Quando terminamos um relacionamento e já estamos com outra pessoa, é comum que as lembranças ruins do passado nos assombrem? Isso acontece porque o rompimento amoroso “traumatiza” as nossas recordações, fazendo-as funcionar “ao contrário”.
Para entender esse processo, pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, conectaram os relacionamentos românticos a um fenômeno cognitivo conhecido como FAB (do inglês “Fading Affect Bias”, ou “viés emocional do esquecimento”), que afeta a memória de todas as pessoas.
Trata-se da tendência comportamental de esquecer muito mais rápido os aspectos negativos do que positivos de uma mesma experiência. Quando o trauma é muito grande, porém, é natural que as lembranças ruins sobressaiam. E os términos de relacionamento são fatores que desencadeiam esse mecanismo.
“Quando pensamos em relacionamentos passados, o bom parece não vencer. Nesse caso, ele é espancado pelo mau”, disse Bettina Zengel, principal pesquisadora, ao site da Universidade de Southampton.
Os especialistas pediram que 200 homens e mulheres descrevessem o cotidiano de um romance atual ou antigo, além de contar quais sentimentos aquelas lembranças traziam à tona. Pouco mais da metade deles escolheu o atual e relatou eventos positivos.
A maioria dos voluntários, no entanto, lembrou-se do passado. Boa parte das entrevistas incluiu histórias que deixaram mágoas profundas. Quando a memória em questão tinha um aspecto sexual, então, os sentimentos negativos eram ainda mais fortes e duradouros.
Outro resultado da investigação é que, no geral, quanto mais insegurança o participante sentia, mais tempo duravam suas lembranças negativas. Isso impedia que o otimismo natural do FAB atuasse no mecanismo da memória e suavizasse a superação do trauma.
Agora, a espectativa dos pesquisadores é que os resultados ajudem a identificar pessoas que possam ser beneficiadas, durante os términos, com apoio psicológico.
“Pensamentos ruins são os mais fluidos”
Experimentar lembranças negativas do último relacionamento se tornou parte do cotidiano da profissional de marketing Isabele Miranda, 30, e do músico Wellington Mendes, 27.
Em janeiro, ela pôs um fim no namoro com um norueguês. “Toda vez que penso nisso, me lembro da indiferença dele sobre planos para o futuro, juras de amor... Não consegui me lembrar de nenhuma coisa boa até agora”, diz.
Há quatro meses, a rotina de Wellington é muito semelhante. “Para lembrar as coisas boas que vivi com ela, preciso fazer um esforço enorme. Mas, para recordar as brigas e a sensação de culpa de que tudo poderia ter sido diferente, é uma coisa automática. Os pensamentos ruins são muito fluidos”, afirma o rapaz.
Para ambos, apenas o tempo será capaz de “encaixar as peças” no cérebro novamente. “Precisamos passar por isso”, ressalta o músico.
Minientrevista
Sônia Eustáquia
Psicóloga especialista em relacionamentos
Num relacionamento, é comum se criarem expectativas. Até que ponto isso é bom?
Até o momento em que ela corresponde à realidade. Muitas vezes, não temos um relacionamento saudável, mas a idealização que fizemos dele – que envolve sonhos e desejos profundos – nos deixa cegos e vulneráveis. Idealizar o outro, nesses casos, torna o tombo maior quando há um término.
A pesquisa britânica cita a baixa autoestima como propagadora das lembranças ruins. A senhora concorda?
Sim. Quanto maior meu controle sobre a minha autoestima, menos sou afetada, porque consigo absorver coisas boas dessa experiência. Isso não quer dizer que não vamos sofrer, mas vivemos esse processo com mais tranquilidade e consciência de que ele vai acabar.