Filofobia

Quando o coração está fechado por tempo indeterminado

Medo exagerado de se envolver afetivamente pode acarretar sintomas físicos


Publicado em 29 de novembro de 2021 | 04:50
 
 
 
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“O coração está fechado para balanço, não há previsão para reabertura”. Eventualmente, frases feitas, como a que abre esta reportagem, costumam aparecer nas redes sociais de pessoas que terminaram um relacionamento recentemente. Nesse caso, o desabafo, ainda que descontraído, sinaliza que o sujeito está temporariamente indisponível para novos romances. Algo que é inteiramente compreensível e até saudável. Faz parte do processo juntar os cacos e cuidar das feridas antes de ir em frente. 
 
Mas, para alguns, pode ser que o coração acabe ficando fechado por tempo demais, e, assim, a simples ideia de voltar a se relacionar pode gerar mal-estar. É o que sentem as pessoas com diagnóstico de filofobia, um tipo de distúrbio caracterizado pelo medo exagerado de se envolver afetivamente com alguém. Mais comumente, o termo é usado para designar uma grande aversão a novos enlaces amorosos, mas também pode significar um entrave em relação à construção de vínculos de amizade. Em ambos os casos, há ocorrência de sintomas físicos sempre que se está diante da “ameaça” da possibilidade de um novo amor. 
 
“A pessoa filofóbica fica apavorada diante do medo de se apegar emocionalmente a alguém. Então, mesmo que ela goste do outro e que tenha interesse em aprofundar aquela relação, ao perceber aquele interesse, o corpo reage com uma forte sensação de mal-estar. O mecanismo é o mesmo de todas as fobias, com episódios de taquicardia, tontura, visão escurecendo, sudorese, entre outros. Nos casos mais graves, essas crises podem evoluir para um ataque de pânico”, destaca o médico psiquiatra Bruno Brandão.  
 
O distúrbio também costuma desencadear sintomas emocionais, como o comportamento de evitação. “O paciente vai se autossabotar, evitando situações em que possa criar vínculos afetivos amorosos ou de amizade. E isso pode trazer prejuízos diversos, com a pessoa evitando viver momentos de lazer e até se afastando de colegas de trabalho. Ela pode até se isolar”, cita. “No caso de esse indivíduo se perceber se engajando em uma relação, ele pode, inconscientemente, provocar brigas para evitar que aquela história vá para frente”, pontua. 
 
Brandão pondera que essa disfunção relacional se difere de um comportamento de reclusão após uma grande decepção. “Em certa medida, se a pessoa está passando por um rompimento difícil, é normal que ela queira um tempo para se restabelecer. Também é natural que as pessoas manifestem medo de se entregar a uma relação em que ainda não se sentem seguras. O que diferencia essas atitudes de um transtorno é a intensidade, duração e frequência. Então, se esse medo de um novo envolvimento está muito intenso, se está durando muito tempo e se é algo frequente, que gera prejuízo para essa pessoa, então já podemos trabalhar com a hipótese da filofobia”, diz. 
 
Existem características de personalidade e até componentes genéticos que favorecem a ocorrência do transtorno. Além disso, há o neurodesenvolvimento psíquico na infância e adolescência e, eventualmente, até na vida adulta. “Então, se a pessoa presenciou brigas frequentes dos pais, se cresceu em um ambiente não muito saudável e conviveu com pais abusivos, ela terá mais chances de desenvolver a filofobia. O mesmo acontece se ela passou por algum trauma ao longo da vida, caso de uma grande decepção amorosa”, avalia. “Em todos esses casos, o grande problema é que há a internalização de uma associação e generalização entre relacionamento e sofrimento, de maneira que o sujeito imagina que se envolver com alguém resulta em sofrer”, conclui. 
 
Para os pacientes com filofobia, é sugerido o tratamento mediante Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). “A gente sabe que um pensamento leva a uma emoção, que leva a um comportamento. Então, é preciso, por meio de um processo psicoterápico, cortar esse circuito, modificando o pensamento disfuncional”, sinaliza Brandão, acrescentando que também é indicada a dessensibilização sistemática, quando o paciente vai sendo exposto a memórias que despertam esse gatilho e vai aprendendo a controlar os sintomas ansiosos por meio de técnicas de relaxamento. “Muitas vezes, o filofóbico possui comorbidades, como quadros depressivos. Portanto, é preciso tratar o todo. E, em alguns casos, pode ser estratégico tratar sintomas ansiosos pontuais com medicamentos”, finaliza.

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