Comportamento

Aprenda a identificar um 'interesseiro', mas saiba: agir por interesse é normal

Especialistas avaliam que, sob certas condições, o oportunismo é até mesmo benéfico, porém, se a prática for habitual, pode denotar traumas


Publicado em 06 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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A mais jovem participante da atual edição do “Big Brother Brasil” (“BBB”) é também a mais hábil jogadora do reality. Com apenas 20 anos, Vitória Moraes, a Viih Tube, vem chamando a atenção do público por sua capacidade ímpar de articulação. Circulando entre todos os núcleos do programa, é a competidora que, até agora, menos correu risco de estar em um Paredão. Para se ter uma ideia, enquanto alguns brothers já foram à berlinda quatro vezes, ela chegou ao top 10 tendo recebido um único voto em toda a sua trajetória na casa. A postura um tanto ardilosa da sister rendeu até um videotape (VT) exibido em um episódio do reality no final de abril. Comparada à protagonista do filme “Garota Exemplar” (2014), que traz a história de uma mulher manipuladora, o VT mostrou como a participante soube, semana a semana, se aproximar de cada um dos líderes, reduzindo as chances de uma possível eliminação.

Ao mesmo tempo em que é aclamada por seu poder de persuasão e por saber, como nenhum dos outros competidores, sair da mira de seus rivais, Viih Tube é acusada por parcela da audiência de adotar um comportamento interesseiro. E, de fato, é possível perceber, nas atitudes da influenciadora, características atribuídas às pessoas oportunistas. A doutora em psicologia educacional Teresa Messeder Andion cita, por exemplo, que esses indivíduos costumam “forçar a amizade” quando acreditam que têm algo a ganhar nessa relação. Por isso, podem ocorrer investidas inesperadas, muitas vezes cercadas de elogios. Não há, além disso, muito pudor em mudar de opinião, sempre buscando se manter ao lado daqueles que vão trazer mais ganhos. Portanto, até para manter essa volatilidade, o interesseiro costuma não se vincular muito solidamente a um grupo. Afinal, pode ser que, em algum momento, seja mais interessante forjar novas alianças e romper com antigas.

Contudo, Teresa alerta que é preciso sopesar que as dinâmicas do “BBB”, por si, obrigam que os competidores adotem uma postura um tanto mais interesseira até para que sobrevivam no jogo. Logo, obviamente, não faz sentido que se faça um juízo de valor sobre aquelas pessoas, que respondem a estímulos de uma condição muito específica. “Tanto que, ao saírem de lá, quando participam de entrevistas, é comum que essas pessoas se assustem e não se reconheçam em suas posturas e atitudes de então”, pondera a psicopedagoga.

E, aliás, mais interessante que individualizar a discussão, cabe observar como ambientes muito competitivos, como no caso do reality, favorecem que comportamentos de oportunismo se tornem mais aflorados – e até tragam, durante algum tempo, vantagens para o interesseiro em questão, apesar de essas atitudes serem lidas socialmente como negativas. “Acredito que todo mundo já conviveu com alguém assim no trabalho, por exemplo. Caso clássico é aquele colega que se aproxima quando precisa de ajuda ou que surfa no trabalho da equipe, colhendo todo o reconhecimento”, indica a psicopedagoga. O jogo de interesses também se faz muito presente no universo da política – e não há nada de necessariamente mau nisso. “Nesse cenário, o problema maior ocorre quando aquele agente deixa de defender os interesses que havia se proposto a representar para usar de sua condição, de seus acessos, para obter benefícios para si”, cita.

História pessoal e traumas podem corroborar para postura interesseira

“Na verdade, essas pessoas interesseiras, considerando o sentido mais pejorativo do termo, se acham merecedoras, mesmo que não tenham se esforçado tanto quanto os outros. E isso pode ocorrer por diversos fatores”, avalia Teresa Messeder Andion. Ela cita que todos nós podemos agir de forma interesseira em determinados momentos e sob determinadas condições, pois aspectos ambientais, como a cultura do ambiente em que estamos, podem funcionar como um estímulo à adoção dessa postura.

O oportunismo, portanto, pode ser apenas uma resposta a uma situação ou ao meio em que se está. Mas a característica pode também denotar uma história de vida conturbada e até mesmo traumas. 

“Se uma criança conviveu com um contexto de relacionamentos familiares deficitários, se ela viu adultos próximos agindo de forma interesseira, manipulando os outros à sua volta, ou se ela própria conseguia benefícios ao mentir e enganar seus pais e tutores, sem que essas atitudes fossem repreendidas, pode ser que essas vivências venham a repercutir em maus comportamentos no futuro”, detalha.

‘Interesseiros’ constroem relações fadadas ao fracasso

Na opinião de Teresa, ninguém precisa se culpar por, eventualmente, agir por interesse. Até porque, sabendo o que se deseja e onde se quer chegar, é possível avaliar com mais clareza do que se pode abrir mão para que os objetivos sejam alcançados. “O que é diferente de ser um interesseiro perverso, que usa e até prejudica o outro a seu bel-prazer. Nesses casos, é preciso que possíveis distúrbios de comportamento ou de personalidade sejam investigados e tratados”, adverte a psicopedagoga. 

Ela ainda lembra que esses sujeitos costumam não se aprofundar em suas relações, que costumam estar fadadas ao fracasso. “É como se a pessoa se relacionasse com o outro pensando apenas no que vai ganhar com aquilo, sem ter trocas verdadeiras. Por isso, ela permanecerá insatisfeita, além de se sentir mais sozinha, o que pode trazer outras complicações psiquiátricas”, pontua. José Roberto Marques, presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), concorda. Para ele, “todos nós, em algum contexto, nos ‘interessamos’ pelo que alguém pode fazer por nós. Seja um favor, uma indicação, um apoio emocional”. “Mas existem pessoas em que a aproximação mais utilitarista se torna um padrão, e elas, sem muita consciência, acabam nutrindo mais relações por interesse do que relações por afeto e afinidade”, sinaliza. 

Marques complementa dizendo acreditar que essas pessoas “estão em desequilíbrio com uma lei universal muito importante, a lei do dar e receber”. “Costumamos chamar de ‘interesseiras’, por mais que essa palavra não soe bem, pessoas que esperam receber muito dos outros, mas estão pouco dispostas a dar”, considera.

Identificação. É a partir desse aspecto que o master coach sênior avalia ser possível identificar pessoas oportunistas que possam estar à nossa volta. “Se, dentro das nossas relações, notamos que há um desequilíbrio entre o dar e o receber, cabe uma reflexão sobre o verdadeiro significado dessa relação”, pontua, asseverando que, mesmo ao observar que o outro com o qual nos relacionamos age por interesse, podemos decidir, por questões diversas, continuar a ter trocas com essa pessoa. “O significado de cada um desses relacionamentos é absolutamente individual e não deve servir de objeto de julgamento de ninguém”, opina.

A psicóloga Bianca Panvequi também sustenta que é possível identificar pessoas com esse perfil ao se avaliar o tipo de relação ela busca construir. “Se você convive com alguém que está ao seu lado apenas nos bons momentos, que você não percebe reciprocidade e que ela só faz algum tipo de movimento a seu favor se tiver algum ganho, certamente está lidando com um ‘interesseiro’”. Na avaliação dela, a convivência com indivíduos assim pode causar sofrimento aos outros à medida que busca apenas explorá-los.

 

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