“Tentei parar de fumar várias vezes, há 20 anos já sentia muita falta de ar e fui ao cardiologista, ele me passou uma pastilha e o adesivo para ajudar a parar, mas não consegui. Fumava de três a quatro maços por dia”. O relato é do motorista de aplicativo Ronaldo Melgaço. Ele conta um pouco da história até o dia que conseguiu se livrar da dependência. Ronaldo fumou por quase 40 anos, há três ele parou e relata como a qualidade de vida melhorou neste tempo.

O cigarro, seja o branco, de palha ou eletrônico, está frequentemente associado a rotinas, emoções e situações sociais. Ele compreende uma série de fatores que podem levar uma pessoa à dependência. Por isso, parar de fumar não é somente uma batalha contra a dependência química e física, mas envolve também aspectos psicológicos e comportamentais.

O motorista de aplicativo tomou a decisão após um acidente grave que sofreu em 2022. Ele teve o braço esmagado por um caminhão e, por isso, quase perdeu o membro. No período em que esteve internado, Ronaldo ficou impedido de fumar. “Fiz promessa para Nossa Senhora Aparecida, se eu recuperasse o braço, nunca mais colocaria um cigarro na boca. Eu fiquei quatro meses internado, aproveitei que era um ambiente hospitalar e não poderia fumar. Juntei a força de vontade e a fé”, reflete. Promessa cumprida. Após deixar o hospital, Ronaldo nunca mais acendeu um cigarro.

Uma luta pela saúde

Com o objetivo de reforçar as ações nacionais de sensibilização e mobilização da população para os danos sociais, políticos, econômicos e ambientais causados pelo tabaco, nesta sexta-feira (29/8) é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Fumo. A data foi criada em 1986 para alertar sobre o controle do tabagismo como um problema de saúde coletiva.

O tabagismo é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) uma doença pediátrica. Isso se deve ao fato de que 90% das pessoas que são fumantes se tornam dependentes da nicotina até os 19 anos. Devido a esse fator, muitas vezes o desejo de querer parar de fumar não é suficiente, existem outras implicações no tabagismo e como ele pode agir na vida de uma pessoa.

Segundo a médica pneumologista e coordenadora da Comissão de Tabagismo, Alcoolismo e Uso de Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), Maria das Graças Rodrigues, a nicotina demora de 7 a 19 segundos para chegar até os neurônios, onde produz os neurotransmissores que são responsáveis por dar uma sensação de prazer e relaxamento. “Isso faz com que a pessoa queira repetir essa sensação e assim vai repetindo esse comportamento”, esclarece.

Ela reforça ainda que uma pessoa quando para ou fica algumas horas sem fumar pode começar a ter mal-estar e sintomas de abstinência. 

Doença epidêmica

O hábito de fumar é reconhecido como uma doença epidêmica que pode causar dependência semelhante ao que ocorre com o uso de outras drogas como álcool, cocaína e heroína, segundo o Ministério da Saúde. 

A psicóloga Monique Lombardi, especialista em saúde pública, conta que a terapia auxilia no processo, mas o tratamento é interdisciplinar. A especialista cita o Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece tratamento com o acompanhamento de uma equipe de profissionais que elabora um método viável para o paciente. 

Monique Lombardi ressalta que o processo para abandonar de vez a dependência é individual, cada pessoa tem o seu tempo. “Eu acho importante falar das recaídas, elas fazem parte do processo. Recaiu? Começa de novo! A pessoa também aprende com essa situação, é uma batalha”, reforça.

A psicóloga fala ainda da importância do apoio de pessoas próximas durante o processo. “Somos falíveis, então uma característica nossa é julgar. É importante entender que (o tabagismo) é uma doença crônica. Não é simplesmente um hábito, a pessoa tem prazer com o acesso ao cigarro”, relata.

Questão de saúde pública

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o tabagismo é uma grave ameaça à saúde global, matando mais de 8 milhões de pessoas por ano, 1,3 milhão devido ao tabagismo passivo. O Cirurgião Torácico da Rede Mater Dei, Daniel Bonomi, conta que pessoas tabagistas passivas, ou seja, indivíduos que convivem com um tabagista, podem desenvolver problemas de saúde devido ao contato contínuo com às substâncias presentes no cigarro.

“Uma pessoa que convive com um fumante tem chances de desenvolver problemas por estarem expostas às mesmas toxinas, evidentemente não com a mesma intensidade do fumante, mas é um risco”, declara.

Ainda de acordo com o Inca, cerca de 20 milhões de pessoas ainda fumam no Brasil.

A fumaça do tabaco contém mais de 7.000 compostos e substâncias químicas. Devido a isso, atualmente há registros de mais de 50 doenças que podem ser ocasionadas por produtos compostos pelo tabaco, entre elas os diferentes tipos de câncer como de pulmão, bexiga e boca. Além de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), trombose, entre outras. 

Uma grande parte dos fumantes, não conseguem parar sozinhos e como citado pela psicóloga Monique Lombardi, o SUS oferece tratamentos integrais e gratuitos às pessoas que desejam parar de fumar. O tratamento pode ser feito por meio de medicamentos como adesivos, pastilhas, gomas de mascar (terapia de reposição de nicotina) e bupropiona, além do acompanhamento médico necessário para cada caso.

Segundo o Ministério da Saúde, basta procurar atendimento em uma das mais de 48 mil Unidades Básicas de Saúde distribuídas pelo Brasil, que fornecerão informações sobre locais e horários de tratamento em cada região. 

Em Belo Horizonte, a prefeitura informa que o Programa de Controle do Tabagismo funciona com ações relativas à prevenção, identificação, tratamento e acompanhamento dos tabagistas. O programa segue o modelo recomendado pelo INCA/Ministério da Saúde (Programa Nacional de Controle do Tabagismo) e envolve quatro premissas principais:

  • Abordagem breve e abordagem básica;
  • Abordagem intensiva baseada na Terapia Cognitivo a Comportamental;
  • Ações de educação em saúde para prevenção ao uso do tabaco;
  • Ações de ambientes 100% livres do tabaco.

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o tratamento é ofertado em todos os centros de saúde e é realizado por uma equipe multiprofissional. No entanto, de janeiro deste ano até o momento, somente 70 centros de saúde possuem grupos ativos de controle do tabagismo. Quem deseja iniciar o processo pelo SUS deve procurar a equipe de saúde da família de referência para obter informações sobre o tratamento.

Cerca de 557 atividades foram realizadas em 2025, mais de 1,2 mil usuários foram atendidos na capital.

Ameaça 

O Inca informa que o tabagismo é o principal fator de risco para câncer de pulmão, traqueia e brônquios. Dados do instituto mostram que, das mulheres afetadas pelo câncer de pulmão, 80% morrem em decorrência da doença. Entre os homens esse número é ainda maior, sobe para 85%. O levantamento ainda aponta que, de 2023 até o fim deste ano, a estimativa é de que 32.560 novos casos da enfermidade sejam registrados no Brasil. Ou seja, a cada 100 mil habitantes, 15,06 serão vítimas da doença.

* Estagiária sob supervisão de Ana Clara Brant e Fabiano Fonseca