“Eu já tive um ex-namorado difícil de superar, não foi fácil. Mas, bola pra frente, vida que segue, e um amor cura o outro, não é?”, reflete a dentista Daniele Custódio, 30. “A verdade é que, se queremos esquecer alguém, temos que trabalhar por nós mesmos, crescer e entender que podemos viver bem sozinhos. Para mim, esse processo de superação foi bem importante, porque foi quando descobri que posso ser feliz com a minha própria companhia”, orgulha-se. Receita parecida é sugerida pelo consultor em logística Pablo Santos, 24. “Eu acho que quase todo mundo já passou por isso. E, para mim, a melhor forma de superar é criando hobbies, investindo em novos hábitos e, literalmente, saindo com outras pessoas. Fora isso, não tem jeito”, garante.

E como de médico, de louco, de técnico de futebol e de conselheiro amoroso, todo mundo tem um pouco, a estudante Patrícia Neto, 23, também tem seus palpites para a cura de um coração partido. “O principal é sair, se divertir, se distrair um pouco e fazer as coisas que fazem sentido para a nossa vida, focando no trabalho e em nós mesmos. Assim, vamos vivendo um dia de cada vez, e, com o tempo, o sofrimento vai passando”, sugere, admitindo que o conselho é fruto de reflexões após ela própria ter vivenciado um episódio assim.

Por sua vez, ao contrário dos outros entrevistados, o tatuador Arthur Camargo, 30, reconhece não ter logrado êxito ao tentar superar um ex. “Eu acho bem difícil. Para mim, tentar esquecer é a última alternativa, só vale se não tiver mais possibilidade nenhuma (de a relação prosperar)”, avalia. “Eu mesmo não tive muito sucesso nessa tarefa. Hoje, nós ressignificamos a relação e nos tornamos amigos”, indica, sugerindo que essa é uma possibilidade se o término “não tem a ver com erros grandes, se as partes não perderam o respeito uma pela outra e se estamos falando de alguém que ainda acrescenta, por quem nutrimos afeto e queremos por perto”. “Nesse caso, por que não tentar de outra maneira, de outro formato?”, questiona.

Das histórias ouvidas pela reportagem, que conversou com passantes em uma praça na região Centro-Sul de Belo Horizonte, há algumas coincidências. A começar pelo fato de todas as pessoas admitirem ter vivido um romance difícil de ser superado. E mesmo as estratégias para esquecer o ex-amor são parecidas: de um lado, apontam para a importância do autoconhecimento, a partir de um olhar mais compassivo para si mesmo e da busca de novos prazeres, por meio de hobbies, e projetos, por meio do foco no trabalho ou nos estudos; de outro lado, indicam que a solução passa também por se abrir para um novo affair, saindo com outras pessoas e, quem sabe, descobrindo “o verdadeiro amor”.

Mas será que essas são mesmo as melhores alternativas para lidar com uma separação? Será possível abreviar a dor e superar logo aquele ou aquela ex? Na avaliação da psicóloga clínica Tatiana Freitas Wandekoken, algumas dessas estratégias, que habitam o imaginário popular, são realmente funcionais. Outras, no entanto, podem se revelar uma verdadeira armadilha.

Como mostra a breve pesquisa realizada por O TEMPO, a especialista indica que o sofrimento após um término, mesmo se esse processo ocorrer de forma amigável, é absolutamente comum e até esperado. “É um relato cotidiano não só na rotina da clínica, como também em outras diversas dimensões da vida”, comenta, sublinhando não haver nada de anormal em sentir-se mal após uma separação ou em sofrer ao ter que se despedir daquele ex-amor. “Estamos falando de um processo de enlutamento. Algo morreu, que seja aquela relação, que sejam as expectativas que existiam sobre ela. Por isso, esse processo de despedida costuma ser doloroso, e, daí, vem a dificuldade de saber o que fazer com essa sensação de encerramento de um ciclo”, analisa.

A também psicóloga Renata Azevedo acrescenta que, se o término ocorrer de forma disfuncional – como em situações em que há ocorrência de violência ou quando uma conversa franca e esclarecedora não ocorre –, esse processo de vivência do luto pode se tornar mais traumático, e o sujeito pode demorar mais a se acostumar com o fim do relacionamento. Um dos efeitos do fenômeno é o reforço de crenças limitantes do sujeito sobre si próprio. “Ele pode passar a pensar que vai acabar ficando sozinho, que é um ‘lixo’, que outros são melhores que ele”, sinaliza.

Dá para encurtar o sofrimento?

