“Viajar faz bem para o corpo, a mente e o espírito”, sustenta a enfermeira Maria de Lourdes Neves, 49, que não perde a oportunidade de botar o pé na estrada. “Voltei de Joinville (em Santa Catarina, no Sul do Brasil) nessa segunda-feira. E posso garantir que a disposição da gente muda. A gente retorna mais bem-humorada, se sentindo melhor com a vida”, garante, dizendo que, durante os passeios que faz, consegue se desconectar de problemas e angústias do dia a dia. “É como se, mais do que um simples deslocamento, a gente fosse transportado para um lugar mágico e muito reconfortante nesses períodos”, conclui.
Opinião semelhante tem a estudante de fisioterapia Luciene Rodrigues, 42. “A viagem remoça a alma”, avalia ela, que veio de Araguari, no Triângulo Mineiro, para fazer turismo em Belo Horizonte. “Vou voltar com a cabeça descansada, com o humor diferente e sem todo aquele estresse que vamos acumulando com a rotina”, cita.
Por fim, o servidor público Warley Vinícius, 49, ratifica: “Eu, sinceramente, acredito que viajar é uma atividade que tem efeitos terapêuticos. É uma forma de ter contato com o novo, de desfrutar do descanso, da liberdade e de renovar as energias”.
Aos olhos da ciência, eles estão certos. É o que indica, por exemplo, um estudo feito na Coreia do Sul, que entrevistou 225 turistas intercontinentais e apontou que a sensação de satisfação pela vida começa a aparecer antes mesmo de colocar o pé na estrada. Em média, os viajantes são tomados de satisfação 15 dias antes de iniciar um novo roteiro. E esse contentamento dura, pelo menos, cerca de um mês após o retorno.
Outra pesquisa, publicada pela “Academy of Management Journal”, indicou que o turismo favorece a criatividade. O dado foi apontado pela Escola de Negócios da Universidade de Colúmbia, em Nova York, segundo a qual marcas do universo fashion dirigidas por pessoas que viveram e trabalharam em outros países tinham designs mais criativos e inovadores. Para os estudiosos, isso ocorre porque viajar nos força a pensar de formas diferentes.
O psicólogo Tiago Henrique, pós-graduado em psicomotricidade clínica e relacional, também reconhece potencial terapêutico no turismo. “Claro que viajar não vai resolver tudo, mas já é algo que traz uma sensação de que estamos fazendo algo por nós mesmos”, pontua. Ele acrescenta que, depois de atravessarmos a maior crise sanitária dos últimos cem anos, as viagens ganharam até mesmo um sentido de urgência. “Nesse tempo, fomos postos diante da nossa fragilidade, da nossa vulnerabilidade. E, ao nos darmos conta disso, ao esbarrarmos, de repente, com a finitude, cresceu em nós a necessidade de curtir a vida”, avalia.
E, se já eram reconhecidos os benefícios do turismo para o bem-estar e a criatividade, um novo estudo reforça que as viagens, muito além de uma experiência recreativa e de lazer, podem ter impacto positivo e contribuir para o tratamento de pessoas com diagnóstico de demência – termo usado para designar qualquer desordem na qual há significativo declínio cognitivo que cause interferência no funcionamento ocupacional, doméstico ou social, ocorrendo de forma crônica e progressiva; a doença de Alzheimer corresponde à maioria dos casos de demência, chegando a um número entre 60% e 80% desses registros.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e, no Brasil, o Ministério da Saúde recomendam que o tratamento para esse tipo de distúrbio seja multidisciplinar. Nesse contexto, intervenções psicoterapêuticas possibilitam melhorar a qualidade de vida e o bem-estar, além de aspectos cognitivos, como memória autobiográfica, atenção, habilidades de conversação e algumas condições neuropsiquiátricas, entre as quais ansiedade e depressão. Para esses pacientes, diversas pesquisas já indicaram ser benéfica a combinação entre tratamentos farmacológicos e não farmacológicos, como a musicoterapia e outros exercícios que promovem a estimulação cognitiva e sensorial.
Apesar do conhecimento sobre a importância de linhas auxiliares para o enfrentamento das demências, até então nenhum estudo havia abordado a relação potencial entre viagens e tratamento clínico desses pacientes. E é justamente esta a premissa de um artigo interdisciplinar chancelado pela Universidade Edith Cowan (ECU), da Austrália, e publicado na revista “Tourism Management”. Liderados pelo cientista Jun Wen, pesquisadores das áreas de turismo, saúde pública e marketing, ligados ao Centro de Saúde de Precisão e à Faculdade de Administração e Direito da ECU, descobriram que as viagens podem, por exemplo, melhorar o bem-estar mental e físico desses pacientes.
Os estudiosos ainda indicam que estar em novos ambientes e vivenciar novas experiências favorece a estimulação cognitiva e sensorial, aspecto muito desejado no caso de pacientes com demência. Até mesmo a experimentação de pratos típicos, fazendo do ritual da refeição algo especial, foi apontada no artigo como positiva, sendo capaz de influenciar o comportamento alimentar desses indivíduos. Outro aspecto mencionado diz respeito ao fato de que, durante passeios turísticos, as pessoas tendem a caminhar mais do que convencionalmente. Melhor ainda, além da realização da atividade física, há maior exposição ao ar livre e à luz solar, o que pode promover, teoricamente, o aumento dos níveis de vitamina D e de serotonina, o hormônio que atua no cérebro regulando a ansiedade, aumentando a sensação de felicidade e melhorando o humor.
Demência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que os quadros de demência são a principal causa de incapacidade e dependência entre adultos, afetando negativamente a memória, as habilidades cognitivas e o comportamento. Em fases avançadas, o distúrbio prejudica a capacidade de o indivíduo desempenhar atividades básicas do dia a dia.
Fatores de risco. Embora existam casos de demência precoce, a idade avançada é entendida como o principal fator de risco para o problema. Pelo viés genético, é sabido que 25% da população em geral com idade a partir de 55 anos possui histórico familiar de demência envolvendo parentes de primeiro grau. Além disso, doenças no sistema vascular são também consideradas importantes fatores de risco para o desenvolvimento da demência. Segundo a OMS, outros aspectos que ampliam o risco de ocorrência desse quadro clínico são diabetes, obesidade na meia-idade, hipertensão na meia-idade, colesterol elevado, tabagismo, sedentarismo, maus hábitos alimentares, consumo de álcool, afastamento de atividades cognitivas e falta de engajamento social.
Futuro. Estima-se que, em 2015, 47 milhões de pessoas viviam com demência, com projeção de que esse número triplique até 2050, tendo sua maior prevalência a partir dos 65 anos de idade”, informa Guilherme da Silva Antes em seu trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de psicologia da Universidade Federal de Santa Maria do Rio Grande do Sul (UFSM-RS).