No final dos anos 60, a artista plástica Cynthia Albritton (1947-2022) atraiu a atenção da mídia e gerou polêmica ao iniciar uma coleção de moldes em gesso, criados por ela, que reproduziam a aparência do pênis de artistas do mundo da música. Ao todo, a ex-groupie – como são chamadas as fãs que perseguem seus ídolos, muitas vezes se relacionando com eles – chegou a esculpir aproximadamente 50 réplicas fálicas. Entre as mais famosas, está a do guitarrista Jimi Hendrix (1942-1970). 

Integrado ao movimento de contracultura da década de 70, o trabalho de “Cynthia Plaster Caster”, como a artista ficou conhecida, já foi exibido em museus e galerias de arte ao redor de todo o mundo. Mas, curiosamente, na indústria do mercado de brinquedos eróticos, parece que tanto realismo não seria bem-vindo. É o que indicou uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, que revelou um interessante insight sobre as preferências das mulheres em relação aos sex toys. Segundo o estudo, as consumidoras optam por itens inseríveis que não sejam réplicas diretas do pênis. 

Os pesquisadores destacaram um estigma associado aos brinquedos altamente realistas, que, além de serem mais caros, podem deixar as mulheres – e potencialmente as parcerias delas – menos confortáveis. Por outro lado, os vibradores mais abstratos e menos “obscenos” têm ganhado popularidade. Isso porque, segundo os autores, no caso de casais heterossexuais, a escolha de um acessório não realista pode ser mais aceitável e menos ameaçador para os homens, o que acaba influenciando a escolha por tecnologias eróticas mais abstratas. Em paralelo, eles sustentam que a preferência sugere também que essas mulheres não estão procurando um substituto realista para o parceiro quando buscam um brinquedo sexual.

Tendência já havia sido percebida pelo mercado de ‘sex wellness’ 

Contrariando a ideia de que realismo ou comprimento seriam fatores determinantes na hora de escolher um vibrador, a pesquisa norte-americana, que considerou a base de dados da loja Lovehoney, que atende clientes da América do Norte, na Europa e na Oceania, confirmou uma tendência que já havia sido notada por empreendedoras do mercado de “sex wellness” – que mira o bem-estar sexual a partir de uma compreensão do prazer como uma forma de autocuidado, em uma lógica diferente da que impera nos tradicionais sex shops, cuja proposta comercial é mais erotizada. 

Essa preferência por itens que não remetem diretamente ao falo, aliás, é também uma demanda das mulheres lésbicas, como expõe a design de moda Izabela Starling, cofundadora da startup da Pantynova. Ela lembra que, ao criar a plataforma, em 2018, tentava atender grupos que não se via representado pela indústria erótica. “Esse mercado estava muito associado ao imaginário da indústria pornográfica que, convencionalmente, é altamente objetificante para todos os corpos, sobretudo os das mulheres. Outro problema é que os produtos oferecidos remetiam ao masculino, sendo muito fálicos, e não era isso que estávamos buscando – até porque os toys não são um complemento de ninguém”, rememora, dizendo que, como uma mulher lésbica, se sentia intimidada ao entrar nos tradicionais sex shops. 

De fato, o elo entre o mercado de brinquedos sexuais e a indústria de entretenimento adulto era tão forte que alguns atores chegaram a ser convidados para terem os pênis usados como modelo de vibradores. Caso de Alexandre Frota, que revelou, em entrevista ao podcast “Brasil para Maiores”, produzido pelo portal Uol, ter recebido uma proposta assim na época em que atuou como ator pornô. Na contramão desse mercado, a Pantynova e outras startups de sexual wellness oferecem itens mais discretos e possuem diversas cores e tamanhos, sendo inspirados em outras formas naturais, sem buscar, portanto, ser uma imitação do pênis. 

Por sua vez, a idealizadora da boutique de sex toys Sob Sigilo, a comunicóloga Ana Carolina Sanseverino, acrescenta que produtos que reproduzem a aparência do pênis também são evitados por casais heterossexuais. Ela detalha que, nesses casos, o tamanho do genital é considerado até na hora de comprar brinquedos eróticos, sendo comum que o homem evite adquirir itens maiores do que o órgão dele. “Os vibradores e os bullets que mais vendemos têm entre 11 cm e 14 cm”, situa. “Essa forma de ver as coisas me parece equivocada. Esses produtos deveriam ser utilizados para potencializar o prazer, não vistos como algo com o que competir”, pondera a empreendedora. 

