É uma história insólita, com um quê de ficção futurística: por meio da plataforma de conteúdos pagos OnlyFans, usada principalmente para comercialização de materiais eróticos autorais, a universitária francesa Laurie, 22, permite que os assinantes de seu canal tomem decisões por ela. Recentemente, a jovem, que vive em Paris, abriu enquetes para que os seguidores decidissem, por exemplo, se ela deveria terminar um namoro, abandonar um estágio ou fazer um passeio de helicóptero, mesmo tendo fobia de altura. Aparentemente, a ação, chamada de Live with Laurie (Viva com Laurie), vem rendendo bons dividendos para a influenciadora, que, em entrevista ao portal britânico Daily Star, afirmou doar 25% dos lucros para programas de combate ao bullying e à solidão. 

Não é a primeira vez que a atitude de se deixar ser tutelado pelos outros, assumindo uma postura absolutamente passiva frente à vontade alheia, repercute e gera mal-estar. A ideia de um corpo-objeto, por exemplo, é presente no trabalho da artista contemporânea Marina Abramović, como se pode verificar em uma das mais famosas performances dela: “Rhythm 0”, de 1974. Na ocasião, ela se propôs a ficar imóvel durante seis horas em uma galeria, onde havia 72 itens – incluindo lâminas e um revólver carregado –, que poderiam ser utilizados pelo público da maneira que eles bem entendessem. Durante a exposição, a sérvia deixou que o próprio corpo fosse apenas mais um desses objetos, permitindo que as pessoas fizessem com ela o que quisessem e sem esboçar nenhuma reação. 

Ainda que casos extremos, a partir das propostas de Laurie e de Marina podemos desenvolver uma série de reflexões, examinando, por exemplo, até que ponto nos submetemos à vontade alheia, anulando nossos próprios desejos. Será que, quando cedemos e nos adequamos acriticamente às expectativas dos outros, estamos também fazendo de nosso corpo um mero objeto? Será que, pelo receio do julgamento e das opiniões externas, nos deixamos, passivamente, ser manipulados por quem quer que seja? 

Influenciadores influenciáveis 

“Em alguma medida, todos nós influenciamos e somos influenciados pelo nosso meio social. É algo normal, que acontece o tempo todo”, sustenta o filósofo carioca Antoine Abed, autor do livro “Ensaio sobre a Crise da Felicidade”. É o que ocorre, por exemplo, quando deixamos de ter certa atitude por estarmos em determinado local ou com determinado grupo de pessoas, como deixar de fazer uma piada por estar em um ambiente mais formal, ou quando nos pegando fazendo algo quase sem perceber, como cantar o hino do time do coração só porque outros torcedores estão fazendo isso. 

“Além dessas situações triviais, do dia a dia, precisamos lembrar que nós somos também o resultado do meio em que estamos. Ou seja, pode-se dizer que, na verdade, em nosso processo de formação, vamos absorvendo diversas influências distintas, de maneira que seria mentiroso dizer que não somos, de forma nenhuma, influenciáveis”, estabelece. 

E as opiniões alheias também têm peso sobre o que fazemos e deixamos de fazer. “Felizmente, podemos contar com a visão externa para calibrar nossas autoavaliações e tomar melhores decisões”, opina Antoine Abed, dizendo acreditar que ouvir as sugestões e opiniões dos outros é sempre benéfico, mesmo que a gente discorde delas. “O importante, neste caso, é saber o que devemos ou não considerar, pois há, sim, considerações que não acrescentam e que não deveriam ser levadas em conta com o mesmo peso daquelas que fazem sentido para nós”, pondera. Para o filósofo, o autoconhecimento é a melhor ferramenta para peneirar o que deve ou não ser aproveitado. 

Excesso 

Por fim, Antoine Abed conclui que reconhecer as influências que recaem sobre nós, ouvir opiniões, mesmo as divergentes, e se adequar ao meio social são atributos básicos para a sociabilidade e para o desenvolvimento pessoal. O problema é quando erramos a dose e passamos a anular nossos próprios desejos e valores para não desagradar e para caber em certo círculo social ou profissional. 

“Abrir mão de tomar nossas próprias decisões para fazer o que o outro quer, para não contrariar ninguém, é um exagero, é um tipo de atitude que está ligado à falta de conhecimento próprio. Afinal, se eu não tenho valores bem-definidos, que me norteiam, então qualquer direção será o meu norte”, sugere. Ele alerta que ceder excessivamente aos outros, nos colocando em uma posição de inferioridade, é uma atitude deletéria, sendo um empecilho para a realização pessoal. 

“Pode ser difícil, mas há formas de identificar que estamos agindo assim. Um indício é observar se estamos mudando de opinião só por mudar, se estamos concordando com algo só por concordar, sem convicção, sem uma reflexão mais aprofundada. Se isso está acontecendo, é importante que a gente retome a própria consciência e busque entender a razão de estarmos agindo assim”, propõe. 

Origem do problema 

Na avaliação da psicóloga *Telma Oliveira*, em certa medida, a passividade e a submissão aos desejos dos outros podem se relacionar com uma característica evolutiva dos humanos. “Nossa espécie entendeu que, para sobrevivermos, precisamos nos organizar em grupo. Ou seja, desde o homem das cavernas, já compreendemos que os sujeitos incluídos em um grupo têm mais chances de sobrevivência. Já os rejeitados e deixados para trás ficam mais expostos a riscos. Daí, é muito natural ter o desejo de se sentir acolhido e evitar situações em que se possa ser rejeitado”, comenta.  

No entanto, quando essa atitude se torna exacerbada, é prejudicial. Para ela, a baixa autoestima e a história de vida pessoal estão entre os fatores que podem nos levar a ser reféns das opiniões e influências externas. “Geralmente, nesses casos, estamos falando de pessoas que são muito inseguras e, por isso, vão se submetendo ao outro por temerem qualquer tipo de confronto. Muitas vezes, essa postura foi construída desde a infância, quando a criança, por exemplo, recebeu uma educação muito rigorosa, em que ela não tinha espaço para ter as próprias vontades respeitadas”, informa. 

Adolescer. Telma Oliveira admite que, na adolescência, estamos, de maneira geral, mais suscetíveis ao julgamento do outro. “É uma fase turbulenta, de autodescoberta, em que estamos buscando estabelecer nossa identidade, desvinculando-a da identidade de nossos pais. Por isso, ficamos mais vulneráveis a novas influências, que nem sempre serão boas para nós”, comenta. “Portanto, é muito importante que o adolescente chegue a essa etapa com a autoestima fortalecida e com valores bem-definidos. Assim, os riscos de ceder a algo nocivo para si serão menores”, conclui.