Comportamento

‘Chora, pode chorar’: para a ciência, lágrimas ajudam na autorregular emoções

Estudo de 2008 indicou que 88,8% dos participantes relataram melhora de humor após o choro


Publicado em 22 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Em um suave desabafo na composição “Menino Guerreiro”, de 1983, Gonzaguinha revindicou o choro como um recurso legítimo aos homens – que, culturalmente, são desestimulados a ceder às lágrimas. Na canção, que se revelou um clássico da música brasileira, o carioca é categórico: “Um homem também chora/ Menina morena/ Também deseja colo/ Palavras amenas”. Mais recente e energicamente, Pabllo Vittar também reclamou o choro. Dessa vez, para as pessoas que, vistas como um tanto hedonistas, parecem valorizar o prazer em detrimento do sofrimento. Contudo, para a artista maranhense, não é bem assim: “Piranha também ama/ Piranha também chora/ Piranha também sofre se você vai embora”, canta ela no single lançado neste ano. 

Seja para quem for, a verdade é que, normalmente, chorar faz bem. “Existem vários benefícios associados a esse comportamento, que expressa uma liberação de tensões e de emoções que buscam vazão. Tanto que, segundo um estudo de 2008, quase 90% das pessoas costumam relatar que, após o choro, se sentem mais leves e aliviadas”, estabelece a fisiologista Débora Garcia, lembrando que reprimir as lágrimas é lutar contra a natureza humana. “O que precisamos entender é que, antes de fatores culturais, o choro é parte de nossa programação biológica básica. Evidentemente, essa reação não existe à toa, ela tem uma função”, defende. 

A natureza fisiológica desse gesto é reforçada pelas várias circunstâncias que podem desencadear um verter de lágrimas. “O choro emocional, que geralmente denota tristeza, angústia ou raiva, começa no sistema límbico do cérebro para externalizar essas emoções. Mas essa não é a única circunstância associada à liberação lacrimal, que pode significar uma proteção física, auxiliando na limpeza dos olhos ou em situações em que o globo ocular fica irritado. É o que acontece quando cai um cisco ou quando estamos cortando cebolas, por exemplo”, comenta. Já aquele delicioso chorar de tanto rir tende a ser efeito das contrações musculares do rosto, que acabam pressionando a glândula responsável pela fabricação de lágrimas. 

Na avaliação da psicóloga clínica Telma Cunha, o choro, quando proporcional, é sinal de que o corpo está em sintonia e está respondendo bem às emoções. O contrário disso, por outro lado, pode ser um sinal de alerta para a busca de ajuda. “Nós crescemos ouvindo frases como: ‘Engole esse choro’, ‘chorar é feio’ e até algumas mais agressivas, com ameaças – ‘se você não parar de chorar, eu vou te bater para você ter motivo’. Quando estamos falando de homens, o tom é ainda mais grosseiro. Dizem, por exemplo, que homem não chora. Esse tipo de situação é muito violenta e deseduca, fazendo que a criança cresça sem ter a capacidade e reconhecer seus sentimentos, a subestimar suas emoções e a reprimi-las”, critica. 

A psicóloga acredita que a cultura que entende como vergonhosa uma legítima manifestação dos sentimentos é individual e coletivamente danosa. Para ela, é urgente que o choro, inclusive público, seja tratado sem tantas reservas e sem tanto tabu. Há de se lembrar que o berreiro de um bebê é também uma vantagem biológica. “Evolutivamente falando, sabemos que aqueles que choram para manifestar que há algo de errado terão mais chances de ter suas necessidades garantidas e sobreviver. Algo que a gente reconhece por um ditado antigo: ‘Quem não chora, não mama’”, lembra Débora. 

Quando o choro (ou a falta dele) é disfuncional 

A psicóloga Telma Cunha examina que os adultos que mantêm a crença de que o choro deve ser evitado a todo custo vão sofrer sequelas por esse comportamento. “Se o corpo não expressa o que sente da maneira como foi programado, ele vai buscar outras maneiras de demonstrar isso. Daí, teremos sintomas psicossomáticos, desencadeando distúrbios mentais e físicos, como problemas gástricos”, explica. 

Além disso, o ato de represar as emoções e não as reconhecer não é sem consequências sociais. “Se uma pessoa foi orientada desde a infância a invalidar e a desacreditar o que ela própria sente, fica mais difícil para ela ser empática com o que os outros sentem. Afinal, só reconhecemos no outro aquilo que também legitimamos em nós mesmos”, observa Débora Garcia. Ela cita que alguns pesquisadores já relacionaram a barreira ao choro com explosões de ira e com menor capacidade empática. “É uma análise que faz sentido, pois sabemos que o choro nos ajuda a regular o estresse e a ansiedade. Então, se simplesmente não choramos, naturalmente precisaremos de outros recursos para administrar essas emoções”, pontua. 

Evidentemente, ir ao pranto por qualquer motivo é também sinal de que há algo de errado. “Costumo dizer que o choro se torna disfuncional quando ele se mostra desproporcional. Será que a resposta que estamos dando é condizente com a situação real? Ou será que estamos muito fragilizados de forma que não conseguimos lidar com as menores adversidades a partir de outras ferramentas que não ceder às lágrimas?”, pondera Débora. 

Na mesma linha, Telma defende a necessidade de se observar, em adultos e em crianças, se essa expressão está coerente com as situações vivenciadas ou se é uma reação excessiva e constante. “Se isso acontece, é fundamental buscar ajuda, porque o choro excessivo pode ser um indicativo de transtornos de humor, como a depressão”, avalia. 

Educação positiva 

“Naturalmente, as crianças têm um repertório de expressão mais curto que o dos adultos. Por isso, elas vão usar o recurso do choro para expressar tanto uma necessidade como um capricho. É esperado, portanto, que elas chorem com mais facilidade”, explica Débora Garcia, acrescentando que, em uma sociedade que evita falar sobre emoções, esse padrão de comportamento acaba gerando irritação em quem está por perto. “Motivados por essa incompreensão, nos acostumamos e normalizamos uma educação repressora, que diz para os pequenos engolirem o choro”, situa. 

“Hoje, felizmente, cresce o debate sobre outras formas de ensinar à medida que a gente entende que não ouvir nossas emoções é problemático, que essa é uma escolha que traz consequências”, expõe a fisiologista. Ela lembra que, por mais que a birra possa soar fútil para um adulto, o que motivou aquele comportamento é certamente algo valioso para a criança. “Logo, é importante respeitar essas reações. O que não significa fazer tudo o que nossos filhos querem só para que eles parem de chorar”, pondera a especialista. Ela lembra o importante é que haja instrução. 

“Podemos deixar a criança chorar, podemos não ceder às suas vontades, mas devemos ensiná-la a identificar o que está por trás daquele comportamento para que ela aprenda a lidar melhor com suas próprias emoções”, opina.

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