Vez por outra, surgem nas redes sociais tendências sobre estética corporal – feminina, na maioria das vezes, mas os homens também não escapam à discussão. E, desta vez, são os corpos deles que estão no centro do debate. Trata-se da possível preferência entre as mulheres pelo “dad body” (“corpo de pai”, em tradução literal para o português), em que são valorizadas as silhuetas fora de forma, com barriga saliente e músculos sem definição, em detrimento do desejo feminino por homens com físico de academia.

A defesa dessa tendência é que os homens com esse padrão físico transmitem mais maturidade e conforto emocional em comparação com os deuses gregos.

Antes de mais nada, porém, é importante entender que essa tendência não é exatamente nova, porque, culturalmente, aos homens sempre foi dado o direito de ter corpos fora de padrão. “Eu vejo que muitas dessas tendências são mais criações das redes sociais, mas, na verdade, isso sempre existiu. Embora pareça algo novo, essas dinâmicas sempre estiveram presentes, só que agora ganham uma nova forma”, aponta a comunicóloga e psicanalista Cinthia Demaria.

No entanto, por mais que seja mais socialmente aceitável que os homens tenham corpos mais livres, eles também sofrem certos tipos de pressão. “Vivemos hoje uma radicalização nesse discurso, que tenta definir o que é ou não é ser homem e acabamos entrando em discussões sobre masculinidades hegemônicas”, comenta Cinthia.

A especialista, a propósito, estuda anorexia masculina em seu doutorado, e, na prática, o que ela observa é um movimento oposto à dita preferência pelo “dad body”: tomados pela pressão por um corpo perfeito, homens se veem fragilizados por não alcançarem um padrão desejado.

“Então, precisamos problematizar até que ponto esses discursos, mesmo os que aparentam ser de libertação, não impõem novas funções, novos papéis, novas certificações sociais. E essa ideia de que há uma maior permissividade para os corpos masculinos talvez não seja tão verdadeira assim. Mesmo com novas tendências, como a valorização de outros tipos de corpo masculino, quando a gente olha para o marketing, por exemplo, ainda é o corpo definido que se vende”, diagnostica.

Além disso, também é preciso levar em conta que, enquanto o corpo masculino “mais relaxado” é associado à paternidade e à segurança, a mulher com a silhueta fora de padrão é julgada como desleixada. “Eles sempre puderam ter aquela barriguinha sem grandes julgamentos. A mulher, ao contrário, é cobrada logo após parir: ‘quando vai voltar ao corpo de antes?’ Ela sofre muito mais e está sujeita a modificações constantes ao longo do tempo, como transformações hormonais e biológicas, questões que vão além da estética. Ou seja, além da pressão sobre o corpo, a mulher precisa lidar com muitas outras camadas. Acredito que isso venha de um pensamento social muito enraizado, que se conecta com o machismo estrutural”, aponta. 

Ela pondera, ainda, que não se trata de transferir a pressão de um gênero para outro, “como se fosse uma justiça simétrica.” “Não é porque os homens passam a sentir algum tipo de cobrança que isso diminui o peso histórico e presente sobre as mulheres. Muito pelo contrário. O ideal seria que as mulheres se libertassem dessa necessidade de corresponder a um padrão, seja ele imposto por um homem, por um grupo ou pela sociedade. E essa suposta ‘relaxada’ que os homens têm em relação aos próprios corpos não significa que as mulheres também tenham permissão para isso”, avalia. 

Interesse real no ‘dad body’

Tendo em vista tais questões sociais e culturais a respeito do tema, é possível se perguntar: o “dad body”, de fato, desperta o interesse feminino? O doutor em psicologia social Cláudio Paixão afirma que existem diferentes estudos que demonstram que algumas mulheres tendem, sim, a gostar mais dos homens fora de forma.

“Existe uma teoria chamada de investimento parental, que fala sobre o cuidado dos homens com os filhos e como isso é percebido pelas mulheres. Segundo essa teoria, o envolvimento masculino com as crianças pode gerar atração por sinalizar cuidado e proteção. Isso tem a ver com a imagem que se constrói em torno do cuidado: o homem que brinca com uma criança, por exemplo, ativa um imaginário feminino relacionado à capacidade de cuidar, proteger e se envolver emocionalmente, especialmente para um parceiro de longo prazo”, comenta.

Como exemplo, ele cita um episódio da série “Friends” em que Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), com o objetivo de atrair mais mulheres, “pega emprestada uma criança” para levá-la ao supermercado.

“Ele faz isso justamente porque as mulheres o achavam mais fofo e interessante assim. Essa situação ilustra bem esse efeito do homem cuidador como figura atrativa. Esse aumento de atratividade pode ser explicado como um sinal evolutivo de competência parental. O homem que se mostra capaz de cuidar de uma criança é percebido como um parceiro confiável, e isso, por sua vez, se associa a um tipo de corpo específico, mais próximo da imagem do ‘pai’”, explica. 

Algumas celebridades ajudaram a “popularizar” esse tipo físico, como Pedro Pascal, Jason Segel e Leonardo DiCaprio – mas é sempre bom lembrar que, no caso deste último, existe uma clara preferência por mulheres jovens: DiCaprio é conhecido por namorar somente mulheres com até 25 anos, como foi com a atriz Blake Lively e com as modelos Gisele Bündchen, Kelly Rohrbach, Nina Agdal e Camila Morrone. Fato é que, na avaliação de Paixão, o “dad body” é uma preferência feminina, pois demonstra “segurança, conexão emocional e conforto físico.” 

Por outro lado, é importante destacar que esse não é um assunto fechado. Estudo realizado pela Griffith University, em Queensland, na Austrália, e publicado na revista “Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences” demonstrou que as mulheres preferem homens mais musculosos. Na pesquisa, 160 mulheres foram convidadas a observarem três torsos de corpos distintos, entre homens que não malhavam e outros que faziam musculação até cinco vezes por semana. Em todas as amostras, os pesquisadores identificaram que “homens mais fortes foram os mais atraentes” para o público feminino. “Então, é sempre importante pensar se as pessoas estão realmente interessadas em corpos gordinhos, ou se falam isso apenas para performar, e, na realidade, querem mesmo é o corpo magrinho e idealizado”, questiona Cláudio Paixão.