A estudante Caroline Aguiar, de 18 anos, nunca curtiu a foto de ninguém só porque a pessoa aparecia ao lado de um cachorro ou gato. “Ter um animal de estimação para mim não é critério para namorar”, assegura. Auxiliar administrativo, Samir Alves, de 28 anos, afirma que não se relacionaria com alguém que não gosta de animais. “Isso atrapalharia um pouco. Para gostar de mim, tem que gostar do meu cachorro”, confirma.

Ele nunca saiu com o companheirinho de quatro patas a fim de paquerar, mas conhece pessoas que já usaram essa estratégia. É o caso de Filipe Coelho, consultor financeiro, de 22 anos. “Sempre tive animais de estimação. Quando a gente namora é pensando em casar, então ficaria difícil me relacionar com alguém que não gosta de pets”, diz Filipe. Para a psicóloga Zélia de Lima, de 46 anos, “não tem como a pessoa fingir que gosta de animal de estimação, até porque o animal também sente”. 

Apesar das respostas diversas, uma pesquisa do aplicativo de paquera Happn revelou que 58% dos brasileiros já curtiram alguém só por ter pet na foto. Entre mulheres de 26 a 35 anos, 40% disseram achar alguém muito mais atraente quando aparece ao lado de um bichinho. Além disso, 44% dos usuários acreditam que os pets ajudam a fortalecer vínculos, enquanto 31% confessaram que teriam dificuldade em se relacionar com quem não gosta de animais.

A pesquisa mostra ainda que 66% dos usuários solteiros têm pet: cachorros são maioria (77%), seguidos pelos gatos (38%). E essa relação não pára na foto: 29% já pensaram em levar o bichinho para um encontro, e 16% já levaram de fato. Entre os homens acima de 36 anos, o número sobe para 22%. E detalhe: 45% dos solteiros disseram que adorariam se o crush aparecesse com pet no primeiro encontro. 

Garantia?

Diante de tudo isso, surge a inevitável questão: ter um animal de estimação deve ser levado em conta como critério para engatar um relacionamento amoroso? O que essa condição revela sobre o pretendente? Pessoas que gostam de pets são mais ou menos confiáveis? Para a psicóloga Marcelle Primo, “ter um pet significa, silenciosamente, que a pessoa possui tempo e dinheiro para cuidar do animal, está disposta à interação mínima com outros tutores e tem alguma qualidade de vida”. “Esses são fatores que atraem outras pessoas a querer saber mais sobre esse estilo de vida, características de personalidade do tutor, comportamentos e gracinhas do animal e também a desenvolver vínculos primários que podem se aprofundar”, analisa. 

Psicólogo e especialista em terapia de casal, Gabriel Aguilar acredita que “quem vê alguém cuidando bem de um animal já associa de forma inconsciente que essa pessoa também pode cuidar bem de um relacionamento”. “O pet acaba sendo quase um cartão de visitas emocional. Além disso, os pets nos deixam mais leves enquanto interagimos com eles, sorrimos mais, ficamos mais soltos e acessíveis. Isso reflete na nossa linguagem corporal, na forma como olhamos e até na postura. Tudo isso torna a pessoa mais convidativa para se aproximar, conversar e até flertar”, pontua. 

Vantagens

Marcelle concorda que a presença de um pet “converte parte das interações com o mundo e com os outros em relaxamento e descontração”. “Isso faz com que os ombros não estejam duros, a postura seja menos rígida e o modo de olhar para os outros contenha doses de satisfação, compreensão e ternura. O cenário do flerte com um pretendente está montado e é mais receptivo que o ambiente de trabalho ou um show, por exemplo”, sustenta. Na opinião da psicóloga, a pergunta “você gosta ou tem algum pet?” pode ser o início de tudo. “A cartada que costuma dar certo sempre é mostrar fotos do pet. Quebra gelo, iceberg e até coração de pedra”, diverte-se. 

