Na tradição da crônica esportiva brasileira, sobretudo futebolística, que tem como expoentes os irmãos Nelson Rodrigues e Mário Filho, o que acontece em campo, durante o tempo válido de uma partida, é por vezes o que menos importa. Um dos principais representantes desse estilo literário hoje, o cearense Xico Sá também não se detém às análises técnicas ou às descrições precisas de lances importantes. “O que menos me interessa é o esporte em si. Escrevo sobre a tragédia do futebol na vida das pessoas”, garantiu ele em entrevista a O TEMPO, quando lançou o livro “A Pátria em Sandálias da Humildade”, de 2016. Assim, atacando na linha “no futebol, como na vida”, o escritor leva questões do dia a dia para o gramado e mostra como um gol (ou sua ausência) impacta a vida dos mais apaixonados torcedores. É nesse contexto que surge repetidas vezes em seus textos a figura do homem que, depois de ver seu time derrotado, perde também o apetite sexual. E Xico tem razão: entre os diversos fatores que influenciam a resposta sexual masculina, aspectos sociais e ambientais podem ser decisivos.  

Sabe-se hoje que repercute no desejo sexual um ambiente estressor ou que desperte grande carga de ansiedade, como uma rotina de trabalho extenuante, brigas conjugais, endividamento ou – vá lá – uma goleada sofrida em um clássico, informa o sexólogo Eduardo Siqueira Fernandes.

Aspectos comportamentais também podem implicar a perda do estímulo erótico, acrescenta o profissional, citando que um dos principais problemas que levam ao que popularmente chamamos de “perda da libido” é um estilo de vida prejudicado – isto é, “em que há sedentarismo, uso abusivo de álcool, de cigarro e de outras drogas”, pontua. 

Há ainda elementos fisiológicos que podem contribuir para a perda dessa, digamos, vontade de “entrar em campo”. Do ponto de vista biológico, as alterações hormonais, fundamentalmente a baixa da produção de testosterona, estão entre os principais causadores desse problema, mas é algo incomum entre pessoas jovens. “A redução da produção de hormônios sexuais está relacionada à idade. Essa baixa se inicia por volta dos 50 anos. Nesse sentido, é importante dizer que não é recomendável a reposição de testosterona para todos os homens. A indicação, aliás, é adiar ao máximo a administração dessa suplementação”, alerta. 

O sexólogo assinala que a redução do apetite para o sexo nem sempre significa uma disfunção. “Alguns homens podem observar uma redução do desejo em comparação com outras fases da vida, e isso pode não vir a ser um problema. E mesmo que o sexo continue sendo importante, pode ser algo que ele não priorize mais com tanta intensidade”, sinaliza. Por outro lado, “é claro que essa redução da libido pode chegar ao ponto de ser incômoda. E é justamente quando começa a trazer sofrimento e angústia que estamos falando de um processo disfuncional. Nesse caso, será preciso investigar as causas para contornar o problema”, completa. 

Fernandes acrescenta que problemas de saúde, como diabetes, hipertensão e alterações na glândula tireoide, podem estar associados a esse declínio do desejo masculino. Ele lembra que o tratamento dessas enfermidades é uma das vias para a retomada da energia sexual.

Também contribuem para esse quadro a baixa autoestima, a depressão, a ansiedade e outros transtornos psiquiátricos, acrescenta a médica sexóloga Stany Rodrigues Campos de Paula. Emagrecimento súbito e obesidade são outros fatores a serem levados em consideração, pois acarretam alterações hormonais, destaca a profissional. 

Stany explica que a curva de resposta sexual no homem compreende, de maneira geral, três aspectos: desejo, excitação e orgasmo. Considerando esse ciclo, é possível que o indivíduo apresente disfunções sexuais específicas e isoladas. Portanto, o desejo pode continuar a existir embora o sujeito não consiga sustentar uma ereção ou, mesmo que a sustente, tenha dificuldades de alcançar o orgasmo, por exemplo. Contudo, qualquer um desses transtornos tem potencial de minar a libido. “Se há uma disfunção erétil, esse indivíduo pode, por insegurança, não querer mais fazer sexo, o que vai levar à perda do desejo”, explica. 

Antes de ir ao médico, homens buscam tratamentos paliativos

O cultural receio masculino de buscar ajuda médica é um empecilho ao tratamento efetivo de problemas de ordem sexual. “Quando tem uma dificuldade relacionada ao sexo, antes de buscar ajuda com um especialista, os homens costumam tentar várias formas de resolução paliativas”, comenta Stany Campos de Paula. Esse dilema de uma busca caseira por soluções está entre as dimensões da sexualidade masculina – entendida pelo imaginário popular como “infalível” – que Xico Sá alcança em suas crônicas.

No texto “Assim no futebol, como na vida”, o autor faz uma defesa do “direito sagrado” de, ocasionalmente, não desejar o sexo ou de não alcançar uma ereção – situação que ele compara ao medo do artilheiro diante do pênalti. “De ovo de codorna, de catuaba para cima, exame antidoping neles”, brinca Xico na publicação em que cita também diversas pílulas, como o Viagra, o Levitra e o Cialis, que prometem solucionar, mesmo que apenas paliativamente, algumas dificuldades sexuais dos homens – mas que têm efeitos colaterais graves, como implicações cardiovasculares, se usadas sem orientação médica.

“Só quando esse sujeito compreende que, definitivamente, está passando por uma disfunção sexual é que vai atrás de auxílio profissional. Mesmo assim, em geral, esses pacientes acreditam que o problema é apenas biológico, embora, às vezes, seja multifatorial. Por isso, a busca por terapias sexuais ainda é um tabu”, adverte Stany. Já o sexólogo Eduardo Siqueira Fernandes nota que há uma mudança comportamental em curso, ainda que lenta e gradual. “Percebo que eles procuram mais ajuda do que antes. Anos atrás, eu tinha menos pacientes homens, e aqueles que vinham eram trazidos por suas parcerias. Hoje, muitos chegam ao consultório sozinhos. Há uma mudança de cultura que precisa ser evidenciada”, assegura.