Morar no interior, em uma casa grande, plantando e cozinhando a própria comida e adotando uma série de cuidados em relação ao lixo que produzimos no dia a dia. É assim que a maioria dos jovens diz, hoje, desejar viver no futuro, conforme apontou uma pesquisa que busca compreender quais tendências de estilo de vida devem ganhar força até o ano de 2030

O estudo, que ouviu 14 mil jovens, de 15 a 20 anos, de 13 nacionalidades, é parte do projeto “Better Living Program”, coordenado pela Eletrolux, e foi divulgado na semana passada pelo canal Nossa, do portal Uol. No Brasil, 33% dos entrevistados associam uma vida mais sustentável ao fato de morar em casas grandes e, para 46%, a residência deve estar localizada no interior, e não nas grandes cidades. As escolhas estão na contramão do que se vê nos principais eventos que apontam tendências de moradia, como o Casa Cor e a Bienal de Veneza, que atualmente estão em cartaz e que, em todas as edições mais recentes, apresentaram soluções para a vida em apartamentos pequenos.

Não por acaso, os resultados apontados pelo levantamento surpreenderam a consultora e doutora em tendências Suzana Cohen. “Quando li sobre morar em casas grandes, comecei a rir. Algumas das pessoas ouvidas pelos pesquisadores talvez já vivam sozinhas. Mas, considerando a faixa etária, acredito que a maioria deve estar na casa dos pais. Portanto, são pessoas que não tiveram a experiência concreta de cuidar da própria morada. Acho difícil que esse tipo de escolha supere o desejo por uma vida mais prática”, pontua.

“Vejo que muitos dos diagnósticos apontados pela pesquisa são uma resposta ao momento que estamos vivendo. Mas não sei se esses anseios vão se manter a longo prazo. O que noto é que a pandemia tem funcionado como um propulsor de mudança”, avalia. “As pessoas estavam habituadas a um certo estilo de vida, mas tudo mudou de repente. Esse desejo por mais espaço certamente aparece como uma resposta a esse momento em que nos vimos obrigados a fazer quarentena em casa, em que espaços de convívio ficaram limitados, o que, certamente, foi sentido por adolescentes, que, naturalmente, têm necessidade de formar grupo com seus pares”, situa a especialista.

Da mesma maneira, o desejo de morar no interior só se torna uma realidade mais factível à medida que a pandemia forçou uma aceleração da virtualização das dinâmicas sociais. “Se não existisse a conexão com a internet, como acontecesse hoje, se não estivesse provado que é, sim, possível manter relações pessoais e profissionais onde quer que seja, acredito que esse tipo de desejo não apareceria de forma tão forte”, comenta, lembrando que outros estudos já indicaram ser crescente o número de pessoas adeptas ao chamado nomadismo digital - um estilo de vida em que o sujeito viaja pelo mundo sem abrir mão da carreira.

A interiorização, de acordo com Suzana, também diz do desejo de desaceleração. “Enquanto para outras gerações o excesso de trabalho era tido como uma virtude, temos atualmente um movimento que se opõe a essa lógica”, cita.

Artesanal

O estudo também mostrou que, em suas futuras casas, 36% dos jovens querem produzir seus próprios alimentos, 34% desejam realizar a compostagem ou reciclagem de todos os resíduos alimentares e outros 34% querem cozinhar alimentos saborosos à base de vegetais.

Mais uma vez, esses desejos podem ser vistos como uma resposta às experiências vivenciadas durante a pandemia da Covid-19, mas não só. “Essa ideia de plantar e preparar a própria comida é algo que traz conforto em um momento em que uma crise sanitária mostrou que o controle nos escapa. Então, é uma medida que nos devolve a sensação de que temos como controlar alguma coisa”, sinaliza, acrescentando que há um forte movimento pela retomada do artesanal.

“De um lado, a virtualização permitiu que a gente trabalhe, estude e até se relacione com os outros pela tela. Mas a lida com tecnologia, com celulares e computadores, se tornou tão excessiva que as tarefas manuais passaram a ser mais valorizadas, sendo até uma alternativa terapêutica”, diz. A compostagem, por outro lado, já era uma tendência que vinha aparecendo fortemente. “Em Portugal (onde Suzana mora), vejo soluções de compostagem em folhetos de supermercado”, relata.

Ecologicamente corretos

Na avaliação da consultora Suzana Cohen, a geração ouvida pelos pesquisadores tem na sustentabilidade e na ecologia um tema muito caro. “É uma preocupação dessa juventude, que, inclusive, mobiliza a busca por uma moda sustentável (67% das pessoas ouvidas no estudo disseram desejar investir em roupas de alta qualidade e 65% querem ajustar e cuidar de suas roupas para que durem mais) e que está por trás também do veganismo (12% acreditam que comerão carne produzida em laboratório)”, sinaliza.

Mas será que a ideia de sustentabilidade que a pesquisa registra é, de fato, sustentável? A arquiteta e urbanista Nara Freira acredita que não. Para ela, embora revestida de um verniz teoricamente ecológico, alguns dos desejos revelados pelo estudo representam mais uma ameaça ao meio ambiente do que uma salvação.

“Se toda essa juventude resolver mesmo ir morar em grandes casas no interior, como vai ser? Por que não teremos habitação para toda essa gente. Então, teremos que construir ainda mais enquanto, nas grandes cidades, teremos um índice ainda maior de imóveis vazios. Para mim, isso soa o contrário da sustentabilidade”, critica.

Mestre em espaços urbanos e professora de projetos arquitetônicos, Nara reconhece que, com a pandemia e a necessidade de adoção de medidas como o isolamento social, muitos sentiram falta de espaços de convivência mais amplos. “É um diagnóstico correto, porque realmente temos poucos locais de encontro em capitais como Belo Horizonte. Mas não acredito que a resposta correta para esse déficit seja uma individualização ainda maior, com cada pessoa criando seu próprio espaço verde, seu cantinho ao sol”, opina.

Vale lembrar que a construção civil é um setor da economia que pode causar diversos impactos ambientais. São empreendimentos que, na maioria dos casos, exige o consumo de recursos naturais, gera mudanças no solo, áreas de sol e vegetação e ainda promove outros reflexos, como o aumento no gasto de energia elétrica.

Portanto, Nara sustenta que melhor seria investir em uma construção que viesse em sentido oposto. “Para sermos efetivamente sustentáveis, deveríamos apostar no estímulo à habitação de moradias que já estão erguidas, na criação de espaços de convivência que deixem as cidades mais acolhedoras para as pessoas e na experiência coletiva. Por exemplo, no meu condomínio ou no meu bairro, posso organizar sistemas de compras de produtos orgânicos e saudáveis, produzidos por comunidades próximas”, sugere, inteirando que viver em uma cidade grande não precisa significar um conflito com o meio ambiente.