Além de ficar por dias entre as músicas mais tocadas, o single “WAP”, lançado no ano passado, causou nos Estados Unidos. Parceria entre as rappers Cardi B e Megan Thee Stallion, a faixa gerou reações de políticos conservadores por falar abertamente sobre sexo de uma perspectiva feminina, tendo como foco a lubrificação vaginal. Aliás, em termos de produção visual, são abundantes as referências ao fenômeno fisiológico de resposta à excitação sexual no clipe, que estreou em agosto de 2020. O vídeo, desde os primeiros quadros, apresenta cenários em que se vê jorrar água.
Em meio ao debate, soaram um tanto perdidas as críticas do comentarista político Ben Shapiro, que relacionou as cenas descritas na música e no clipe a condições médicas, como vaginose bacteriana, infecção por fungos e tricomoníase.
As I also discussed on the show, my only real concern is that the women involved -- who apparently require a "bucket and a mop" -- get the medical care they require. My doctor wife's differential diagnosis: bacterial vaginosis, yeast infection, or trichomonis.
— Ben Shapiro (@benshapiro) August 10, 2020
Nada mais equivocado. A sexóloga e ginecologista-obstetra Adriana Guimarães Moreira Sad explica que muito raramente pode-se falar em excesso de lubrificação íntima e que, ao contrário do que escreveu o norte-americano, esse mecanismo do corpo é importante para a limpeza do canal da vagina, protegendo o órgão de infecções. Adriana explica que o que pode favorecer o surgimento de problemas fúngicos, como a candidíase, é o corrimento, uma secreção de fluidos e células que não necessariamente é sinal de doença e que varia de acordo com a fase hormonal em que a mulher está. “Mas lubrificação é uma coisa, e corrimento e fluxo vaginal é outra completamente diferente”, alerta Adriana, complementando que, quando esse fluxo passa a ter características alteradas – como cheiro e/ou cor diferente, ardor e coceira – deve-se buscar ajuda médica.
Por outro lado, em relação à lubrificação, o problema mais comum é justamente o ressecamento do órgão, quando a resposta ao estímulo sexual é deficiente. A sexóloga detalha que fatores fisiológicos, ambientais e psíquicos causam o transtorno, sendo um dos mais comuns no climatério – período marcado pela transição fisiológica da fase reprodutiva para a não reprodutiva na mulher e que abrange a menopausa. “Isso acontece porque há a interrupção da produção do estrogênio, um dos principais hormônios femininos, o que pode desencadear uma série de mudanças no corpo, entre elas a dificuldade de lubrificação”, informa. Mesma razão pela qual aquelas que passaram pela cirurgia de remoção do ovário, órgão responsável pela produção da substância, enfrentam essa dificuldade.
Algumas doenças, como o lúpus, em que o sistema imunológico ataca seus próprios tecidos, e o líquen escleroso e atrófico, que pode levar à atrofia da vulva, também são causadoras do transtorno. Também é o caso da síndrome de Behçet, que leva ao ressecamento das mucosas em geral. Outros distúrbios, como o hipotireoidismo e anemias, afetam a produção de fluidos femininos por interferirem no desejo sexual. É o que acontece também no caso do uso de medicamentos, como ansiolíticos e antidepressivos. “Outra razão bastante comum vem do uso de anticoncepcionais”, assegura Adriana.
O mais corriqueiro, entretanto, é que a falta de fluidos vaginais tenha raízes em aspectos ambientais ou psíquicos. “Pode ser que a estimulação não esteja sendo feita adequadamente ou que essa mulher esteja estressada ou ainda que tenha crenças e traumas que impedem que se entregue ao prazer erótico”, pontua a terapeuta sexual somática Tami Bhavani.
A receita é: autoconhecimento
Diferentemente do que fazem crer os vários posts que recomendam o uso de substâncias como azeite e óleo de coco para garantir lubrificação, o método nem sempre é eficaz. “Em relações heterossexuais, quando se usa preservativo, devemos evitar esses lubrificantes à base de óleo, pois, com a fricção, eles fazem o látex se romper, o que pode gerar desde uma gestação não planejada até a ocorrência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)”, explica Adriana Guimarães.
No caso de mulheres que enfrentam dificuldade de lubrificação por conta do climatério, produtos para aplicação local, como pomadas e géis à base de estrogênio, são opções. Estes podem ter ação sistêmica ou apenas local, mas há contraindicações. “Mulheres com lúpus, por exemplo, não podem usar produtos que contêm esse hormônio”, explica.
Geralmente, o autoconhecimento é o melhor caminho para recuperar a capacidade de lubrificação. “Indico muito para minhas pacientes a prática da masturbação, quando elas vão se tocar e perceber que regiões de seus corpos vão trazer uma resposta vaginal. E, assim, quando estiverem com sua parceria, poderão fazer um jogo lúdico na relação buscando explorar essas regiões”, diz a sexóloga.
Terapias milenares auxiliam na recuperação da capacidade de lubrificação
Essa jornada de descoberta do próprio corpo pode ser apoiada por estratégias terapêuticas, algumas delas tradicionais da cultura oriental. “A acupuntura é uma alternativa. Nós temos vários meridianos em nosso corpo que, quando se trabalha em alguns pontos, podem liberar os líquidos internos”, expõe Tami Bhavani. Já as meditações e, principalmente, as meditações orgásticas, que não envolvem necessariamente toque no genital, ajudam a “desbloquear crenças, tabus e medos que estejam impedindo a mulher de se entregar ao prazer e de explorar a sexualidade dela mesma”, detalha a especialista.
A massagem tântrica também contribui para a recuperação da resposta sexual por meio da exploração de diversos pontos erógenos do corpo. Outro método que auxilia nesse processo é a massagem Yoni. Tami explica que a intervenção não deve ser confundida com a masturbação e envolve o gesto de massagear a região íntima da mulher buscando liberar tensões. Outra técnica derivada do tantra, o pompoarismo também costuma gerar resultados positivos, afinal, por meio de exercícios de contração e relaxamento, que buscam fortalecer os músculos do assoalho pélvico, a resposta ao estímulo sexual torna-se mais intensa, indica a terapeuta.