A associação entre o peso ao nascer e o peso quando adulto vem sugerindo, conforme diversos estudos, que o ambiente intrauterino e os hábitos paternos têm um efeito profundo no desenvolvimento fetal, influenciando inclusive no risco de os filhos – e até os netos – desenvolverem futuramente obesidade e terem também outros hábitos não saudáveis. Esse fenômeno, cada vez mais pesquisado por cientistas em todo o mundo, os médicos estão chamando de “sedentarismo hereditário”.
Estudo realizado com camundongos para avaliar como o exercício e os hábitos alimentares durante a gravidez podem interferir na qualidade de vida dos filhos de pais obesos foi desenvolvido pelo professor Ronaldo Araújo, chefe do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O trabalho foi apresentado recentemente no 12° International Symposium on Vasoactive Peptides, em Belo Horizonte.
Araújo explica que o estudo mostrou que “as mães que praticam exercício físico durante a gravidez fazem com que o DNA dos seus filhos apresentem modificações”. Após o nascimento dos animais, os pesquisadores desafiaram os camundongos com uma dieta hiperlipídica (rica em gordura).
“Os animais vindos de mães que treinavam não engordavam, já aqueles filhos de mães sedentárias ganhavam peso. Ou seja, pensando em sedentarismo, se a prole vem de mães que não treinam, eles (filhos) são mais suscetíveis à obesidade”, afirma o professor.
A Universidade Harvard, nos Estados Unidos, também já fez investigação semelhante e concluiu que as crianças têm uma chance 75% menor de se tornarem obesas quando as mães, durante a gestação, mantêm um conjunto de cinco hábitos: dieta saudável, peso sob controle, prática regular de exercícios, consumo moderado de álcool e não uso do cigarro.
Os estudos realizados até então, segundo Araújo, já mostravam outros tipos de hereditariedade: “já é bem caracterizado que a poluição e o estresse durante a gravidez são fatores desencadeantes, que levam a um aumento de doenças cardiovasculares dos filhos quando esses se tornam adultos”, diz.
O professor reforça que essas marcas no DNA podem ser passadas até para os netos. “Se, por exemplo, o homem for fumante e apresentar modificações no seu DNA, ele vai fazer com que o seu filho herde essas características e passe essas marcas no DNA também para os filhos deles.
Então, quer dizer que um pai que fuma hoje e que vai ter um filho pode afetar a vida do seu filho e também a vida do seu neto fazendo com que eles tenham maior propensão a doenças metabólicas e cardiovasculares”, garante Araújo.
Harvard
Aquelas crianças cujas mães mantiveram um peso saudável tiveram risco de obesidade 56% menor em comparação com mães acima do peso, mostra estudo.
Janelas críticas
As células adiposas, aquelas que armazenam gordura, e as células do sistema imunológico começam a se formar do meio até o final da gravidez tanto em camundongos quanto em seres humanos.
Os estudos demonstram que existem ‘janelas críticas’ do período gestacional, ou seja, momentos diferentes de exposição a um ambiente obesogênico podem levar a fenótipos alterados na prole, dependendo de quais células e tecidos estão se desenvolvendo naquele momento.
Com o crescimento da obesidade em todo o mundo e a preocupação com seu efeito transgeracional, os cientistas acreditam que é importante entender melhor as janelas críticas do desenvolvimento e suas influências independentes no risco de doença metabólica. Ao se ter uma ideia melhor de quais janelas do desenvolvimento são mais afetadas pela obesidade materna, novos estudos poderão ser feitos.
Minientrevista
Ronaldo Araújo
Professor da Unifesp
Qual é o ‘peso’ dos hábitos da mãe no perfil genético dos filhos?
A literatura mostra que os hábitos sadios da mãe vão fazer com que ocorram modificações no DNA, e pesquisas com camundongos revelam que animais vindos de mães com hábitos saudáveis têm mais resistência a enfermidades, como diabetes, obesidade e doenças coronárias e cardiovasculares, entre outras.
Esses estudos ainda mostram que o estilo de vida do pai também pode atingir a prole?
Está cada vez mais evidente e mais documentado que a qualidade do esperma e a do DNA do pai vão afetar de forma muito significante aquele embrião, o filho e, depois, as futuras doenças que esses filhos possam ter. Já está descrito que pais que apresentam diabetes, que tem distúrbios endócrinos, são obesos e também fumam têm filhos com maior propensão ao diabetes, à obesidade e às doenças cardiovasculares quando adultos.
Como isso acontece?
Esses hábitos maléficos ou essas características não saudáveis fazem com que o DNA do espermatozóide apresente modificações que nós chamamos epigenéticas (herdáveis) que vão fazer com que esse feto e depois esse filho tenha marcadores não saudáveis.