Disfunção

Síndrome do imperador: uma birra que não tem limites

Contexto social contribui para desvios de comportamento das crianças


Publicado em 24 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Um problema que vem se tornado cada vez mais comum, que está diretamente relacionado ao modo de vida contemporâneo e que costuma ser resultado de educação familiar deficitária, a “síndrome do imperador” é a manifestação mais explícita de como nossa sociedade tem formado uma legião de pequenos tiranos. Estamos falando de crianças que, por desconhecerem limites e por terem um senso de autoridade distorcido, perturbam não apenas os lares em que vivem como também quaisquer ambientes que venham a frequentar. 

Elas não aceitam serem contrariadas e usam de diversos artifícios, sobretudo o choro imoderado e a birra, para fazer com que suas vontades sejam satisfeitas. Mimadas, essas crianças são levadas a crer que são o centro do universo e que todos à volta devem atender suas demandas. Ao mesmo tempo, sentem-se afetivamente abandonadas. Uma disfunção característica dos tempos atuais, é muito provável que o leitor reconheça histórias assim ao ler esta reportagem. 

O problema, em geral, tem como fundo uma conjuntura sociocultural desfavorável à educação doméstica. Isto é, diante de uma realidade em que, profissionalmente, a maternidade é punida e a paternidade desencorajada, os pais tendem a relegar os cuidados dos filhos a um segundo plano considerando que é preciso garantir renda para o bem-estar familiar. Com isso, as crianças passam a demandar atenção. Então, movidos pela culpa, os genitores tendem a tentar responder a essa carência de alguma maneira. Por isso, na intenção de compensar a falta de uma presença mais efetiva, passam a ter dificuldades em contrariar sua prole e a presentear os pequenos excessivamente. Não raro, a dedicação ao trabalho tem como pretexto a necessidade de satisfazer os caprichos infantis. 

É esse o problemático desenho social por trás da escalada de casos de síndrome do imperador, indica a mentora e coaching infantil Melissa Almeida. “A criança precisa do pai e da mãe todos os dias. E precisa estabelecer uma conexão de qualidade com eles. Para isso, não é preciso tirar muitas horas, mas é preciso saber estar inteiro para o filho, sem dispersões”, opina. É a partir dessa presença que será possível auxiliar os pequenos sobre a lida com as emoções.  

“Só dedicando atenção plena os adultos terão condições de cumprir com papéis que são fundamentais: o de entender e de serem empáticos ao que as crianças sentem. A partir disso, devem buscar ajudá-las a entender o que elas próprias estão sentindo e orientá-las sobre como podem melhor reagir a esse sentimento”, observa. “Se isso não acontecer, os filhos vão recorrer aos recursos que eles têm para pedir ajuda. Para isso, vão gritar, vão chorar, vão desobedecer. Com o tempo, podem passar a acreditar que só quando se colocam com as chefes da casa é que têm suas necessidades minimamente satisfeitas. Enfim, a desconexão parental é a raiz da maioria desses problemas comportamentais na infância”, reforça. 

Sintomas 

A psicóloga Bruna Anastácia define a síndrome do imperador como “um conjunto de comportamentos inadequados construídos ao longo da infância por crianças que não tiveram limites em sua formação e passaram a ter dificuldade de compreender regras e de respeitar a autoridade”. 

Ela lembra que o problema não é considerado um transtorno psiquiátrico, mas pode estar associado a distúrbios como o Transtorno Opositor Desafiador (TOD) e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Nesses casos, contudo, os sintomas tendem a ser mais intensos. Crianças com diagnóstico de TOD, por exemplo, costumam manifestar humor irritável, agressividade e índole vingativa que dura mais de seis meses e causa problemas significativos em casa ou na escola. “É algo mais grave do que esse descontrole emocional, embora uma mesma pessoa possa apresentar os dois diagnósticos”, explica. 

“Quando confrontadas, as crianças com a síndrome vão demonstrar baixo limiar de frustração, manifestando choro e birra intensos. Com o tempo, esse comportamento, que inicialmente pode ser direcionado, por exemplo, contra a mãe, tende a se generalizar, sendo reproduzido não só em um ambiente e não só em relação a uma pessoa”, detalha Bruna, expondo que o problema costuma ser identificado e se tornar mais evidente quando o pequeno passa a frequentar ambientes em que a disciplina é pré-requisito – “Como em uma escola, em que é preciso cumprir horários e tarefas”, diz a especialista. 

Em concordância com a análise de Melissa Almeida, Bruna indica que a síndrome tem causas multifatoriais. “Os fatores socioculturais estão aí incluídos”, pontua, indicando que o risco de ocorrência da disfunção é ampliado quando os pais, para compensar a ausência, passam a evitar confrontos e negativas. A psicóloga infantil complementa que tutores superprotetores também podem, involuntariamente, levar a criança a adotar a postura de um pequeno tirano. “Por estarem sempre tentando suprir, de forma demasiada, as necessidades de seus filhos, podem provocar neles uma percepção alterada de si”, situa. 

Tratamento 

“Ao identificar que a criança manifesta a síndrome do imperador, é preciso que toda a família seja orientada e assistida”, defende Bruna Anastácia. “A gente não deve trabalhar apenas com a criança, porque esse não é um problema só dela. Além disso, os esforços feitos no consultório seriam rapidamente frustrados na rotina familiar caso os pais continuem a agir como antes, estimulando esse comportamento”, informa. “Portanto, idealmente, enquanto buscamos desenvolver as habilidades parentais dos tutores, vamos atuar junto à criança para o desenvolvimento das habilidades emocionais dela”, conclui. 

Bruna ressalta que o melhor remédio para a birra está longe de ser a palmada ou outras atitudes ríspidas. “Se o adulto reage de forma reativa, a criança entende que realmente vai precisar gritar, de forma que a reatividade e a agressividade acabam apenas reforçando o problema”, crava.  

“Diante de episódios de choro e manha, o adulto deve agir de forma firme, segura e tranquila. E, se a criança estiver muito agitada, melhor esperar que ela se acalme para depois falar sobre aquela situação, buscando orientá-la sobre como poderia ter reagido e a identificar as emoções que geraram aquela reação”, reforça a psicóloga.

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