"Uma vez tive uma relação casual com uma mulher muito atraente que conheci pelo Tinder. Logo no primeiro encontro rolou aquela famosa química e acabamos indo para o motel sem pensar duas vezes. Estava tudo tranquilo até chegarmos no quarto. Assim que tiramos a roupa, senti um cheiro bem acentuado saindo da vulva dela e pensei: 'E se ela pedir para eu fazer um oral? O que vou fazer?'. Sugeri então que a gente tomasse um banho para começar a trocar uns beijos nas regiões íntimas. Mas para minha sorte, ela confessou que não gostava desse tipo de carícia lá embaixo. Respirei aliviado".
O relato do técnico em construção civil João Silva, 37, ilustra bem uma condição comum à muitas pessoas atualmente: a total aversão pelo sexo oral.
Em 2015, pesquisadores da Northeastern University, nos EUA, entrevistaram 300 homens e mulheres norte-americanos e descobriram que mais de um décimo deles (10.8%) sentia nojo na hora de fazer essa modalidade em seus parceiros.
Numa era em que cada vez se prega mais a autonomia e a liberdade sexual, por que essa prática ainda é vista com restrição por alguns?
"Porque o sexo ainda é focado na penetração, como se ela fosse o objetivo da relação e não o prazer", observa a sexóloga e consultora em saúde e educação sexual Fernanda Viana.
"Essa percepção está relacionada a um conceito desenvolvido há século que prega que fazer sexo é algo sujo e vergonhoso. Inclusive, estudos recentes revelam que a falta de higiene de muitos homens é um fator que impede diversas mulheres de explorarem mais o sexo oral", ressalta.
Para o fisioterapeuta pélvico, terapeuta sexual e mestre e doutorando pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Gianluca L. M. Leme, muitos desses conceitos estão diretamente ligados às tradições e tabus do passado.
"Tem a ver com a nossa cultura e com tudo que se repete há mais de dois milênios: que o prazer sexual é errado. Do ponto de vista da tradição, tirando o sexo vaginal, quase todas as outras práticas são vistas como pecaminosas, sujas e condenáveis", frisa o estudioso.
Sendo assim, a sensação de ter a boca em contato direto com a vagina ou o pênis – partes associadas à impureza – pode causar desconforto em muita gente.
"É comum que alguns tenham nojo da aparência dos órgãos genitais, dos pelos, da umidade da vulva, e também dos fluidos femininos e masculinos que são liberados durante a prática sexual", afirma a sexóloga e terapeuta de casais Roberta Pessoa.
"Muitas mulheres também têm aversão ao cheiro e ao gosto do esperma", complementa ela.
Porém, o que é repulsivo para alguns pode ser bastante excitante para outros.
"É claro que há quem se excite imensamente com o olor característico dos genitais e do suor. É importante entender que existe prazer para todos", pontua Fernanda Viana.
Ela informa ainda que, no geral, as pessoas costumam construir seu repertório sexual de acordo com as variáveis culturais em que são inseridas.
"Isso é mais que evidente. Na idade média, por exemplo, o padrão de beleza e os atributos físicos desejados eram completamente diferentes dos que temos hoje. Tudo muda de acordo com as gerações e costumes", reforça a profissional.
Roberta Pessoa concorda e vai mais além. "Nossos pensamentos e estratégias comportamentais na sexualidade são moldados por todas as coisas que estão ao nosso redor, desde crenças, passando pela família, cultura, religião, educação, a mídia e até mesmo pelas pressões sociais", argumenta.
Higiene e saúde
Independentemente da higiene, especialistas destacam que o sexo oral pode ser um canal para a transmissão de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), como sífilis, gonorreia e herpes.
"Essas doenças podem ser passadas da boca para os genitais, ou vice-versa", alerta Lú Camillo, sexóloga e consultora em saúde e educação sexual.
Por isso, salienta ela, o preservativo é um elemento imprescindível nessas horas.
"Indico o uso de camisinha sempre, pois pode ser a única forma de nos resguardar quando não temos certeza da saúde dos nossos parceiros", recomenda.
Roberta Pessoa realça ainda que existem no mercado muitas opções de proteção tanto para o público masculino quanto o feminino.
"O homem pode usar o preservativo comum e a mulher o interno, que é cortado e colocado externamente. Para quem quer algo novo, tem também a calcinha de látex que nem precisa ser retirada", informa.
Prazer X obrigação
Com o amplo consumo e impacto da pornografia na sociedade moderna, a prática do sexo oral parece ter virado uma obrigação. Mas será que isso acaba impactando nossas relações íntimas?
"Historicamente vivemos um período de transição. Antes, a obrigatoriedade do sexo estava implicitamente ligada ao casamento. Hoje, no entanto, a pressão vem da sociedade como um todo", pondera Fernanda Viana.
A chave, portanto, é encontrar o equilíbrio.
"O empoderamento feminino, o consentimento e a autonomia dos corpos faz com que as pessoas se tornem mais seletivas na escolha de suas parcerias. Isso é um começo positivo", pondera Fernanda.
Contudo, o primordial mesmo é nunca fazermos o que nos desagrada na hora do sexo, aconselha Gianluca L. M. Leme.
"Você deve sempre se perguntar se o oral ou outra prática sexual te causa algum incômodo. Se a resposta é sim, procure ajuda profissional para descobrir a raíz do que te aflinge", sugere.
Já Fernanda Viana garante que o prazer sexual pode ser encontrado por métodos variados. Portanto, é melhor evitar-se qualquer ato que gere atrito entre os casais.
"É importante que as pessoas falem do que gostam ou não gostam nas suas intimidades, e que também façam acordos entre si. Se alguém não quer fazer algo, não precisa virar um problema. O diálogo sincero é essencial para minimizar conflitos e encontrar o caminho da satisfação", finaliza.