Desenvoltura

Tamanho é documento, mas não critério para a satisfação sexual

Membros maiores estão na preferência das mulheres, mas não significam melhor desempenho sexual dos homens, avaliam especialistas e pesquisas


Publicado em 02 de outubro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Assunto que ocasionalmente repercute em conversas íntimas ou em manifestações mais públicas nas redes sociais, as dimensões do pênis são motivo de especulação, assombro ou desejo, a depender de cada caso e contexto. Regra mesmo, entre profissionais que lidam diretamente com a temática sexual, é ouvir uma pergunta repetida à exaustão: tamanho é documento? Objetivamente, a resposta é dupla. Por um lado, em termos de apelo, algumas pesquisas demonstram que as mulheres, de fato, preferem membros um pouco acima da média (não há muitos estudos sobre as preferências masculinas para o tema). Por outro lado, dimensões maiores não configuram vantagem aos olhos da fisiologia do prazer.

“Com exceção do micropênis, que, ereto, terá menos de 7 cm, acarretando problemas funcionais, mais ou menos centímetros não implicam um fator para uma boa desenvoltura no sexo”, explica o urologista Luiz Otávio Torres, presidente da sociedade internacional de medicina sexual. A resposta é válida tanto para relações entre homem e mulher quanto para entre dois homens ou para quaisquer outros arranjos amorosos possíveis, expõe, frisando que, mesmo para um coito mais focado na penetração, tamanho não será sinônimo ou critério para a satisfação. 

Falando estritamente do sexo vaginal, Torres é categórico: “As medidas interferem minimamente. Basta perceber que, com a ponta do dedo, a mulher pode se masturbar e alcançar o orgasmo. Além disso, a vagina é um buraco virtual, que acomoda o pênis: suas paredes se amoldam ao seu formato”. Ele lembra que, em média, a profundidade do órgão sexual é de 8 cm, alcançando até 15 cm quando estimulado. Mesmo assim, ressalta que, para a maioria das mulheres, a área de maior sensibilidade está localizada na parte anterior, nos primeiros 5 cm do canal vaginal. No caso do pênis, o urologista expõe que diversas pesquisas indicaram que o tamanho médio é de 14 cm, variando entre 10,5 cm e 17 cm. “Quando são maiores, podem até gerar algum incômodo”, diz. 

Curiosamente, Torres relata que, na maioria das vezes, os pacientes são levados ao consultório motivados não por uma insatisfação de suas parceiras ou de seus parceiros, mas, sobretudo, por uma cobrança autoimposta. “Esses homens gostariam de aumentar o pênis para trocar de roupa no vestiário, para exibirem um genital grande, algo que, no imaginário, está relacionado a mais força e melhor performance sexual”, argumenta, lembrando que boa parte das queixas diz respeito ao órgão flácido – situação em que, biologicamente, o pênis não tem função sexual, apenas excretora.

Reforça a tese de que a queixa é muito mais relacionada à autoimagem o fato de que, quando o sujeito possui um membro considerado grande, mesmo que venha causando algum desconforto nas relações que mantém, o tema não gera tanto incômodo, aparecendo apenas transversalmente nas consultas.

As observações provenientes da experiência clínica de Torres encontram respaldo em pesquisas recentes sobre o tema, como lembra a psicóloga e sexóloga Laís Ribeiro. Ela cita que estudos internacionais apontam que, em média, 85% das mulheres estão satisfeitas com o tamanho do pênis do parceiro. Em contrapartida, apenas 55% deles estão plenamente felizes com as medidas do próprio órgão. Não há levantamentos considerando relações entre homens.

Muito raramente há indicação cirúrgica de aumento peniano

A maioria dos homens insatisfeitos com o tamanho da própria genitália, informa Luiz Otávio Torres, vai escutar do urologista que consultar explicações científicas demonstrando que, efetivamente, não há nada de errado com eles. Para alguns, no entanto, essa conversa não basta. Isso porque há pacientes que chegam a desenvolver a síndrome do pênis pequeno ou transtorno dismórfico peniano, que se caracteriza por uma visão distorcida do próprio corpo. Neste caso, mesmo que comprimento e largura estejam dentro da média, esses homens ficam tão preocupados e estressados com as medidas que passam a ter problemas de autoestima. Esse sofrimento pode afetar relacionamentos e a vida social dessas pessoas, que são encaminhadas para atendimento psicoterapêutico. 

