O que é um baile funk? Como se organiza a economia das favelas? Qual foi o impacto das intervenções militares nas periferias cariocas? A enciclopédia WikiFavelas quer responder a essas e outras perguntas, reunindo o conhecimento popular e acadêmico sobre estes bairros onde moram um de cada cinco cariocas.
“O acervo acadêmico sobre as comunidades é extremamente fragmentado de diferentes disciplinas: geografia, história, antropologia, museologia; mas não há um conhecimento agregado sobre as favelas”, explicou à AFP Sonia Fleury, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenadora do projeto WikiFavelas: Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Desde que começou a trabalhar no projeto, Sonia percebeu uma “efervescência cultural muito grande” nessas comunidades, “um esforço enorme de resgatar a memória, documentos que os moradores possuem e que estão se transformando em centros de estudos, em museus, grupos culturais”.
Pontes
Dali surgiu a ideia de criar uma plataforma virtual que permitisse estender “pontes”: por um lado, sistematizar e colocar à disposição do público em geral o conhecimento “extremamente complexo e rico” que os moradores das favelas têm de seus próprios territórios; e, por outro, devolver a essas comunidades os conteúdos produzidos no âmbito acadêmico com base em estudos realizados nas favelas.
O resultado é uma página em construção, alimentada por dezenas de colaboradores que possam propor novos conteúdos e alterar os já existentes, respeitando as regras definidas por um Conselho Editorial composto por acadêmicos e estudiosos nas favelas, muitos deles nascidos nos mesmos bairros.
Um exemplo foi a vereadora Marielle Franco, nascida na favela da Maré e assassinada em 14 de março de 2018, aos 38 anos. Sua dissertação de mestrado, sobre o programa de Polícia Pacificadora, implantado nas favelas na última década, deu origem a um dos artigos da nova enciclopédia.
‘Temos uma opção’
O Wikifavelas.com.br pode ser considerado um guia das comunidades – as quais, embora estejam estreitamente vinculadas ao resto da cidade, permanecem invisíveis para quem não passa por elas diariamente.
À lista de instituições de referência, de massacres que marcaram sua história e filmes sobre seus moradores, somam-se definições de personalidades e fenômenos próprios. Por que não ficar com as definições desses conceitos em páginas como o Wikipedia? Para fomentar a “pluralidade de narrativas”, justifica Sonia.
Em enciclopédias “neutras”, como a Wikipedia, “a palavra ‘favela’ sempre foi usada como um adjetivo pejorativo”. “‘Isso é coisa de favelado’. Não concordamos com os termos neutros do Wikipedia, não somos neu tros. Temos uma posição em relação à perspectiva emancipatória da cidadania e da cidade”, afirma Sonia.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 22,2% dos cariocas viviam em favelas em 2010, data do último censo demográfico nacional.