Mercado erótico

Fetichismo: comércio de roupa íntima usada ganha força na web

Além de o contato com calcinhas, cuecas e meias usadas ser um fetiche para algumas pessoas, esse tipo de negócio rende dinheiro extra


Publicado em 24 de setembro de 2021 | 03:30
 
 
 
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O mercado de produtos relacionados ao sexo – que incluem de lingeries e lubrificantes a sex toys – já vinha se ampliando progressivamente quando, em 2020, o contexto de confinamento imposto pela pandemia da Covid-19 deu ainda mais força ao comércio desses itens. Naquele ano, esse tipo de negócio cresceu 4%, movimentando mais de US$ 78 bilhões. E a expectativa é que essa curva de crescimento se mantenha firme e forte, com um incremento de 5% ao ano até 2027.  

Os dados, que podem impressionar, constam em um relatório produzido pela empresa de consultoria Allied Market Research, sediada nos Estados Unidos. Mas essas cifras podem ser ainda maiores. Isso porque o documento considera apenas o mercado formal, ignorando as transações informais, que também têm ganhado força, principalmente graças à popularização das redes sociais e de sites de compra e venda.

É o caso da comercialização de roupas íntimas usadas, como cuecas, calcinhas, meias e até máscaras. Trata-se de um tipo de negócio que rende uma grana extra, principalmente para pessoas que já trabalham com a produção de conteúdo erótico, como a autônoma Ste, que tem 28 anos e vive em Florianópolis, em Santa Catarina.

“Eu já estava inserida no universo fetichista havia alguns anos, quando fui abordada por um cliente e no primeiro momento, como qualquer outra pessoa, estranhei. Porém, me interessei. E, assim que efetuei a primeira venda, vieram outros, e acabei notando que seria mais um nicho a ser explorado”, conta, comemorando ter sido “juntar o útil ao agradável e ainda ter uma renda extra”.

De acordo com ela, a venda de calcinhas usadas não é tão comum, mas é, sim, algo bem significativo. “A principal exigência deles é o tempo de uso e que seja o mais verdadeiro possível”, observa. Ela detalha que os valores cobrados pelos itens variam de acordo com o tempo de uso, modelos e cores. O produto mais barato vendido por ela custou ao comprador R$ 90. O mais caro, R$ 200.

Também foi por acaso que o publicitário Rafael, 31, e o administrador de empresas Rodrigo, 42, descobriram a possibilidade de comercializar cuecas por eles usadas. “A gente havia criado uma conta adulta no Twitter, com foco na produção de conteúdo homoerótico e exibicionismo. Após cerca de três meses, começamos a receber mensagens de pessoas pedindo nossas cuecas. Como temos mais de 300 peças, criamos uma loja virtual em sites de vendas populares – como OLX, Mercado Livre e Enjoei – e anunciamos algumas”, relatam. 

O casal, que vive na capital paulista, explica que os valores mensais obtidos por meio dessas transações variam bastante. Eles contam que, nos dois primeiros meses, conseguiram arrecadar aproximadamente R$ 1.200. “Mas, para isso, foi preciso uma grande dedicação em termos de anúncios”, admitem.

Mas, mesmo que a venda de cuecas usadas represente apenas um pequeno complemento de renda para Rafael e Rodrigo, eles reconhecem que a demanda pelos itens no meio fetichista é alta. “Ficamos surpresos com a repercussão. Inclusive temos clientes que fazem compras recorrentes”, pontuam. 

Os valores cobrados variam de acordo com a marca e até de acordo com o sucesso que o anúncio faz. Quanto mais visualizações e interações, mais valorizada fica a peça. “Também consideramos o estado geral da cueca”, contam, acrescentando que o item mais barato vendido por eles custou R$ 18 e, o mais caro, R$ 60. “As compras normalmente são de duas ou mais peças, para amortizar o valor do frete”, detalham. 

Exigências 

Há quem pense que a venda de peças íntimas represente uma maneira de ganhar dinheiro sem esforço, o que não é verdade. Além da dedicação em criar anúncios atrativos, outros diversos desafios se impõem até que a venda seja concluída. 

“A maior dificuldade é quando alguém que não conhece o meio fetichista te encontra ‘por acaso’, te enche de perguntas e, logo em seguida, te bombardeia com vários xingamentos. Há também as tentativas de golpes de falso pagamento”, comenta Ste. Para evitar esse tipo de saia justa, ela prefere circular em ambientes mais seguros, como grupos e fóruns virtuais dedicados a pessoas já iniciadas no meio fetichista. 

Já Rafael e Rodrigo contam que precisam cumprir com uma série de exigências para, então, concluir a transação. Para começar, precisam garantir que a embalagem será discreta, uma vez que os clientes nem sempre vivem sozinhos. Além disso, “as cuecas devem ser preparadas, sendo usadas por pelo menos um dia. Alguns pedem que ejaculemos na peça, outros solicitam sinais de uso, como pelos aparentes”, informa. “Pedidos de fotos e vídeos usando o item em um ato sexual também são comuns”, diz. “Eventualmente chegam pedidos que não temos interesse em atender, como para ‘provar’ a cueca em nossa residência, em uma estação de metrô ou em um carro”, completa. 

O casal garante ser zeloso ao cumprir os desejos dos clientes deles. “Não queremos ser meros aproveitadores. Eles estão consumindo um produto, de um interesse bastante específico, mas que não deixa de ser um produto”, comentam, dizendo que compradores satisfeitos costumam voltar. “Alguns se tornaram pessoas com quem falamos inclusive de assuntos pessoais”, contam. 

Internet aproximou fetichistas 

A psicóloga e sexóloga Enylda Motta observa que a comunidade fetichista se tornou mais coesa e conectada graças à internet e às redes sociais, que possibilitaram um “match” de desejos comuns – por mais incomuns que eles sejam. “O universo virtual aproximou as pessoas da oportunidade de expandir conhecimentos, o que gerou a quebra de tabus a partir de debates mais abertos sobre sexualidade. E, claro, a partir disso mais indivíduos se abriram a novas experiências”, cita. 

Também sexóloga, Lelah Monteiro acrescenta que a internet não apenas possibilitou que essa combinação de desejos se desse de maneira mais facilitada, como tornou possível que essas transações comerciais acontecessem. Ela inteira que mesmo as pessoas que curtem interagir com peças íntimas usadas não costumam admitir que possuem esse tipo de desejo. “É tudo muito novo, e há muito julgamento, o que deixa esses sujeitos intimidados”, sinaliza. 

Para Enylda, “o fetiche por roupas intimas é mais um que assusta a maioria das pessoas, uma vez que esse comportamento costuma ser associado ao que é ‘errado’ e ‘imoral’”, observa, situando que o fetichismo nada mais é que um comportamento sexual em que determinadas partes do corpo ou objetos inanimados causam excitação. “É o caminho onde a pessoa obtém o prazer sexual e muitas vezes chega ao orgasmo”, comenta. 

E esse comportamento pode se tornar problemático? “Sim, pode se tornar problema, mas não pelo fato de ser fetiche. Isso vai acontecer se o contato com roupas íntimas usadas se tornar a única forma de prazer, e essa prática passar a gerar sofrimento, angústia, afetando a relação com a parceria, que pode ser deixada de lado, ou mesmo a vida profissional do sujeito”, salienta a psicóloga. Em alguns casos, satisfazer esse desejo pode levar o indivíduo a situações de risco, como no caso do furto dessas peças. 

Já Lelah lembra que o contato com esses itens pode trazer riscos à saúde, uma vez que as roupas íntimas, mais que o odor, podem ser fonte de bactérias, por exemplo.

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