Se a pandemia acentuou ainda mais a defasagem escolar diante das dificuldades trazidas pelo modelo de aulas remotas, dois problemas podem ser ainda mais desafiadores para as unidades de ensino, principalmente as públicas: a evasão e o abandono escolar. Conforme dados da Fundação João Pinheiro (FJP), em Minas Gerais, o número de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos matriculados na educação básica caiu de 89,4%, em 2019, para 87,9%, em 2021.

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) enfatiza que o índice de estudantes que abandonaram a escola no Estado teve uma queda de 5,3% para 4% no período, enquanto a taxa de evasão ficou em 2,3% no ensino fundamental e 11,3% no ensino médio -- o último dado disponível divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), segundo a pasta, é entre 2018 e 2019, antes da pandemia.

Evasão é quando o estudante está matriculado em uma escola em determinado ano e, no ano seguinte, não volta. Já a taxa de abandono é quando o aluno que estava matriculado em determinado ano, abandona a escola no período, mas, no ano seguinte, retorna aos estudos e se matricula em alguma rede.

Apesar de o governo estadual dizer que há esforços na busca ativa por estudantes, o o diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Paulo Henrique Santos Fonseca afirma que a realidade nas unidades públicas é outra. “Quando o atual governo assumiu, havia 1.870.861 alunos matriculados apenas na rede estadual de Minas Gerais. Em 2021, esse número passou para 1.675.696, uma redução de 10,4% no total de matrículas”, diz. Segundo Fonseca, a evasão escolar é ainda maior entre jovens de 15 a 17 anos, quando o índice chega a 19,8%.

“A implantação forçada do ensino em tempo integral desacompanhada de políticas públicas que considerassem a realidade socioeconômica dos estudantes das escolas públicas estaduais, em que muitos têm que desenvolver trabalhos remunerados para complementar a renda familiar, acentuaram a evasão e o abandono escolar”, diz o diretor do Sind-UTE.

O sindicalista também critica o Novo Ensino Médio, aprovado durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). “Levou também ao aumento do tempo da permanência na escola, e contraditoriamente à redução da carga horária das disciplinas essenciais ao desenvolvimento estudantil, que foram substituídas por um ajuntamento de conteúdos pouco atrativos e de pouca serventia prática”, acrescenta.

‘Situações inusitadas e inacreditáveis’

Coordenadora do Fórum Permanente da Educação de Minas Gerais, a professora da Faculdade de Educação da UFMG, Analise de Jesus da Silva, diz que a rede pública viveu diversas “situações inusitadas e inacreditáveis” que não consideravam a diversidade socioeconômica dos estudantes. Entre elas, está a realização online das matrículas da rede estadual em 2021, quando muitas pessoas sequer têm acesso à internet, e ainda considerar desistente alunos que não conseguiram entregar o Planos de Estudo Tutorados (PETs) do ano - material impresso entregue pela SEE com conteúdos para os jovens estudarem sozinhos em casa.

“Então, era considerado desistente o estudante que não tivesse entregado aquele PET, no decorrer do ano, e que não tivesse apresentado também não justificativa para o conselho de classe, sendo que a esse estudante não foi aplicado o regime de progressão continuada e ele deveria ser encerrado no Simade com a situação deixou de frequentar. Olha que loucura, deixou de frequentar? Acontecia uma pandemia”, pontua.

Segundo a especialista, sequer foi questionado aos alunos o motivo da não realização das atividades. “Nós cobramos dos gestores públicos que autorizassem a matrícula dos estudantes que estivessem em situações como essas, ou semelhantes a essas, apontando a necessidade que ele fosse procurado e feito um registro dos motivos que levaram esse esse estudante a não realizar as atividades do PET e assegurada a  matrícula”.

Professora da rede municipal de Belo Horizonte, Andrea Carla Ferreira de Assis acrescenta que a evasão de jovens e adultos sempre foi maior, mas que a pandemia escancarou esse problema também na educação infantil. “Muitas famílias tiveram que se mudar, porque houve um aumento muito grande também no empobrecimento das famílias, muito desemprego, fome e miséria. E isso também se refletiu no número do abandono escolar. Além, é claro, do adoecimento físico, o psíquico contribuiu também”, argumenta Ferreira, que também é diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-REDE).

Busca ativa de estudantes

Em nota, a SEE alegou que realiza, desde 2019, “ações direcionadas de busca ativa de estudantes infrequentes ou em vias de abandono na rede estadual de ensino”. De acordo com a pasta, só em 2021 mais de 40.000 estudantes retomaram às atividades na rede estadual, número que saltou para cerca de 56.000 no ano passado, após serem localizados e chamados a voltar.

Já na rede municipal de Belo Horizonte, dados preliminares da prefeitura apontaram que no primeiro semestre de 2022, o índice de evasão escolar ficou em 0,2%. “Os números se devem ao esforço nas ações de busca ativa e o município tem reforçado essas ações com o objetivo de assegurar a permanência dos estudantes nas instituições. São realizados, por exemplo, contatos com as famílias para analisar as causas da infrequência e garantir a presença regular nas atividades letivas”, diz nota da PBH.

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