Uma sigla em inglês que descreve homens heterossexuais que evitam relacionamentos sérios, significando solteiro, imaturo, materialista, obsessivo e narcisista, popularizou-se nas redes sociais como 'Síndrome de Simon'. Apesar de bem-sucedidos e independentes do ponto de vista financeiro, eles evitariam vínculos profundos, e, segundo uma percepção imediata, seriam cada vez mais comuns no mundo contemporâneo. 

A psicóloga Marcelle Primo explica que, na perspectiva da psicologia, homens que não querem se relacionar podem se enquadrar ou não numa condição patológica. “Temos desde um propósito de vida, passando por um padrão de estilo de um grupo ou faixa etária, trauma no desenvolvimento afetivo ao longo da vida até a defesa de ego adoecida”, detalha. 

Ela destrincha alguns fatores psicológicos que podem levar à evitação da intimidade e compromisso, passando pela insegurança pessoal, medo da rejeição e do abandono, considerar-se insuficiente, impotência sexual, excesso de trabalho e rotina atribulada, participação em grupos como os Red Pills e os Incels que incentivam a distância emocional de mulheres, fantasias em relação ao outro, desajuste social e incompreensão da finitude da vida e ideação constante de não ter nada a oferecer para o outro devido à condição econômica e social, dentre outros. “A causa de tal comportamento é dificilmente derivada de um único acontecimento”, pontua Marcelle.

No mundo contemporâneo, ela aponta que é impossível escapar à influência da internet neste cenário. “A tecnologia disponibiliza a vitrine e muitos modos de ser. A infinidade de opções não coopera com a espécie humana na hora de tomar decisão, além de trazer um empobrecimento de sentido devido ao excesso de imagens e vídeos que aprisionam a chance do desejo fluir na realização da experiência”, observa. Logo, a percepção masculina “se torna não congruente com a possibilidade do que está disponível para ser vivido no cotidiano”, destaca a especialista. 

“São mulheres montadas 24 horas por dia, com recursos materiais e de produção para se exibirem nas redes, ou que realizam posições desconfortáveis e gozam sem limites. A vida de uma mulher comum, que não trabalha na área da beleza, da estética e do sexo, é muito diferente. O tempo é escasso, os recursos financeiros nem sempre têm o embelezamento como finalidade e a apreciação pelo ato sexual não costuma ocorrer sob livre demanda”, enumera. 

Mão-dupla

Marcelle faz questão de frisar que “conviver com alguém é frustrante e gera desentendimentos”. “Na vivência de um relacionamento, a mulher bonita pode prosseguir sendo bonita e nem sempre disponível ou amável, ou arrumada”. Ela percebe um movimento de mão-dupla em que “ao mesmo tempo que os papéis de gênero estão sendo redefinidos, temos uma afirmação, até como resistência às mudanças, mais contundente de posições mais clássicas, como a do homem provedor, da ‘esposa tradicional’ e da ‘esposa troféu’”. 

“A ideia de sucesso e comprometimento exclusivo com alguém é assustadora quando se torna claro que uma pessoa, ou pessoas, no plural, na existência de filhos, dependerão da sua boa vontade, renda e saúde de poder trabalhar para serem mantidas. Há também muitas outras atividades a serem cumpridas e realizadas, como viagens, festas, cursos, carros, eventos de entretenimento e experiências gastronômicas com os amigos”, sustenta, dando um panorama amplo do que justificaria o afugentamento dos homens Simon aos relacionamentos sérios. 

“Tudo isso depende de tempo e dinheiro. Obter sucesso profissional e prosperidade financeira já é um trabalho enorme para uma pessoa nas atuais condições econômicas e de mercado. Realizar-se impõe um gasto de energia, realizar-se e levar junto mais alguém pode não soar sedutor. No meio disso, costuma-se encontrar uma idealização de alguém que cumpra requisitos e possua determinados atributos que não colaboram para a ocorrência de uma relação”, complementa Marcelle. 

Rotina

Na tentativa de compreender melhor essas razões, a especialista pondera que, “para os homens saudáveis e que não têm medo da estabilidade e do tédio de uma vida com uma rotina restrita, engatar um relacionamento sério é questão de tempo”. “Eles farão suas vidas afetivas acontecerem quando conseguirem uma promoção, ou mudarem de emprego, ou receberem a herança, ou passarem em um concurso. Há um prazo para encerrar o momento de espera. Em outras condições, essa suposta espera funciona como um depósito de angústia pela qual se justifica a esquiva e a fuga do compromisso consigo e com o outro”, compara. 

