O sexo de uma pessoa está em seu corpo. É formado por seus cromossomos (XX para mulheres, XY para homens), hormônios (estrogênio, testosterona), órgãos internos (útero, ovários, testículos) e órgãos externos (vagina, pênis). Mas a forma como todo esse conjunto de fatores é interpretado para dizer que alguém é do gênero masculino ou feminino e o que implica ser homem ou mulher é, estritamente, uma construção social. Estar no meio, em algum tom de cinza entre esse preto e esse branco – ou seja, ser intersexual – é uma situação que causa dor e sofrimentos para quem não teve a “sorte” de nascer dentro dos padrões.
A dor, porém, não é física. E o sofrimento não está no fato de ter um sexo dúbio. O que mata essas pessoas um pouco todos os dias é o preconceito que elas enfrentam por serem diferentes. “O principal dilema e a principal dificuldade da intersexualidade é a estigmatização, é ser taxado como anormal, hermafrodita, monstro. As implicações psicológicas vêm muito mais do preconceito do que da própria corporalidade”, relata a psicóloga Ana Karina Canguçu-Campinho, membro de um serviço de referência em intersexualidade no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Do ponto de vista médico, a condição também não é encarada como um problema de saúde. “A intersexualidade, quando se relaciona a inconformidades entre o tipo das gônadas (órgãos produtores das células sexuais), dos cromossomos, dos órgãos reprodutores internos e da genitália externa, faz parte de uma questão médica que precisa ser melhor investigada para se decidir sobre a necessidade – ou não – de tratamento. Por outro lado, a intersexualidade é um termo vago que não necessariamente representa um indivíduo que esteja entre um sexo e outro, ou que seja de um terceiro sexo”, esclarece o urologista pediátrico Ubirajara Ribeiro Jr., membro da equipe do hospital universitário da Bahia.
No entanto, o preconceito pode vir até de médicos menos preparados para lidar com uma situação de intersexualidade e pressões sociais. “Infelizmente, por ser um problema raro, muitos se ‘arvoram’ (ficam afoitos) a tratar esse problema e cometem equívocos graves e irreversíveis”, constata Ribeiro Jr.
“Operar os corpos de crianças intersexuais para ‘normalizá-los’ é, frequentemente, prejudicial a suas futuras respostas sexuais e, algumas vezes, à fertilidade. Não se trata de fazer o que é melhor para a criança ou para o adulto – é uma escolha política, para fazer a sociedade se sentir mais segura e reforçar as caixas bem divididas dos gêneros: masculino/feminino, rosa/azul”, denuncia a ativista intersexual inglesa Sarah Graham em um artigo para o jornal “Independent”.