No Brasil, os casamentos têm colapsado cada vez mais cedo. Hoje, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria não chega aos 13 anos. Antes, a duração média era de 17 anos. No país, além de a união conjugal durar cada vez menos, os desarranjos têm batido recorde. Para se ter ideia, no ano passado, 80.573 casais desfizeram o matrimônio, maior número desde o início da série histórica, iniciada em 2007, conforme dados do Colégio Notarial do Brasil. Contudo, apesar de ter se tornado uma prática mais comum e aceita socialmente, muitos casais ainda relutam em enfrentar o processo de separação. 

“Mesmo com os avanços, as pessoas ainda veem o divórcio como um fracasso, e, por causa do alto índice de dependência desenvolvido entre os casais, leva-se até as últimas consequências para se dizer: ‘Eu tentei de tudo’”, sinaliza a psicóloga clínica Leni de Oliveira, coordenadora do departamento de relacionamento e casal do Núcleo de Psicologia Seu Lugar. Para ela, as idealizações que construímos sobre casamento apontam que só é possível se separar se algo muito grave acontecer. “Então as pessoas permanecem presas a essa regra apesar de extremamente infelizes; é como se isso não fosse o suficiente”, diz. 

A terapeuta alerta que evitar a separação quando a relação já deixou de funcionar pode gerar situações abusivas, frustrações e traumas por causa desses eventos, impossibilitando até novas relações. 

“Se o casal tiver filhos, a situação ainda é pior. É comum filhos relatarem um grande alívio com a separação de pais que estão em conflito constante”, destaca Leni. “Um casal que se separa de maneira amigável tende a manter uma relação saudável por causa dos filhos, um casal que leva até as últimas consequências tende a guardar muito rancor, mágoas e pode envolver os filhos em situações de alienação parental ou descontar neles suas frustrações com a ex-parceria”, pontua. 

O psicólogo e escritor André Barbosa, especializado em terapia cognitivo-comportamental, também destaca que a separação pode ser uma escolha menos traumática para as crianças em comparação com a insistência em um casamento que já não funciona. “Muitos casais alegam não se divorciar por causa das crianças. Porém, eles ignoram que crescer em um ambiente em que os pais não têm uma boa relação conjugal e afetiva vai ter consequências na formação da personalidade do sujeito”, diz. 

“Que tipo de informação esses pais vão passar para os seus filhos? Que tipo de exemplo está sendo dado? É preciso ter consciência de que essa criança vai transpor essas experiências para a vida dela e, mesmo em lares em que não há episódios de violência, há efeitos quando se tem como modelo uma relação disfuncional. No futuro, esse sujeito pode, por exemplo, se tornar menos autoconfiante e mais cético em relação a vínculos afetivos”, sugere o especialista. “E, se esse indivíduo cresceu em um ambiente tóxico, convivendo com episódios de agressividade e de tortura psicológica, por exemplo, tudo fica mais grave”, expõe, lembrando que essas situações tendem a contribuir para o desenvolvimento de transtornos de personalidade, de humor e de ansiedade. 

Quando as relações deixam de funcionar 

Além das razões estruturais e culturais citadas por Leni, muito associadas a uma idealização do casamento como um vínculo eterno – uma vez que, após a união, o outro passa a ser visto como parte de nós –, a decisão de postergar o divórcio pode ser explicada com base em circunstâncias mais particulares.  

“Uma relação pode ter se tornado disfuncional simplesmente por não ter dado certo, por ter virado apenas amizade, sem que haja desejo entre as partes, ou por se tratar de uma relação tóxica e abusiva. No primeiro caso, a dificuldade de se separar pode vir justamente dessa percepção de que a parceria é uma pessoa bacana, que não queremos magoar ou perder o contato”, avalia André Barbosa. Ele sinaliza que, diante dessas circunstâncias, antes de tomar a decisão, deve-se tentar entender o momento vivido naquele relacionamento, que pode apenas estar passando por uma má fase. “Os dois podem tentar compreender onde se perderam, tentar, até mesmo por meio da terapia de casais, resgatar essa chama, entendendo que toda união de longa duração passa por várias fases, incluindo aquelas mais brandas e mornas”, sugere. 

“Mas há também os vínculos pautados pela toxicidade e por situações de abuso. Acredito, inclusive, que estes são os relacionamentos que as pessoas têm mais dificuldade de se desligarem. Em muitas dessas histórias, o abusador age de forma a isolar e convencer a sua parceria de que ela está sozinha, que ele é a melhor pessoa para ela. Esse sujeito manipulador, que normalmente vai se relacionar com pessoas mais vulneráveis, que podem sofrer com um quadro de dependência emocional, por exemplo, chega a imputar culpa à pessoa por episódios de violência – física, verbal ou psicológica – de que ela própria tenha sido vítima”, analisa, sublinhando que, para sair desse tipo de união, pode ser necessária a ajuda psicoterapêutica – “para que a pessoa possa se reerguer” – e o fortalecimento de uma rede de apoio. 

Tempo de maturação. “Divorciar-se não é um processo rápido, pelo contrário. É um processo demorado e muito doloroso. Principalmente no aspecto emocional e no financeiro. Normalmente, a pessoa pensa por um ano e meio, até dois anos, antes de se efetivar o pedido”, explica a advogada Débora Guelman, que atua na área de família e sucessões.

 

Minientrevista 

Leni de Oliveira 
Psicóloga clínica e coordenadora do departamento de relacionamento e casal do Núcleo de Psicologia Seu Lugar 

1. Como casais podem identificar que é mesmo a hora de encarar o processo de separação? Quando não há mais desejo de dividir a vida nem existem planos em comum. Se não é possível me imaginar mais com essa pessoa, se não faz mais sentido, é hora de conversar e repensar se vale a pena manter esse relacionamento. Vivemos um momento em que as relações pedem um bom nível de individualidade para serem saudáveis; se não houver um espaço para os planos em comum, é hora de começar a refletir sobre essa relação.  

2. Há maneiras de enfrentar esse momento de forma mais serena e saudável para todas as partes? Penso que a melhor forma de encarar esse momento é aceitar que é um luto, que não vai ser fácil emocionalmente, mas se perdeu o sentido é melhor do que se tornarem inimigos. Já ouvi de muitas pessoas: “Queria que ele(a) me traísse para eu ter um motivo para separar”. Será que precisamos chegar a esse ponto? Assuma seus desejos, sua vida. Na verdade, tudo é menos terrível do que imaginamos. A grande maioria das pessoas sempre dá um jeito de superar e sempre se sai melhor do que imagina. Não precisa ficar fantasiando. Tenham coragem de libertar vocês dois, não precisam ficar “sofrendo” por medo de sofrer. Se precisarem de ajuda, busquem, faz toda diferença o auxílio de um profissional, tanto individualmente quanto como casal.