Os olhos brilham, as pernas tremem, o frio na barriga aumenta. Todo mundo sabe identificar os sintomas de uma paixão. O relacionamento vai engatando, as carícias e os beijos se intensificam, até culminar na cama – ou onde o casal preferir. Mas, nem sempre, um dos pontos mais importantes de qualquer relacionamento a dois – o sexo – funciona do jeito que muita gente deseja.
Casais que se gostam, mas são incompatíveis na cama, são bem mais comuns do que se imagina, como revela a sexóloga e psicóloga Enylda Motta. “A gente pensa que isso não acontece, mas acontece, sim. Muitos também, quando começam a namorar, percebem um encantamento, uma alegria, que são outros aspectos fortes em um relacionamento, mas deixam de lado a importância dessa química (sexual). Pensam em outras formas de química, seja a financeira, a do companheirismo, a de atenção, a emocional. Mas, sim, muitos casais vivem essa incompatibilidade”, revela a especialista, que diz atender muitos casais com essa demanda.
Isso também acontece no consultório de Marina Simas de Lima, psicóloga, sexóloga e terapeuta de casal e família.
Mestre em psicologia clínica e sócia-fundadora do Instituto do Casal, com sede em São Paulo, ela comenta que, por incrível que possa parecer, isso é bem frequente. “Muitos casais chegam a zero de transa, perdem a intimidade, a expressão corporal como o toque e o erótico. Acredito que o sexo começa fora da cama e precisa ter admiração, cumplicidade, jogos de sedução para aquecer. Muitos jovens têm se queixado de falta de curiosidade e experiência em relação ao sexo. Será que isso está associado à era digital? E há os casamentos de longo prazo em que a resposta sexual é diferente. A ênfase deve ser mais na qualidade do que na quantidade, porém aqueles que não se adaptam podem correr o risco de ficar sem sexo”, analisa.
Marina Simas acrescenta que há muitas explicações para esse desencontro sexual. A falta de experiência, de treino e até a falta de tempos juntos. “A resposta sexual costuma fluir de forma natural de acordo com as fases: desejo, excitação e orgasmo. Se nada estiver atrapalhando vai ocorrer a sequência lembrando que a primeira fase é a principal para resultar em movimento como contato, masturbação, ereção e lubrificação para obter o sexo com qualidade. É preciso um ajudar o outro, tanto no resgate ou desenvolvimento do desejo para intimidade, para a relação e para o sexo”, esclarece.
Outro problema apontado pela sexóloga é a ausência da chamada química, que, para muitos, é algo complexo de se entender. “Cheiro, toque, encaixe, beijo. Compreendo que sexo se constrói, desenvolve e aperfeiçoa na relação de intimidade, e atualmente existem tantos recursos... Mas fiquei pensando quando realmente não existe a tal química. O risco é deixar de viver uma parte importante que é a sexualidade em si. Outro risco é buscar fora do casamento. E alguns terminam a relação, pois não querem ser parentes, gostariam de viver o papel de homem e de mulher, que é um diferencial que se aplica para o casal”, avalia Marina.
Descompasso
Foi o que aconteceu com a empreendedora Tatiana*, 34. Ela revela que o principal problema de sua separação foi justamente a famosa “falta de química”. Tatiana ficou casada durante cinco anos e chegou a ter uma filha. Apesar de nunca ter escondido o amor e a admiração que sentiam pelo outro, Tatiana diz que sempre faltou um “tchan a mais na relação”. “No começo, foi uma paixão bem forte, tudo era ótimo. Mas, pouco tempo depois, era como se literalmente a gente não se encaixasse. O sexo nunca foi maravilhoso, te confesso, mas o amor da gente sempre foi tão intenso, que a gente meio que ‘deixava de lado’. Só que a coisa foi degringolando, principalmente depois que engravidei”, relata.
Tatiana revela que ela e o então companheiro chegaram a procurar ajuda especializada, apesar da resistência do marido. Mesmo assim, o resultado acabou não sendo satisfatório. “Química é uma coisa que você tem ou não. Não dá para criar. Rola ou não. É bem complicado uma relação durar tendo amor, mas sem um sexo que seja bom. Apesar de outras coisas terem sido muito importantes para mim, como a estabilidade emocional e até financeira, não deu mais. Foi uma pena a gente não ter dado certo, mesmo se amando muito. Mas tivemos esse fruto lindo que é a nossa filha”, ressalta.
Diálogo é sempre um bom caminho
Mas, afinal, o que fazer quando há essa falta de sintonia entre amor e sexo? A sexóloga e psicóloga Enylda Motta acredita que a terapia de casal pode ser um bom caminho, e, claro, muita conversa entre os parceiros com um escutando as demandas do outro. “Tem que ter muito diálogo sobre o que está havendo e também momentos de lazer juntos, escutar o que um gosta e o que o outro também gosta, cada um ceder um pouquinho para tentar achar esse equilíbrio na busca dessa compatibilidade. Tem casais que conseguem superar isso, e outros não. Vai depender de como cada um está disposto a ceder no relacionamento, a se conhecer, a se permitir novas opções e aventuras dentro da própria relação”, aconselha.
Já a colega Marina Simas de Lima também indica um pouco de ousadia, além, é claro, da ajuda especializada. “Hoje sabemos que existe uma grande idealização do sexo. Sabemos também que sexo é mais malhação do que inspiração. Às vezes, você ou o casal não estão com vontade, mas logo aquece e funciona bem. Por isso, procure agendar momentos (dia e horário) para melhorar a atuação e performance sexual caso seja um objetivo e meta do casal. Busque inovar e se soltar. Sexo é algo alegre, lúdico e prazeroso. Não pode ser uma obrigação. Recomendo também visitar um sex shop e buscar novidades”, aponta.
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*nome fictício