No entanto, é preciso ter consciência que “por mais que se queira ter melhores condições de vida, em algum momento é possível perceber que não existe condição, perfeição ou momento ideal, daí que se aprende a trabalhar com o que está disponível e com o que dá para ser feito com o que se tem”. Marcelle dá como exemplo o desejo de ter um imóvel próprio antes de se relacionar. “É provável que, se essa pessoa tiver um salário de 5 mil reais, esse imóvel não será uma mansão em condomínio fechado e sim um apartamento de dois quartos. Não é por isso que não se poderá ocorrer uma relação duradoura”, afiança. 

Ela sublinha que “ser uma pessoa independente que vive sozinha e possuir amigos, gostar de alguém e amar difere de não conseguir amar”. “A linha de separação está na condição de que, se alguém interessante aparecer, a possível relação não será recusada”, corrobora, vide o caso do ator Selton Mello, que, em recente entrevista “deixou espectadores incrédulos quando mencionou um relacionamento que ocorreu em Nova Iorque, mesmo defendendo que gosta de ser solteiro”. “Não querer, não ter energia, não ter disposição, querer dar atenção para si, realizar sonhos é diferente de ser incapaz de conseguir amar e se relacionar sem machucar a si e ao outro”, reforça. 

Problemas

A consequência direta da fuga aos relacionamentos sérios seria justamente “a não formação de vínculos duradouros e a dificuldade de conhecer relações profundas quando a maioria das pessoas já formou família e tem seus grupos de pertencimento num período da vida no qual o tempo está destinado para atividades e pessoas prioritárias”. “Aí não se trata tão mais de solitude e sim de solidão no aspecto mais cruel. A pessoa não terá com quem contar na velhice. Não é pelo aspecto do cuidado, mas é o da consistência das relações ao longo da vida”, analisa Marcelle. 

Ela toma como referência uma entrevista do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), autor de “Modernidade Líquida”, sobre “quantas pessoas se ama e quantas se deseja na vida”. “Os vínculos duradouros são caros, levam tempo e requerem um investimento libidinal ímpar para permanecerem em andamento. Num cenário tão-só quanto esse, as possibilidades das casas de convivência ou a casa de parentes distantes podem não ser a primeira opção que as pessoas desejam e querem para o próprio futuro. Dentro desse caminho, ainda há a perda de oportunidade de vivenciar momentos importantes, arrependimentos, ressentimentos, raiva, ódio, melancolia, sensação de fracasso, vazio existencial e ruína íntima”, conclui. 

Mulheres ficam entre ‘salvadoras’ e a recusa

Diante de homens identificados com o perfil da chamada Síndrome de Simon, há duas reações mais prováveis por parte das mulheres. “Tem as que notam logo que o homem foge de compromisso e se recusam a se relacionar com alguém assim. E tem aquelas que se sentem magneticamente atraídas por tal característica e entram num modo devastador de ‘salvadoras’”, delineia a psicóloga Marcelle Primo.

Nesse segundo caso, haveria uma crença por parte dessas mulheres de que elas “mudarão aquele homem e trarão amor e carinho suficientes para que ele queira e aceite ter compromisso”. “Há uma vaidade em ser a mulher escolhida por um homem indisponível. É por isso que a segunda opção traz muitas mulheres à clínica quando o plano delas não funciona e elas se encontram esgotadas pelas tentativas ou quando a rejeição final acontece”, alerta a especialista. 

Ela aponta outros modos de reação, como “aquelas que tentam iniciar um romance, não conseguem e saem disso rapidamente, e tem aquelas que, ao perceberem esse comportamento, veem a possibilidade de obterem casos rápidos e esporádicos e se beneficiam disso”. “Há mulheres que não querem se casar e ter filhos e não é por isso que elas querem entrar em relacionamentos ruins com pessoas que têm medo e fogem de compromissos mínimos, e 2025 nos trouxe a vantagem de termos outras configurações de relações e com elas outros modos de sofrimento”, arremata.