Rainha do rock’n’roll e um dos maiores nomes da música negra internacional, Tina Turner faleceu em 24 de maio deste ano, gerando uma catarse nas redes sociais. Nem todos os posts com “RIP” colado à imagem da cantora, porém, partiram de fãs ou apreciadores do soul ou do estilo atrevido dela no palco. Uma parcela deles é dos chamados “ativistas de ocasião”, pessoas que se apropriam de algum “hype” do momento, especialmente ligados a causas sociais, simplesmente para ganhar créditos em sua imagem pública.
Em artigo recente para a revista “Serrote”, os pesquisadores Natalia Carrillo e Pau Luque deram outra denominação para esse grupo cada vez maior de perfis que aderem a movimentos não porque são militantes ou grandes simpatizantes. São os hipocondríacos morais. A exposição de uma opinião indignada – quando ela não se transforma num ataque ou tentativa de cancelamento – tem a única função de atender a um interesse próprio, ligado a um sentimento de culpa sobre fazer parte de um sistema que se beneficia da opressão.
Em outras palavras, seria como se um heterossexual passasse a defender publicamente, em suas redes, a diversidade sexual sem nunca ter feito nada de concreto para denunciar a homofobia. “Todos nós queremos pertencer a um grupo e parecer adequados. Isso é natural do ser humano. A conexão é necessária para a sobrevivência da espécie. O problema não está no desejo em si, mas nos pensamentos obsessivos de culpa que ele acredita ter e quer a todo custo eliminar”, pondera Renata Borja.
Psicóloga especialista em terapia cognitivo comportamental e mestre em relações Interculturais, Renata observa que as redes sociais são apenas o instrumento para tentar obter validação para acabar com o desconforto pessoal. “A imagem ‘positiva’ desejada, quando alcançada em pequenos momentos, reforça o comportamento. Entretanto, ela não acaba com os pensamentos e a sensação de culpa”, registra. Renata explica que a ação desses hipocondríacos geralmente está vinculada à tentativa de invalidar os pensamentos obsessivos.
“Não está ligada em geral a uma conduta que tenha sentido e significado para a vida. Portanto, a ação não serve para a resolução do problema que ‘gerou a culpa em si’, mas sim para tentar eliminar os pensamentos e as emoções desconfortáveis”, analisa a psicóloga. Antes da internet, os hipocondríacos morais chegavam a participar de alguns movimentos, mas não da mesma forma que as pessoas mais engajadas, o que acabava tendo resultados catastróficos, mais atrapalhando do que ajudando propriamente.
Com o advento da internet, eles ganharam um importante palanque, chamando mais atenção para si do que para os problemas que criticam. Gostar de Tina Turner por seu importante papel como artista negra, mas só lembrado no momento da morte da artista, é uma conduta comum do “mundo simulacro” que estamos vivendo, de acordo com Renata Borja. “A representação artificial ficou mais relevante e aparentemente mais bonita e sedutora que a realidade, passando a substituí-la”, destaca.
Na definição clássica de hipocondria, ligada à saúde, aqueles que são afetados por ela apresentam pensamentos obsessivos sobre a possibilidade de ter ou vir a ter alguma doença grave. “Eles exibem um medo ou ansiedade excessivos, acompanhados de preocupações e comportamentos de hipervigilância, verificação e checagem com o objetivo de averiguar a veracidade dos seus pensamentos no intuito de amenizar a ansiedade gerada por eles”, explica Renata Borja.
Fisicamente, é uma pessoa “saudável” que busca mecanismos para tentar acabar com uma fragilidade que ele não tem, mas pensa que pode ter. A verdadeira doença é psicológica. No caso da hipocondria moral, “quanto mais culpa, maior a necessidade de culpar outro para se provar moralmente adequado para si e para o círculo que quer impressionar na tentativa vã de eliminar os pensamentos intrusivos e desconfortáveis e amenizar a própria culpa”.
A internet, portanto, surge como carimbo de validação externa, confirmando o usuário como moralmente adequado. “Ele tem boas intenções morais, mas os seus comportamentos o tornam doente psicologicamente”, sublinha Renata. Para pôr fim a essa legião de hipocondríacos morais, o ser humano precisaria voltar a agir politicamente e – o que é difícil imaginar – usar menos as redes sociais para aplacar culpas. Trocando em miúdos, não gaste seu tempo em Facebook, Twitter, Instagram e TikTok e parta para a ação!