“Quando você começa a se olhar, a se conhecer, a falar sobre o assunto, sobre a mudança na libido, você abre outro universo, onde pode se preocupar com isso. Da forma que for (depois da menopausa), a gente acaba ficando mais livre com o nosso corpo, com aquilo que a gente gosta, quer, com o que aceita ou não. E isso é muito maravilhoso. Aí é claro que a vida sexual vai melhorar, porque você está dando atenção, está olhando para ela, tentando fazer com que ela fique melhor”. As aspas são da apresentadora Angélica, que, em uma entrevista à edição brasileira da revista “Marie Claire”, voltada para o público feminino, falou sobre como sua vida sexual se tornou mais satisfatória após os 40 anos – ela passou pelo climatério prematuramente, aos 42.
Com o relato, a artista fez chacoalhar um tipo de preconceito muito difundido em nossa sociedade: a associação entre sexo e juventude. Segundo essa lógica, o ápice do prazer erótico e da atividade sexual viria, por um fator meramente fisiológico, nos anos subsequentes à puberdade. Na prática, contudo, essa ideia não se sustenta – como sugerem algumas pesquisas sobre o tema. Caso de um levantamento feito pelo Natural Cycles, de monitoramento do ciclo menstrual, que constatou que as usuárias da plataforma se sentiam mais atraentes e teriam os melhores orgasmos após os 36 anos.
O estudo, divulgado em 2017, avaliou as respostas em grupos etários: a faixa mais jovem tinha menos de 23 anos, a intermediária, de 23 a 35, e a mais avançada, mais de 36 anos. Foi só nesse último grupo que a maioria das mulheres (seis em dez) disse ter mais e melhores orgasmos. Além disso, 86% das usuárias mais velhas disseram ter tido boas experiências sexuais recentemente, percentual que cai para 76% na faixa etária média, encolhendo para 56% entre as mais jovens.
Nem a pesquisa, nem as declarações de Angélica surpreenderam o psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres. “A ideia de que a qualidade da vida sexual aumenta com a idade pode parecer um contrassenso, pois nos apegamos ao mito de que a juventude seria o auge do desejo”, pontua, avaliando que a origem dessa crença está em uma leitura muito limitada do desejo e prazer sexual.
“É como se, só pela força dos hormônios, só por uma questão biológica, tivéssemos mais propensão para o sexo. Mas, na verdade, o que temos entendido cada vez mais é que a maturidade pode nos trazer mais disposição para sermos quem queremos ser e para verbalizar o que desejamos – aspectos fundamentais para a satisfação nesse momento de intimidade”, aponta, sublinhando que a atividade sexual, em vez de ser uma resposta meramente fisiológica, também possui reverberações psicológicas, sociais e culturais.
“A grande questão na relação entre idade e qualidade de vida sexual vem da ideia de que maturidade traz mais autoconhecimento. Nessa fase, quando nos empoderamos, passamos a priorizar o nosso desejo, o que nos dá prazer”, assinala. “Quando somos adolescentes e estamos no início da nossa vida sexual, temos muita insegurança sobre quem somos, sobre como o outro vai nos ver e temos grande necessidade de aceitação pelo grupo e pelo outro. Por conta disso, vamos ter mais dificuldade de nos entregar ao prazer, de nos conectar com o que desejamos, tendo, muitas vezes, uma preocupação excessiva com nossa performance, que acaba nos impedindo de curtir o momento em si”, examina.
Elas e eles
Fazendo um recorte de gênero, Rodrigo Torres cita que, em uma sociedade inclinada a reprimir a sexualidade feminina, as primeiras experiências sexuais das mulheres podem vir acompanhadas de sentimento de culpa e de crenças que vão limitar as possibilidades de prazer. “Existe uma perspectiva muito punitiva, que estereotipa a mulher que gosta de sexo. Pode levar tempo para que essa lógica seja desconstruída”, explica o psicólogo.