Assim como se abundam as receitas caseiras para vencer a ressaca depois de uma noite de bebedeira – que, por acaso, pode ter sido motivada pelo desejo de anestesiar a dor de um coração partido –, multiplicam-se também as sugestões para encurtar o sofrimento e esquecer aquele ex-amor. O problema é que, nos dois casos, as tais receitas “infalíveis” podem simplesmente falhar ou até piorar o estado das coisas.

“Já vi oferta de cursos e até o uso, como abordagem terapêutica, de técnicas que vão induzir a pessoa a ver o outro de maneira repulsiva, destacando seus defeitos ou mesmo imaginando o ex-amor em situações que geram ojeriza”, contou o hipnoterapeuta Lucas Kane em reportagem em que refletiu se existem, de fato, formas de se desapaixonar. “Pode até ser que esses modelos funcionem e a paixão arrefeça, mas esta não é uma forma saudável de lidar com a situação, visto que, apesar de aparentemente superar o sentimento, há indicativos de que pacientes submetidos a esse tipo de tratamento continuam sofrendo, pois são estimulados a pensar recorrentemente em coisas repulsivas, o que, obviamente, vai gerar mal-estar”, salienta.

Tatiana Wandekoken faz análise semelhante quanto a essa abordagem“Eu já vi pessoas falando para canalizar a raiva, fazendo, por exemplo, uma aula de boxe e imaginando que o saco de pancada é aquela pessoa que se quer superar. Mas, veja que ironia, ao fazer isso, estamos associando esse ex à raiva, uma emoção que, tal qual a paixão, é muito intensa. Como resultado, seguiremos pensando muito naquela pessoa. Então superá-la fica mais difícil”, observa.

A especialista reconhece que, após o fim de um romance, ao sentir emoções que interpretamos como negativas, é normal que tentemos evitá-las. “É algo natural, qualquer animal tentaria fugir ou ao menos abreviar uma situação aversiva”, diz. Mas, paradoxalmente, ela sinaliza que só é possível superar um ou uma ex se vivenciarmos integralmente esse enlutamento. “Devemos nos permitir viver a perda, mesmo que haja sofrimento no caminho. Porque só vamos superar verdadeiramente alguém se atravessarmos esse processo e, sem tentar contornar essa experiência, chegar ao fim do ciclo”, estabelece.

Por isso, Tatiana garante ser balela essa história de que só um novo amor nos fará superar um antigo. “Não deveríamos pegar outra pessoa, quase objetificando-a, fazendo dela um instrumento para nos afagar, para aliviar nossa dor, e jogando sobre ela uma responsabilidade que é nossa”, critica. A também psicóloga Leni Oliveira concorda. “Partir para outra sem sequer ter elaborado o fim daquela relação é um erro. Se isso acontece, há mais risco da repetição de padrões. Nesse caso, pessoa vai tentar inconscientemente reeditar a própria história”, pontua.

Ressignificar. Sobre a estratégia do tatuador Arthur Camargo, que buscou ressignificar a relação com o ex, Tatiana sinaliza que esta é, de fato, uma possibilidade. “O pulo do gato é saber se essa foi uma decisão consciente, que foi devidamente avaliada, ou se é apenas uma forma de manter aquela pessoa próxima para evitar a vivência do rompimento. Neste último caso, a estratégia vai se revelar uma furada. Mas, se foi uma questão bem elaborada, esta é, sim, uma alternativa interessante”, diz.

Dicas

Ainda que seja crítica das receitas “infalíveis” para superar um ex-amor, Tatiana Wandekoken reconhece que, sim, existem orientações básicas que podem ajudar nesse processo e que podemos tentar aplicar em nossa vida.

  • Para começar, devemos ter ciência de que, mesmo seguindo essas dicas, vai doer, porque, afinal, precisa doer. Portanto, permita-se vivenciar esse sofrimento.
  • Sabendo disso, invista na sua rede de apoio, que pode ser formada por amigos, colegas de trabalho ou de escola e familiares.
  • Idealmente, se for possível, tente se separar verdadeiramente daquela pessoa. Isso inclui, por exemplo, deixar de seguir nas redes sociais, não revisitar fotos e evitar locais em que sabemos que vamos encontrar o ou a ex. “Mas é evidente que isso não vai ser possível para todos, como no caso de pessoas que têm filhos juntas ou que trabalham em um mesmo lugar. Essa estratégia, então, precisa ser dosada e adequada para cada realidade. O importante é tirar essa pessoa de foco para conseguir olhar para outros lugares”, pontua Tatiana.
  • Por fim, vale investir em si mesmo. “Podemos começar aquele hobby ou curso que há tempos desejamos iniciar. E, de fato, temos a chance de pensar melhor sobre nós mesmos, sobre o que fica de nós depois dessa experiência”, aconselha.