Com apenas 7 anos, Ana Laura já faz suas primeiras pecinhas de barro. A menina aprendeu vendo a mãe, Jaqueline, 27. Esta, por sua vez, aprendeu com a mãe, Anísia, 53, que também aprendeu com a mãe dela, dona Rita, 71. Só aqui, temos quatro gerações de artesãs do Vale do Jequitinhonha. Mas, além das técnicas de transformar o barro em bonecas, flores e filtros de água, cada uma dessas mães transmite para as filhas muito mais do que uma tradição. “Não é só passar o conhecimento. É passar para elas um jeito de geração de renda”, explica Anísia Lima de Souza, que mora em Poço d’Água, na zona rural de Turmalina. 

Rita, Anísia, Jaqueline e Ana Laura são o retrato de uma estatística: quase metade (45%) dos empreendedores abre o negócio por influência dos pais. O dado é da pesquisa Parentalidade e Empreendedorismo, realizada pelo Sebrae Minas. 

No caso delas, além do barro, o saber é a matéria-prima do negócio. “É uma sensação muito boa a gente poder dar continuidade ao artesanato de tradição e, através dele, tirar o sustento para nossas famílias”, conta Jaqueline Dias de Souza. 

Ao longo das gerações, a base técnica permaneceu, mas muita coisa mudou. Anísia lembra que, quando se formou na quarta série do ensino fundamental, só restavam duas alternativas: artesanato ou lavoura. “A gente não tinha como ir para outra cidade estudar. Então, eu ajudava a plantar e, nas horas de descanso, fazia artesanato e vendia em feiras. E, numa família carente, com sete irmãos, descobri que aquilo era um meio de ganhar dinheiro”, conta a artesã, que vendeu seu primeiro fogãozinho aos 8 anos. “Eu fiz para brincar, e mamãe vendeu. Mas trabalhar mesmo com artesanato eu comecei por volta dos 12”, lembra.

Já com as filhas dela, a situação foi diferente. Depois que se formou no ensino médio, Cibele, a mais nova, foi trabalhar em um supermercado. “Ela trabalhava muito e ganhava pouco. Um dia eu recebi uma encomenda muito grande, então eu a convenci de voltar para casa para me ajudar. Ela topou. Hoje, também faz faculdade de administração”, conta.


Filhos por perto

Na opinião de Anísia, o artesanato contribui para que os filhos fiquem na cidade. “Eu tenho esperança de que o ofício continue na família por mais gerações. Não é que dê muito dinheiro, mas dá para sobreviver e, o melhor de tudo, com qualidade de vida, porque dá para fazer as peças em casa mesmo, sem desgaste de ter que sair para trabalhar”, analisa a artesã.

Ficar perto da família foi um fator decisivo para Jaqueline, a filha mais velha, trocar o trabalho em uma ONG pelo artesanato. “Quando a sede de onde eu trabalhava se mudou para Diamantina e eu vi que teria que fazer muitas viagens, decidi me dedicar às peças, que eu já fazia desde os 12 anos. Nessa época, meu marido estava trabalhando com isso, porque minha mãe tinha ensinado a ele. É muito melhor, com filha pequena. Temos mais autonomia, fazemos nossos horários e temos mais tempo”, destaca Jaqueline. 

Na avaliação do analista de negócios da cadeia do artesanato do Sebrae Minas, Julian Rodrigues, essas condições, aliadas à possibilidade de uma renda, têm despertado mais o interesse dos jovens. “Na região do Vale do Jequitinhonha, que inclusive virou uma marca, 90% dos artesãos já conseguem viver exclusivamente do artesanato. Os jovens que terminam o ensino médio já perceberam que, se forem para cidades vizinhas, terão empregos com salário mínimo. E, se seguirem com o negócio do artesanato, podem ter uma qualidade de vida superior”, afirma Rodrigues.