Boa parte das consultas, informa o urologista, são motivadas por comparações em relação a dimensões de genitais exibidos em filmes pornográficos, o que leva a uma falsa impressão de uma média excessivamente grande. A gordura concentrada na região púbica, que pode esconder parte do pênis, dando a impressão de o órgão ser menor, é outro fator que leva muitos homens a procurar ajuda – muitas vezes, pais levam filhos adolescentes com sobrepeso para verificar se há algum problema com eles. São situações passíveis da realização de um procedimento de lipoaspiração para a remoção do excesso de tecido gorduroso da região. 

Outra possibilidade em termos de cirurgias estéticas é realizar um corte nos ligamentos que prendem a base interna do pênis aos ossos da bacia, de forma que o membro vai se projetar para fora dando a impressão de ser maior. Entretanto, há riscos de redução da qualidade da ereção e de retração. 

Torres alerta que os dois procedimentos citados não promovem o crescimento do órgão, apenas o deixa mais exposto. As cirurgias que prometem aumentar largura ou comprimento do genital, por outro lado, são consideradas experimentais, apresentam risco e só são indicadas para casos muito específicos – como amputação para retirada de cânceres e no caso de o paciente possuir micropênis. As terapias domésticas ofertadas na internet são também ineficazes e podem trazer complicações, informa. 

Em relação ao estímulo visual, dimensões costumam ser valorizadas 

Em termos de estímulo visual, no entanto, uma pesquisa australiana divulgada em 2013 encontrou correlação entre as preferências femininas e as dimensões do pênis. O estudo relacionou o tamanho do órgão a outras duas características consideradas, de acordo com investigações anteriores, como fisicamente atraentes para corpos masculinos. A conclusão é que os outros a altura e a proporção entre largura dos ombros e quadris foram preteridos de forma que genitálias maiores, mesmo em repouso, se mostraram mais decisivas nas escolhas das entrevistadas. 

Outro levantamento feito em 2015 por estudiosos da Universidade da Califórnia indicou que as preferências teriam ligeira variação a depender do tipo de relacionamento estava sendo proposto: para relações de longo prazo, as entrevistasdas escolhiam um órgão de 15 cm a 16 cm; para encontros casuais, o tamanho ideal seria de cerca de 16,3 cm. Mais uma vez, não há investigações que forneçam dados sobre essa dinâmica em relações entre homens.

A preferência capturada pela pesquisa era compartilhada por Ana Paula, 28, que confessa: também partia da premissa de que o tamanho da genitália de seus parceiros fosse fazer toda diferença para a qualidade do sexo. Um relacionamento recente, todavia, derrubou suas crenças. “Eu sempre tive orgasmos com ele, que explorava meu corpo muito bem. O que me causava desconforto era a insegurança que ele tinha. Durante o tempo que nos relacionamos, sempre transamos com a luz apagada”, revela.

Já o músico Fabiano Ribeiro dos Santos, 39, faz críticas sobre como os mitos em relação ao comprimento e largura estão associados a uma leitura social machista e racista – algo que, diz, é reproduzido tanto no meio heterossexual quanto entre LGBTs. “Tenho amigos negros que estão em aplicativos de relacionamento gay e, na primeira abordagem, as pessoas já perguntam sobre o tamanho do pau deles. Se o cara não tem 23 cm de pau já não serve”, comenta. “Já ouvi gente que, falando de um amigo meu, dizia: ‘um preto desse tamanho vai ser passivo?’. Esse tipo de comentário pode até parecer elogioso, mas reforça que homens negros permaneçam sendo hipersexualizados e desumanizados, vistos como perigosos, predadores sexuais, selvagens…”, lamenta.

