O zelo pela privacidade, com direito até a funcionários que circulam sem serem vistos, confere aos motéis uma aura de mistério, mexendo com o imaginário popular.
Na literatura, na música e no cinema, esses espaços já foram palco de paixões à flor da pele, de vinganças passionais e de crimes mortais. O longa-metragem “Entre Lençóis”, de 2008, protagonizado por Reynaldo Gianecchini e Paola Oliveira, por exemplo, teve como principal locação a suíte de um desses discretos estabelecimentos. Já o clássico “Psicose”, de 1960, dirigido por Alfred Hitchcock, o lugar serve de cenário para um dos assassinatos mais emblemáticos da ficção. Mais recentemente, a sertaneja Naiara Azevedo escalou as paradas de sucesso com a música “50 Reais”, em que narra o flagrante de uma traição em um quarto de motel, por acaso, o mesmo em que a mulher traída foi levada na lua-de-mel.
Contudo, na contramão de como esses espaços são representados nos produtos de cultura, pode-se dizer que, no mais das vezes, o cotidiano dos bastidores do setor moteleiro está mais para o pacato do que para o emocionante.
Dono de motéis na região metropolitana de Belo Horizonte, João Guimarães Barros, 41, conhece bem essa realidade. Há 19 anos, ele atua no setor. Com toda essa experiência, o empresário garante: “Já foi a época em que motel era espaço para traição. Hoje, são poucos casos desses”.
Para cravar a afirmação com tanta certeza, Barros se baseia em evidências – obviamente, ele não fica na porta dos estabelecimentos checando as certidões de casamento dos hóspedes. “Estou te falando isso tendo em vista o comportamento das pessoas que atualmente frequentam os motéis que eu administro. Em geral, chegam com as janelas abertas, sem tentar se esconder. Além disso, mesmo a gente ofertando camisinha gratuitamente, apenas cerca de 30% dos frequentadores utiliza. Por isso, acreditamos que a maioria está em uma relação duradoura, seja namoro ou casamento”, opina.
Outro indício: o administrador cita que há muitos pedidos de reserva para celebração. “São pessoas que pedem para escrever na cama frases celebrando o aniversário de casamento ou, com pétalas colombianas, que são difíceis de encontrar, escrever na cama frases como ‘Quer casar comigo?’”, cita. A demanda por esses serviços é tanta que João investiu em um serviço de cozinha que prepara pratos refinados, que costumam ser pedidos nessas ocasiões. “É um público que está mais disposto a gastar”, aponta.
O empresário avalia que, hoje, a maioria dos hóspedes vai ao motel em busca de conforto. “A banheira de hidromassagem e a sauna são diferenciais”, observa. Outra parcela significativa é de casais que têm filhos pequenos e que buscam um destino em que a privacidade e o sossego sejam garantidos. Segundo ele, esses dois grupos costumam ser os mais assíduos. “Pelo controle da placa do veículo, sabemos de clientes que já estiveram nos nossos motéis umas 200 vezes”, expõe.
“Acredito que só uns 25% do nosso público é formado por pessoas que não estão em um relacionamento longo”, arrisca, situando que, nesse grupo, estão aqueles que vão ao lugar para uma transa avulsa, com alguém que acabaram de conhecer, ou ainda estão no processo de conhecer aquela pessoa, sem estarem em um namoro propriamente dito. Nas contas dele, também entram nesses 25% os que vão ao lugar em casos extraconjugais e/ou em companhia de profissionais do sexo.
Público. Quanto à idade, João Guimarães Barros avalia que o público é muito diverso. “Depende muito da proposta e da localização do motel. Tem alguns que são mais refinados e buscados por pessoas maduras. Outros, são mais frequentados por jovens. De 18 a mais de 70 anos, recebemos um horizonte muito amplo de hóspedes”, observa.
Hora do almoço. As noites de sexta e sábado são, incomparavelmente, as mais movimentadas nos motéis. “Das 20h até 4h da manhã, a equipe é redobrada para liberar os quartos mais rapidamente”, pontua o moteleiro. Durante a semana, contudo, causa surpresa que as segundas-feiras sejam os dias de maior fluxo nesses lugares. “E tem muita gente que vem na hora do almoço. Temos até uma carta de refeições para esses clientes”, observa.
Pandemia
João Guimarães Barros garante que a pandemia da Covid-19 não inibiu os frequentadores de motéis. “O único momento em que ficamos sem clientes foi quando tivemos que fechar as portas. Fora isso, nosso movimento se manteve. Em alguns lugares, houve até o aumento da procura”, comemora. Para ele, a explicação é simples: “Sem eventos para ir, com bares fechados, muitas pessoas passaram a ver essa opção como uma forma de entretenimento e de sair da rotina”.
Nos bastidores, o que mudou foi um reforço na já severa rotina de limpeza das suítes. “Esse é um setor que precisa ser criterioso desde sempre, porque se um cliente acha uma mancha, ele não volta”, observa, explicando que o serviço de higienização de cada quarto dura de 45 minutos a uma hora e meia. “Na hidromassagem, por exemplo, não basta limpar a superfície, mas também usar um produto para limpeza dos tubos”, explica. Já as roupas de cama são lavadas, em água quente, por uma empresa terceirizada. “Mesmo assim, destacamos uma funcionária a rechecar as condições de cada item”, sinaliza.
“Por causa do coronavírus, além de usar desinfetante, passamos a arrematar a higienização com álcool. E isso tem que ser feito em tudo, do controle remoto ao secador de cabelo, passando pelas maçanetas e corrimão”, complementa o empresário. “Também compramos uma máquina de ozônio, que é ligada com o ar-condicionado, matando bactérias que possam ficar no ar”, reforça.
Cuidados
Com quase duas décadas no comando de motéis na região metropolitana de BH, João Guimarães Barros adotou uma série de medidas para evitar contratempos. “Nossas casas têm recepcionistas para garantir o controle do fluxo de clientes. É um gasto adicional significativo, mas que vale a pena. Dessa maneira, podemos verificar se há pessoas com menos de 18 anos em um carro, por exemplo”, comenta.
“Também vetamos a entrada de muitas pessoas em uma suíte só. Com a pandemia, limitamos o número a quatro pessoas por quarto. Com essa medida, já filtramos bem, reduzindo as chances de ir para lá pessoas que querem fazer algazarra”, analisa.
Como os cômodos contam com isolamento acústico, João destaca que os gemidos que saem de uma dependência raramente incomodam pessoas que estão em outra. “Mas tem aqueles que ligam o som em um volume muito alto. Nessa hora, temos que ter jogo de cintura e o melhor a fazer é trocar a pessoa que está se sentindo incomodada de lugar, levando para outro quarto”, comenta.