Vencendo o preconceito 

A ginecologista e sexóloga Isabela Aguiar concorda que opções mais abstratas tendem a ser consideradas mais aceitáveis para a maioria das pessoas. Ela diz que, quando são usados a dois, no encontro entre homem e mulher cisgêneros, uma das razões dessa preferência é justamente a aceitação masculina. 

Lembrando que os brinquedos sexuais podem ser utilizados tanto individualmente como em casal, a especialista pondera que, por desconhecer como acessórios eróticos podem acrescentar à relação, pessoas que vieram de uma educação mais tradicional podem estranhar, a princípio, o desejo de suas parcerias em usar esses objetos na transa. 

Além disso, ela alerta que, nesse primeiro momento, podem surgir associações de crenças limitantes, como a ideia de que “eu não te dou prazer suficiente, por isso você quer um vibrador” ou comparações de tamanho entre o pênis e o brinquedo em questão. Pensando nisso, ela sugere que a introdução de um item completamente diferente do órgão genital tende a facilitar a aceitação, uma vez que o parceiro não se sentirá ameaçado pela suposta “concorrência”. 

Isabela Aguiar ressalta que a introdução de brinquedos sexuais em uma relação requer comunicação e consentimento mútuos. Nesse sentido, conversar abertamente sobre desejos, fantasias e limites é fundamental para que ambos os parceiros se sintam confortáveis e seguros, compreendendo que o uso desses acessórios não deve ser interpretado como uma substituição, mas como um complemento às práticas já estabelecidas entre o casal. A sexóloga, entretanto, admite que vencer o preconceito pode ser um desafio, uma vez que muitas pessoas ainda associam os acessórios a estigmas e tabus sociais.  

Para superar esse obstáculo, ela sugere uma abordagem educativa e respeitosa, em que se busque compreender que o uso dos sex toys não é reflexo de insatisfação ou inadequação sexual, mas sim uma maneira de explorar novas formas de prazer e intimidade. Uma das estratégias para vencer esse preconceito é se informar sobre o tema. Existem diversos recursos disponíveis, como livros, artigos e até mesmo terapeutas sexuais, que podem auxiliar casais a entender melhor como os brinquedos sexuais podem ser incorporados de forma saudável e prazerosa na relação. 

Dicas 

Apesar de serem frequentemente associados a mulheres, é importante destacar que eles podem ser igualmente prazerosos para os homens. Quando utilizados em um relacionamento, dispositivos como vibradores, bullets e dildos podem ser um elemento excitante que acrescenta novas experiências à intimidade compartilhada. 

Citando dados de um estudo publicado em 2017 pelo periódico científico “Journal of Sex and Marital Therapy”, que revelou que apenas 18,9% das mulheres alcançam o orgasmo apenas com a penetração, a sexóloga Isabela Aguiar indica, por exemplo, o uso de dispositivos com foco na estimulação do clitóris, enquanto o parceiro realiza a penetração. Essa combinação de estímulos pode proporcionar orgasmos mais intensos. 

Além disso, existem vibradores específicos para estimulação masculina, como os anéis penianos vibratórios. Esses acessórios podem ser utilizados para prolongar a ereção, estimular o pênis e o escroto, e até mesmo aumentar o prazer durante a relação sexual. Há também a possibilidade da prática do pegging – quando o homem é penetrado pela mulher. 

Mas, para a brincadeira dar certo, Isabela volta a ressaltar que é essencial deixar de lado preconceitos e estigmas e abrir-se para novas possibilidades. Ao fazê-lo, os casais podem descobrir uma dimensão mais ampla de prazer, intimidade e conexão, fortalecendo sua relação e criando experiências inesquecíveis juntos. O importante é sempre respeitar os desejos e limites de cada um, promovendo uma atmosfera de confiança, segurança e consentimento mútuo.