Vida já não era tão novinha quando descobriu um tumor. Ela foi forte, passou por uma cirurgia e começou a fazer quimioterapia. Mas reagia mal. Com seus 12 anos, a cachorrinha lhasa apso não aceitava bem a ração, vomitava muito e chegou a desenvolver gastrite, além de problemas de pele. Para continuar o tratamento, Vida precisava estar fortalecida. Foi a partir desse drama que a sua tutora, a médica oftalmologista Adriana Bonfioli, 43, ouviu falar pela primeira vez da alimentação natural para pets.
Não pensou duas vezes e logo acatou a recomendação feita pelo profissional que acompanhava o caso. Hoje, aos 16 anos, a cachorrinha vai muito bem, obrigada! E, agora, ela não está sozinha nessa nova dieta. Ocorre que Adriana adotou mais dois cães, uma golden retriever e um dogo argentino, além de dez gatinhos! E todos eles se tornaram, por assim dizer, naturebas. “Foi uma experiência incrível! Mesmo passando pela químio, já dava para ver que a Vida tinha virado outra. Parou de vomitar, não recusava mais comida, sua pelagem melhorou e nunca mais sofreu com uma inflamação no ouvido que sempre voltava”, garante.
Registra-se: assim como Adriana, muitos tutores buscam opções alternativas à ração para alimentar os seus bichinhos. “Como estamos cada vez mais atentos a uma alimentação saudável e funcional, vejo como algo quase natural a tendência de aderir a uma dieta natural para os pets também”, examina Ludmila Barbi Trindade, médica veterinária e mestre em nutrição animal pela UFMG.
Sua colega de profissão, Beatriz Terenzi Seixas, concorda e acrescenta: “Acho que a popularização está acontecendo à medida que as pessoas veem que não é nada impossível ou complicado mudar a alimentação do seu pet”, afiança. As vantagens, afinal, são muitas: “mais disposição e energia, pelo e pele mais saudáveis, fezes com menor volume e odor, melhora no apetite, controle do peso, benefícios para a saúde urinária e renal, ajuda no controle de doenças crônicas como diabetes, entre outros”.
Benefícios
Com tantos animais em casa, Adriana passou a ter ainda mais certeza dos benefícios em adotar, para eles, a alimentação natural: “Dormem menos, ficam mais ativos e alegres”, observa. Detalhe que, para garantir comida para toda essa turma, a oftalmologista precisou comprar um freezer só para armazenar as refeições da bicharada.
Beatriz Seixas anota que há várias modelos de alimentação que fogem ao modelo convencional. “Desde a crua com ossos – que eu prefiro por ser a mais próxima da dieta de seus ancestrais na natureza, como o lobo e os felídeos selvagens – à alimentação cozida sem ossos e com carboidratos”, cita, acrescentando que cada pessoa deve ler mais sobre o assunto para, então, “escolher a que mais se adéqua aos seus objetivos e estilo de vida”.
Esse apelo ancestral citado pela veterinária, aliás, foi o chamariz para que a geneticista Camilli Chamone, 45, aderisse ao modelo de alimentação natural. “Cães e lobos são geneticamente muito parecidos (tão parecidos que é possível obtermos filhotes do cruzamento entre eles). Então, por que não?”, argui, reconhecendo que, inicialmente, “não tinha expectativa alguma”. Todos os seus cães (inclusive filhotes em desmame) passaram a ser alimentados com a comida natural crua e com ossos, desde 2008. “Foram tantos os benefícios que voltar a oferecer ração tornou-se impensável!”, comemora Camilli, lembrando que há 11 anos ração não entra em sua casa.
A geneticista observou logo de início que a mudança fez bem aos animais. “Quando eles comiam ração, eu tinha que misturar frango, carne moída, caldo de carne para motivá-los. E mesmo assim, eles viviam fazendo greve de fome”, lembra. Com a mudança, “a alimentação passou a ser um momento de felicidade para eles”. E além dos ganhos em saúde, “os cães passaram a ter ‘menos cheiro de cachorro’ – atualmente, dou poucos banhos por ano no meu buldogue francês! Em 2018, ele tomou apenas três”.
Mais trabalho
A escolha dessas tutoras, é óbvio, exige certo esforço cotidiano – afinal, “nada mais fácil que abrir um saco de ração e servir”. Mas, mesmo com todo ritual – que vai da escolha do cardápio, compra dos alimentos, preparo e armazenamento –, Adriana garante que não voltaria a alimentar seus pets a partir de dieta, digamos, “tradicional”. “No início, é mais difícil... É uma mudança de rotina, mas hoje faço tudo de forma sistematizada e não acho que esse cuidado demande tanto trabalho assim”.
Assim como Adriana, Camilli também criou uma rotina de preparo e armazenamento dos “pratos”. “Eu não gosto de cozinhar, mas, depois que a gente pega o jeito, fica fácil! Em uma manhã de sábado, consigo preparar 60 porções e fico livre por dois meses!”, garante.
E se não é um trabalhinho a mais que vá impedir a adoção de uma dieta baseada em alimentos naturais para os pets, há quem imagine que a opção possa pesar no bolso. Não é, definitivamente, a avaliação de Camilli: “Para mim, caro e trabalhoso é ver o meu cão doente, é ter que levá-lo ao veterinário, é gastar rio de dinheiro com remédios, é a minha preocupação e chateação ao ver o meu cachorro debilitado. Doença custa caro. Saúde, não!”, arremata.
