A publicitária Manuela* tinha apenas 9 anos quando viveu uma das experiências mais traumáticas da vida. Ela brincava com a irmã, de 2 anos, quando percebeu que a menina perdeu o equilíbrio, caiu na piscina e começou a se afogar. Ao olhar para o lado, não viu nenhum adulto: os pais tinham confiado a ela a obrigação de cuidar da bebê.

Mesmo sem saber nadar, Manuela mergulhou na água e conseguiu tirar a pequena. “Saí e dei um sermão nas pessoas adultas que estavam lá. É meio bizarro pensar nisso, né? Eu tive que pedir para terem atenção com uma criança na piscina, sendo que eu também era uma criança na piscina”, relembra. 

Atualmente, aos 31 anos, ela percebe que, ao longo da infância, acabou assumindo um papel de responsabilidade sobre os dois irmãos, hoje com 23 e 24 anos, por mais que os pais nunca tivessem delegado claramente a ela a função de cuidar deles.

“Em alguns momentos, me pediam para dar uma olhadinha ou para ficar com eles. Foram várias as circunstâncias da vida que me fizeram sentir que eu deveria ser mais responsável”, conta, destacando que o diagnóstico de bipolaridade da mãe contribuiu para tomar esse tipo de atitude. 

O relato da publicitária vai ao encontro da pesquisa publicada pela revista científica “Journal of Family Issues”, da Universidade Estadual de Ohio (EUA), que revelou dados sobre a saúde mental de pessoas que têm irmãos.

Segundo a publicação, adolescentes de famílias com muitos integrantes têm uma saúde mental pior que a dos que vivem em núcleos familiares menores. Foram ouvidos quase 20 mil alunos do oitavo ano da China e dos Estados Unidos, com idade média de 14 anos. Em ambos os países, o resultado foi semelhante.  

Embora Manuela enxergue que o fato de ter irmãos contribuiu positivamente para a sua saúde mental, ela sente que a forma como os pais lidaram com o cuidado distribuído entre os três filhos pode tê-la afetado mentalmente.

A análise da psicóloga e psicopedagoga Roneida Gontijo Couto corrobora a avaliação da publicitária. “Acredito que a saúde mental possa ser afetada, não pelo número de irmãos, mas sim pela forma de relacionamento familiar. Se a relação é conflituosa, e não há recursos para resolver esses embates, isso pode causar danos à saúde mental. Esses conflitos podem trazer estresse e ansiedade de forma exacerbada, dificultando o equilíbrio emocional”, aponta a especialista. 

De fato, a pesquisa concluiu que pessoas com muitos irmãos tendem a ter uma saúde mental mais precária justamente pela distribuição de atenção dos pais. Principal autor do estudo, o professor de sociologia Doug Downey faz uma analogia dos cuidados paternos e maternos com a partilha de uma torta.

“Se você pensar nos recursos dos pais como uma torta, ter apenas um filho significa que ele receberá todos os pedaços. Mas, quando você adiciona mais irmãos, cada criança recebe menos recursos, e isso pode ter um impacto na sua saúde mental”, comenta o docente no artigo. 

Por outro lado, a psicóloga entende que, quando pais decidem ter mais de um filho, as crianças aprendem a compartilhar e a ter empatia. “Se só existe um filho, com certeza este terá toda a atenção voltada para ele. Ele será sanado em todas as suas necessidades, sem precisar compartilhar com ninguém. Porém, sabemos que é de suma importância a criança aprender desde cedo a compartilhar, a desejar, a buscar resolver conflitos, a ter empatia. Tudo isso faz parte para a construção da personalidade do indivíduo”, pondera Roneida. 

“O primeiro ambiente de experiência para a criança é o familiar. É nesse lugar onde ocorrem trocas, experiências, conflitos, amor, solução de problemas, aprendizados… Por isso, esse contato com os irmãos é riquíssimo para o bom desenvolvimento de todas as habilidades socioemocionais. É por meio desse ambiente que a criança ou adolescente terão oportunidades de crescer de maneira saudável, segura e resiliente”, analisa.  

*Nome fictício 

Quanto menor o intervalo entre nascimentos, pior a saúde mental 

A publicação revelou ainda que o impacto na saúde mental dos adolescentes com muitos irmãos foi ainda maior quando o intervalo de nascimento entre eles foi de menos de um ano. Na visão da psicóloga, isso acontece porque, “quanto mais nova uma criança, mais dependente de cuidados é”.

Isso faz com que os pais se sintam estressados porque “precisam se desdobrar nos cuidados, e muitas vezes isso traz consequências difíceis de serem administradas, causando um transtorno geral no ambiente familiar”, aponta. 

O estudo apontou também que adolescentes de famílias mais bem-sucedidas financeiramente tinham saúde mental melhor do que aqueles com condições menos favoráveis. Na avaliação da psicóloga, porém, o fator econômico não é o único que deve ser levado em conta.

“Acredito que não o fator econômico, mas sim as oportunidades de vida influenciam a saúde mental, pois proporcionam qualidade de experiências”, afirma. 

Ela explica ainda que a saúde mental pode piorar justamente na adolescência por ser uma fase de “mix de sentimentos.” “E eles ainda não têm maturidade suficiente para lidar com mudanças. Por isso, os sentimentos são intensificados, dificultando a forma de lidar com a realidade. Sem falar do mundo paralelo em que estão inseridos, que é o virtual”, sentencia.