Já entre os homens, a necessidade de uma afirmação masculina por meio de um comportamento predador pode jogar contra o prazer. “Eles podem ter sido ensinados que precisam estar sempre prontos para o sexo, que não podem ‘negar fogo’, mas, evidentemente, fazer sexo por fazer tende a trazer experiências ruins”, examina. “Além disso, há uma grande preocupação com a performance e em cumprir expectativas. E o pior é que esse pensamento, no caso masculino, pode persistir mesmo na fase adulta, sem haver um amadurecimento na forma como se pensa o sexo. Com isso, os homens acabam reféns de fórmulas, transando do mesmo jeito com pessoas diferentes”, assinala.
As ponderações de Torres sobre as vantagens do amadurecimento sexual para os homens encontram eco na entrevista de Angélica à revista “Marie Claire”. “Passa também pelo companheiro que você tem, se o cara também está disposto a esse crescimento. A gente (ela e o marido, Luciano Huck) está casado há quase 19 anos, então hoje temos uma intimidade muito maior do que, sei lá, cinco, seis, sete anos atrás. E esse é um assunto importante para nós, uma área que eu acho fundamental. Sexo é saúde. É importante para o bem-estar, para a cabeça, para o trabalho... E é lindo também. Tem essa coisa sagrada do sexo que eu acho incrível”, sinalizou.
Por outro lado, declarações recentes de Crystal Hefner, viúva do fundador da revista adulta Playboy, ilustram a constatação de que idade não é sinônimo de maturidade sexual. “Era uma sequência de eventos bem ensaiada, praticada e exatamente igual toda vez. Escolher algumas meninas na festa (da mansão da Playboy) e levá-las para o quarto. Vestir o uniforme para o trabalho: pijamas de seda. Diminuir as luzes. Colocar música. O pornô. Passar a maconha. E fazer sexo”, expôs ela em um livro biográfico em que aborda a relação com Hugh Hefner. Quando os dois se conheceram, ela tinha 21 anos e, ele, 81.
Desejo sexual não desaparece com o envelhecimento
Se, até aqui, esta reportagem se concentrou na sexualidade de jovens e adultos, é também fundamental trazer mais uma faixa etária para a conversa: os idosos, que, embora tenham sua sexualidade anulada pela sociedade, continuam a ter desejos eróticos. É o que explicam Marta Nieto López e Rigoberto López Honrubia, professores do Departamento de Psicologia da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha.
Em um artigo publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e, posteriormente, divulgado pelo conglomerado de mídia britânico BBC, os estudiosos explicam que os idosos têm basicamente as mesmas necessidades de obter prazer e bem-estar que crianças, adolescentes, jovens e adultos. Eles ponderam que, embora a idade, por si só, não seja motivo para mudar as práticas sexuais que foram desfrutadas ao longo da vida, podem ser necessárias adaptações e ajuda externa, em alguns casos, dadas certas limitações físicas, efeitos de doenças ou medicamentos.
Novas demandas
Marta López e Rigoberto Honrubia dizem ter pesquisado sobre essas ajudas externas em lojas de produtos eróticos espanholas. “Entre os homens, questões relacionadas à ereção são as mais consultadas, desde cremes tópicos até anéis penianos”, descrevem. “No caso das mulheres, são aspectos relacionados à lubrificação e atrito durante as relações sexuais e estimuladores eróticos, como perfumes, lingeries, massageadores e brinquedos”, complementam na publicação, que traz alguns números.
“De acordo com informações obtidas entre os alunos do programa para pessoas mais velhas da Universidade de Castilla-La Mancha (UCLM, Albacete, 2020), a sexualidade é um componente muito importante para seu bem-estar (93%), e, embora a prática de atividades sexuais genitais, como o coito, diminua, o desejo sexual se mantém ativo (71%) e se desfruta do afeto e erotismo (69%)”, mencionam, acrescentando que as mudanças na relação com o sexo na velhice se reflete, principalmente, na abertura emocional durante as práticas sexuais (91%).
Municiados de todas essas informações e dados, os autores do artigo são categóricos: “A busca por prazer se mantém e se expande ao longo da vida”.