Adriana também destaca que as despesas médicas diminuíram drasticamente desde que houve a mudança de hábitos. Além disso, ela argumenta que a opção chega a ser mais econômica do que nos tempos em que alimentava seus pets com ração “superpremium”. “O animal não precisa comer um filé-mignon”, brinca a tutora.
Alimentação mais sadia para todos
Se o ditado popular assegura que “você é o que você come”, os donos de animais domésticos parecem, cada vez mais, acrescentar: “e é, também, a comida que oferece”. É o que elabora Ludmila Barbi Trindade, médica veterinária e mestre em nutrição animal pela UFMG. Embora tenha se especializado no ramo em 2012, só três anos mais tarde passou a se dedicar inteiramente a balancear os pratos de cães e gatos. “Para ser honesta, no começo pensava em trabalhar na indústria, na área de formulação de ração”, revela.
Mas, então, notou que mais e mais pessoas se interessavam em substituir alimentos processados por opções naturais. “Por isso, decidi abrir a Bem Nutrir Veterinária, uma empresa de consultoria em nutrição para cães e gatos”, explica. Uma das clientes dela é Marcela Holanda, gerente de um escritório de design. Quando adotou a Lola, sua mais nova cachorrinha, a tutora já pensava em aderir à alimentação natural, justamente porque comida saudável é hábito na sua vida.
“Eu já tinha ouvido falar sobre, mas, como ela era novinha, optei por começar a alimentá-la com ração. Comprei a melhor que encontrei no mercado, mas a Lola não gostava!”, lembra. Então, Marcela se preparou e chegou até mesmo a fazer um curso. Recebeu a ajuda de Ludmila para montar a dieta da sua buldogue francês. Hoje, com 2 anos, “sua pelagem chama a atenção onde passa”, orgulha-se.
Impressionada pelos benefícios que pôde observar, Marcela espera nunca mais oferecer para Lola alimentos que, sim, “são nutritivos, mas ultraprocessados”. Além disso, de olho nessa tendência de mercado, abriu a Sem Ração, especializada em alimentação natural para cães. “Hoje, os tutores nos procuram por orientação veterinária, porque seu animal está com algum problema de saúde e a dieta pode trazer melhorias”, situa. (AB)
Tutores devem ter série de cuidados
“Os problemas acontecem quando as pessoas confundem alimentação natural com restos de comida da nossa mesa, ou quando iniciam uma dieta nova sem o conhecimento necessário”, avisa a médica veterinária Beatriz Terenzi.
Lembrando que “as necessidades nutricionais de cães e gatos são muito diferentes das nossas”, ela informa que vários ingredientes presentes no cotidiano das pessoas, na verdade, não são apropriados para os pets – caso, por exemplo, da cebola, que é tóxica para eles.
“Acho que, para aquele tutor que quer iniciar a alimentação natural para seu cão ou seu gato, é importante primeiro passar por uma consulta veterinária para um check-up geral da saúde do pet. Para a maioria das pessoas, que não tem tempo de estudar aprofundadamente o tema, acaba sendo mais prático consultar um veterinário especialista que vá elaborar um cardápio completo”, baliza ela.
Beatriz lembra que os mais interessados e pacientes podem encontrar material de qualidade para estudar e pesquisar – e, assim, “é perfeitamente possível montar uma alimentação mais saudável para seu pet”. Mas, é claro, “no caso de cães ou gatos com qualquer problema de saúde, é imprescindível elaboração específica de dieta por profissional veterinário especialista”, sinaliza.
DICAS
Adaptação. Caso o tutor queira que seu pet faça a transição para uma dieta de alimentos naturais, a médica veterinária Beatriz Seixas indica métodos que facilitam o processo de adaptação
Horários. O primeiro passo é estabelecer horários fixos para as refeições, em vez de deixar a ração à vontade.
Aos poucos. Depois disso, pode-se começar a acrescentar ingredientes naturais à ração, como legumes, verduras e carne.
Aceitação. “Estudos mostram que a substituição de 20% da ração por vegetais e carnes frescas já traz benefícios à saúde. E é uma forma de testar a aceitação”, diz.
Felinos. No caso de gatos, a substituição da ração seca pelo alimento úmido em algumas das refeições é uma boa forma de adaptar o bichano a novas texturas e introduzir mais umidade.
Seletividade. Os gatos, explica Beatriz, desenvolvem o paladar muito cedo. Por isso, ao adotar um, é importante apresentá-lo a várias texturas e alimentos diferentes, assim ele vai se tornar menos seletivo.
Saúde animal. As médicas veterinárias Ludmila Trindade e Beatriz Seixas concordam: a alimentação natural é uma tendência na medicina veterinária.
Holístico. Elas acreditam que essa abordagem integrativa, que enxerga o animal como um todo e com um pensamento de promoção de saúde, veio para ficar.
Porta bandeira. “A alimentação natural entra como o carro-chefe dessa tendência, pois sabemos que o que comemos influencia todos os aspectos da nossa saúde, e para espécies que são carnívoras por natureza, uma dieta à base de grãos e carboidratos como é a ração está longe de ser ideal”, avalia Beatriz.
Longevidade. Além disso, “conservantes e transgênicos considerados potencialmente carcinogênicos ainda estão presentes na maioria das rações”, critica.
Métrica. “A nutrição já está se tornando um parâmetro importante na avaliação clínica de pequenos animais. Sem dúvida, muita gente vai passar a procurar esses serviços”, comenta Ludmila.