Pense em uma chupeta. Sim, o que primeiro vem à cabeça é um bebê ou uma criança em seus primeiros anos de vida usando o acessório, associado naturalmente à infância. Contudo, pessoas na fase adulta também estão buscando o bico de borracha para reduzir ansiedade e lidar com o estresse e o caos do dia a dia entre boletos, prazos e responsabilidades.

Estranho? Sim, mas a prática viralizou nas redes sociais e a chupeta antiestresse caiu na moda na China, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, especialmente – mas também ganhou adeptos nos Estados Unidos e também no Brasil. O ator Rafael Cardoso e a atriz Fernanda Lima, ambos em 2021, e o jogador Neymar, no ano passado, foram alguns dos famosos que apareceram usando chupeta em situações aleatórias em fotos compartilhadas na internet.

Em meados deste mês, a ator Ary Fontoura, de 92 anos, publicou um vídeo em seu perfil no Instagram usando chupeta em tom de deboche. “Agora lascou foi tudo. Chupar chupeta para tirar o extress (sic). Alexa, pode mandar o meteoro”, escreveu o artista. 

Vendidas como acessório estiloso, algumas chupetas podem custar até R$ 400 e prometem reduzir a ansiedade e até melhorar o sono, mas é preciso ter cuidado. A Sociedade Brasileira de Pediatria já alertou que o uso prolongado da chupeta atrapalha a mordida e a respiração nas crianças e nos adultos pode ter o mesmo efeito.

“Isso deve ser fake news, não é possível”, diz, num misto de espanto e gracejo, a psicóloga e especialista em terapia metacognitiva, Renata Borja, ao ser questionada sobre a tendência da chupeta. 

Ela interpreta o uso do bico por adultos como expressão de um movimento coletivo, um comportamento de grupo marcado pelo chamado “efeito manada”. Em outras palavras: alguém inicia, o hábito viraliza e, por estar em alta, muitos querem aderir. Em seus atendimentos, no entanto, Renata afirma jamais ter se deparado com pacientes que utilizassem o acessório ou colocassem o tema em pauta.

“Há um pouco do efeito manada e um pouco do comportamento histriônico, da vontade de aparecer, ser o centro das atenções. Carência emocional também é uma forma de chamar atenção. Na nossa sociedade as pessoas querem fazer parte de um grupo e às vezes isso implica fazer coisas esquisitas, excêntricas”, afirma a psicóloga.

Renata Borja observa que é natural o ser humano buscar regulação emocional. Entretanto, existem alternativas mais saudáveis do que recorrer à chupeta como “muleta”: manter uma boa higiene do sono, adotar uma alimentação equilibrada, praticar atividades físicas e investir em experiências que unam prazer e cuidado com a saúde mental – como a leitura, a yoga, a meditação ou outras práticas de bem-estar.

De acordo com a psicóloga, recorrer à chupeta para aliviar as pressões do dia a dia é muito mais um modismo passageiro sem respaldo científico do que algo que realmente gere benefícios à saúde mental do adulto. Além disso, há o risco de pessoas acharem que a chupeta pode substituir a terapia. 

“Não acho válido. Esse comportamento é infantil e disfuncional. Há outras estratégias reais de alívio reais, mais funcionais. Pode até haver um tipo de prejuízo social. As pessoas vão usar chupeta no trabalho?”, indaga a especialista.

Repercussão

O estudante Leonardo Augusto Melo, de 26 anos, não se estranha ao saber que adultos também estão recorrendo à chupeta. “O mundo é chato e ser criança é legal, divertido. Quando você volta à infância, você relaxa, foge do estresse. Não acho que necessariamente tem a ver com falta de maturidade ou não querer crescer. A vida é estressante, precisa relaxar de alguma forma”, diz Melo à reportagem de O TEMPO.

Já a cuidadora de idosos Silvana Tereza Coelho, de 63, argumenta que há muitas outras formas de aliviar o estresse, “não é querendo voltar a ser criança. Isso, para mim, é uma regressão, uma modinha para chamar atenção”. 

O publicitário Diogo Mota, de 42, pondera que o uso da chupeta é mais uma forma que os adultos encontram para suprir algum tipo de necessidade emocional. O acessório, segundo ele, pode até ser um “acalanto psicológico”, mas o uso dele revela a imaturidade da pessoa.

Mota ainda ressalta que, caso se popularize no Brasil, o uso da chupeta tende a desaparecer rapidamente, característica própria do viral. “As pessoas são muito movidas pelo que veem na internet. Essas coisas são muito voláteis e instantaneamente somem muito rápido”, comenta o publicitário. (Com Raquel Penaforte)

Minientrevista

Jailton Souza, psicólogo

Como você interpreta o uso de chupeta por adultos?

O uso da chupeta por adultos pode ser compreendido como um mecanismo de busca por conforto emocional. Para além do simples objeto, ela carrega um forte simbolismo de proteção, acolhimento e segurança vividos na primeira infância. Ao retomar esse hábito, muitas vezes em momentos de ansiedade ou tensão, o adulto procura resgatar uma sensação de calma associada ao cuidado parental. Nesse sentido, a chupeta se torna não apenas um artefato físico, mas um elo com lembranças afetivas que transmitem a ilusão de segurança diante das incertezas da vida adulta.

Até que ponto esse comportamento revela imaturidade ou dificuldade de lidar com frustrações da vida adulta?

Mais do que uma questão de imaturidade, esse comportamento revela uma forma de enfrentamento pouco desenvolvida para lidar com as frustrações. O adulto que recorre a esse hábito demonstra certa dificuldade em elaborar recursos internos mais complexos de autorregulação emocional. Ao buscar na chupeta um alívio imediato, acaba reforçando um padrão de dependência e evitação, em vez de exercitar estratégias de enfrentamento mais maduras, como a comunicação assertiva, a prática de autocuidado ou a reflexão sobre seus próprios limites. É como se a pessoa, diante da sobrecarga, escolhesse um atalho emocional que a transporta para um tempo em que os problemas eram resolvidos externamente, pelos cuidadores.

O uso da chupeta por adultos pode ser visto como um sinal de infantilização? Esse uso na vida adulta pode trazer impactos para a saúde mental? Quais?

Esse comportamento pode, sim, ser interpretado como um sinal de infantilização, especialmente quando se torna recorrente e a principal forma de buscar tranquilidade. Se adotado de maneira ocasional, dificilmente trará prejuízos significativos. No entanto, quando passa a ocupar o lugar de outras estratégias de enfrentamento, pode comprometer o desenvolvimento da autonomia emocional e reforçar sentimentos de insegurança e baixa autoestima. Em alguns casos, pode intensificar quadros de ansiedade e até contribuir para sintomas depressivos. O papel da psicologia, nesse contexto, é compreender não apenas o hábito em si, mas os significados emocionais que ele carrega, ajudando a pessoa a construir caminhos mais saudáveis e funcionais para lidar com suas angústias.