianka Carvalho, psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental, concorda e complementa: “Se uma pessoa se sente muito incomodada com a própria desorganização, então esse estresse extremo pode levar à depressão”, enfatiza ela. 

Se por um lado a desorganização traz diversas dificuldades, o excesso de organização também pode ter conexão com o sofrimento psicológico. 

“O excesso de organização é bem conhecido no Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), em que a organização se torna, na verdade, o objetivo em si e, dessa forma, acaba perdendo seu propósito”, salienta Rodrigo de Almeida Ferreira. 

Ele complementa: “Um ambiente organizado e funcional é útil, por exemplo, para sabermos onde estão nossos objetos ou termos acesso a eles com mais facilidade. Entretanto, quando há uma preocupação excessiva pela simetria perfeita ou uma limpeza exagerada, isso acaba trazendo sofrimento psicológico e, em muitos casos, pode prejudicar nossas relações interpessoais”. 

Equilíbrio 

Renata Borja sugere que, como quase tudo na vida, a receita ideal é encontrar-se a dose exata do equilíbrio. 

“Eu costumo dizer que o bem-estar psicológico está relacionado com a capacidade de equilibrarmos as diversas áreas da vida, e, para isso, precisamos de organização, mas também de flexibilidade. A organização que gera rigidez também gera aflição. O problema é que muitas vezes as pessoas se autoclassificam como desorganizadas e, com isso, não criam estratégias para as coisas práticas do cotidiano”, sublinha ela. 

O que fazer, então, para que a desordem não extrapole limites e acabe afetando o nosso bem-estar psicológico? 

“A abordagem precisa ser por estágios: pensar no primeiro passo a se tomar, depois como executá-lo e, ao tê-lo resolvido, passar para o próximo”, ensina Rodrigo de Almeida Ferreira. 

Outra dica é não enxergar o problema como algo fixo que não pode ser resolvido. 

“Se alguém encara a desordem como um traço de sua personalidade e diz para si mesmo: ‘Eu sou uma pessoa bagunceira’, isso vai torná-lo menos propício a querer mudar suas atitudes. O fato é que nossos comportamentos podem ser alterados, mas é preciso dedicação e disciplina para isso. No fim das contas, o ideal é buscar sempre situações exteriores e interiores de alegria e calma. Só assim as mudanças terão efeitos positivos e duradouros na nossa vida”, arremata.

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