De fato, à luz da história, percebe-se que o falo excessivamente grande aparece associado à selvageria em tradições culturais de civilizações antigas. Na Grécia, por exemplo, o pênis pequeno era compreendido como um sinal de modéstia, racionalidade, autocontrole. Já os grandes eram lidos como “um sinal de luxúria idiota e animalesca – de uma completa falta de controle”, conforme aponta artigo da edição norte-americana da revista “Vice” sobre como o tamanho ideal do órgão cresceu e diminuiu ao longo da história.

Discussão tem como fundo um olhar para o sexo excessivamente fálico

A psicóloga e sexóloga Laís Ribeiro lembra que, de tão repetida, a pergunta “tamanho é documento?” se tornou um clichê quando a pauta é sexo. O assunto está presente em conversas cotidianas, no atendimento clínico e ganha as redes sociais sempre que fotos íntimas de famosos são vazadas na internet.

Em consonância com o que relata o urologista Luiz Torres, ela situa que a maioria dos homens insatisfeitos com as medidas do próprio pênis não relata sofrimento ou constrangimento durante o sexo. “É algo que é fomentado pelos filmes pornográficos, por exemplo. Vale sempre a pergunta: o motivo da queixa é uma comparação? Que tipo de comparação se está fazendo?”, observa. 

Laís avalia que, nas relações, pensando-se no sexo estritamente genital, o tamanho pode fazer a diferença. “A maioria das mulheres tem a zona erógena localizada na fração inicial da vagina, mas algumas podem ter a região mais sensível situada perto do colo do útero”, situa. Mas ela provoca: “A transa significa apenas estimulação genital?”.

Além disso, a sexóloga propõe uma reflexão sobre o caráter falocêntrico em que a discussão se dá: “Se a maioria destes homens possui o membro dentro da média, mas no imaginário deles isso não é satisfatório, podemos questionar se, ao desejar ter mais pênis essa pessoa não revela um desejo de se sentir mais homem ou de querer ter mais poder”. Neste sentido, vale mencionar que a associação entre o tamanho da genitália e a força física se percebe historicamente. Acredita-se, por exemplo, que generais romanos às vezes promoviam soldados com base no tamanho de seus genitais, como informa o mencionado artigo publicado na “Vice”.

O falo como símbolo de poder

Para Laís Ribeiro, o simples fato de esse debate permanecer atual é revelador de uma cultura que compreende o sexo de forma excessivamente genitalizada, ignorando que o corpo humano é inteiramente erógeno. É também sintomático de como a sexualidade é pautada no elemento fálico – algo que tem repercussões, inclusive, no apagamento das experiências de pessoas lésbicas e bissexuais, pois, de maneira geral, é como se somente quando se relacionam com portadores de um pênis que essas relações fossem efetivas.

O doutor em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Sandro Vinicius Sales dos Santos lembra ainda que “a sexualidade dos meninos, desde bem pequeninos, é sempre muito pública e explícita, o que se estende para suas vidas adultas – enquanto homens”. Como exemplo, ele cita uma situação simples e corriqueira do dia a dia: “Se saímos com um menino pela rua e este nos pede para fazer xixi, não hesitamos em baixar suas calças, permitindo que ele urine ali mesmo”. 

As ponderações de Santos se conectam à lógica sociocultural formadora da compreensão da masculinidade hegemônica: “Se a gente vai falar dessa construção histórica, há vários modelos, mas é na Idade Moderna que estabelecemos esse conceito ainda muito presente, o que acontece quando se configura o que são os espaços públicos e os privados e quando se determinam os papéis de gênero – por um lado, então, as mulheres ficam responsáveis pelas tarefas de cuidado, mais privadas, domésticas, em que é permitido a fragilidade, por outro, os homens vão se colocar no espaço público, na política e vão precisar demonstrar força, coragem e virilidade”, apontou o doutor em ciência social Fábio Mariano da Silva em entrevista a O TEMPO sobre a urgência de se pensar novas masculinidades.

Não se deve desconsiderar, portanto, que é nesse contexto sociocultural – em que os homens são estimulados a pensar que seus corpos podem ser postos publicamente e a dar sinais de serem fortes e vigorosos – que a dimensão do pênis torna-se recorrente objeto de preocupação e especulação.

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