Aguilar segue na mesma linha ao considerar que um pet pode trazer assuntos naturais e despertar a curiosidade do pretendente, ao se contar “hábitos, histórias engraçadas e manias”. “O segredo é deixar fluir e não forçar. Um simples passeio no parque com o pet já cria um ambiente de conexão”, garante. Segundo o especialista, para quem tem dificuldade em iniciar conversas ou sofre com ansiedade social, o pet ajuda ainda mais. “Ele tira a pressão de ter que puxar o assunto e cria um clima de descontração. Assim, a pessoa consegue se mostrar mais autêntica, porque o foco não está apenas nela, mas na interação que surge naturalmente”, observa. 

Riscos

Por outro lado, Marcelle apresenta dilemas que também podem surgir nesse cenário. “O problema de levar o pet em um date é que o pretendente pode não gostar dessa interação nesse contexto e ficar frustrado. Em vista disso, é sempre importante perguntar se a pessoa convidada quer essa interação e se tem alguma fobia ou restrição de contato em relação a algum tipo de animal, como cachorros, gatos, porcos, aves e répteis”, orienta. Embora não seja regra, a psicóloga afirma que “pessoas com pets costumam ser mais empáticas, mais alegres, menos rígidas em relação à convivência, praticam mais exercícios físicos e possuem mais tolerância à frustração dos acontecimentos cotidianos não previstos”. 

“Ter um animal de estimação implica certa imprevisibilidade no dia-a-dia e isso obriga o tutor a transformar comportamentos e adquirir outros repertórios para vivenciar o diferente sem causar muitos danos a si e ao pet. Para quem está de fora, ver um humano cuidar de si e de um outro, mesmo que um animal, é um indício de alguém disponível ao cuidado, à preocupação e ao amor e também uma metonímia em relação à fundação de uma família: ‘pai de pet’ e ‘mãe de pet’ não estão aí à toa”, afiança Marcelle.

Aguilar salienta que “outro ponto interessante é que a sociedade costuma valorizar em quem tem pet características como paciência, responsabilidade e sensibilidade”. “Isso impacta diretamente na percepção de compatibilidade, porque passa a ideia de que aquela pessoa é capaz de se doar, de construir vínculos e de manter afeto”, arremata. 

Afeto não deve virar exibicionismo

Em um mundo tomado pelas aparências, a relação com os animais de estimação também não está imune ao exibicionismo que domina as redes sociais. Por conta disso, a psicóloga Marcelle Primo pondera que “o pet, enquanto não for exclusivamente objeto de exibição para os outros, e sim um sujeito com valor e significado para o tutor, terá a sua presença marcada na vida da pessoa”. 

“Um animal como auxiliar da conquista não é uma exigência, é uma possibilidade, é preciso avaliar a abertura para o pet ser um facilitador. Essa estratégia não funciona com todo mundo. Se o pet for a única estratégia de conquista de alguém, é provável que tenhamos uma repetição sem repertório, pois isso configura baixo nível de adaptação às diferentes situações de flerte. Sem falar na falta de coragem e traquejo de alguém que não consegue puxar assunto para flertar”, declara. 

O psicólogo Gabriel Aguilar sublinha que “é importante lembrar que o pet é um facilitador, mas não substitui a conexão humana”. “Ele pode abrir portas, mas quem precisa atravessá-las é você. Se o animal for usado apenas como muleta ou desculpa para evitar a vulnerabilidade, perde a força. O pet deve ser uma expressão genuína de quem você é, não um disfarce. E existe um limite ético nisso tudo. O animal não pode ser visto como objeto ou vitrine. Ele precisa ser respeitado como parte da sua vida. Se faz parte de quem você é, ótimo, isso naturalmente se conecta às suas relações. Mas se for usado só como estratégia, além de não ser autêntico, não sustenta uma conexão verdadeira e logo essa fachada cairá por terra”, alerta. 

Para ele, “o pet pode até abrir uma conversa, mas quem constrói o relacionamento é sempre a forma como você se entrega, escuta e se conecta com o outro”. Marcelle complementa que “o animal pode aproximar alguém e também afastar, pois algumas pessoas podem entender que o pet será um concorrente na relação”. “Usar um animal como exibição de um estilo de vida é diferente de apresentar um estilo de vida naturalmente a alguém que se quer por perto. Um implica um uso, um processo utilitário, e o outro uma sedução, pela qual se quer trazer alguém para perto e para a sua vida”, finaliza.