História

Bicentenário: quem foi dom Pedro I, “herói imperfeito” da Independência

O primeiro imperador do Brasil tinha fama de mulherengo, agitado e fiel ao Brasil

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 04 de setembro de 2022 | 07:30
 
 
Dom Pedro I morreu no dia 24 de setembro de 1834, em Portugal Gestão Educacional / Reprodução

A historiadora Isabel Lustosa toma emprestado um conceito do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade, para descrever dom Pedro I na biografia que escreveu sobre o primeiro imperador do Brasil. “Um herói sem nenhum caráter”, assim Lustosa o caracteriza já na introdução do livro “Perfis brasileiros: dom Pedro I”, editado pela Companhia das Letras em 2006.

A figura do imperador é central para a independência do Brasil e para o constitucionalismo em Portugal e, talvez, em toda a Europa, argumenta a historiadora. Mas dom Pedro I também foi conhecido pela avareza e desrespeito contra a primeira esposa, dona Leopoldina, por exemplo.

Dom Pedro desembarcou no Brasil com nove anos, em meio à confusão da fuga da Corte portuguesa para o país em 1808, fugida de Napoleão Bonaparte. Conta Lustosa que ele se “criou livre na colônia”, menos preocupado com intrigas políticas ou livros e mais com a criação de seus cavalos e da carpintaria. Seu temperamento era volátil, contam os relatos da época, e sua biógrafa arrisca que, pelos parâmetros atuais, ele seria diagnosticado como hiperativo. Além disso, como alguns de seus irmãos, era epiléptico, sofrendo convulsões desde a infância.

Ele se tornou príncipe regente do Brasil em 1821, aos 22 anos, quando seu pai, dom João VI, retornou a Portugal por pressão da Revolução Liberal do Porto. O primeiro ano de dom Pedro I à frente da política brasileira chegou ao ápice no dia 9 de janeiro de 1922, com a ameaça de que o Brasil, então com status de Reino Unido, retornasse ao patamar de colônia de Portugal. Decidido a permanecer no Brasil, ele escreveu as palavras que se eternizaram: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”.

Não levaria um ano até que ele fosse alçado a primeiro imperador do Brasil, após a declaração da independência, que ele mesmo defendeu. O brado de “Independência ou morte!” é central nas representações do grito do Ipiranga, que marcou o 7 de setembro, mas sequer se sabe com certeza o que ele de fato gritou às margens do riacho em São Paulo. Hoje, historiadores tentam desmistificar esse momento e recusam que dom Pedro seja um herói que carregou a independência nas costas sozinho. 

Após a independência, o Brasil seguiu um caminho singular em comparação a outras histórias de rompimento com o colonizador e preservou  a monarquia, centrada na figura de dom Pedro I. Mas, com a lembrança do medo de seu pai após a decapitação da realeza na Revolução Francesa, ele já havia entendido que seus poderes monárquicos tinham um limite.

Anos mais tarde, quando havia retornado a Portugal, dom Pedro I escreveu, em uma carta a dom Pedro II, que havia deixado no Brasil para sucedê-lo: “o tempo em que respeitavam-se os príncipes por serem príncipes unicamente  acabou-se; no século em que estamos, em que os povos se acham assaz instruídos de seus direitos, é mister que os príncipes igualmente o estejam e conheçam que são homens, e não divindades”. 

Dom Pedro I deixa o Brasil

Ainda assim, dom Pedro I concentrou poderes no Brasil com o Poder Moderador, que, na prática, permitia que ele nomeasse quem desejasse para cargos políticos vitaliciamente e conferia em suas mãos o centro do poder no país. Quando a pressão das críticas ao seu reinado tornou-se insustentável, em 1931, ele partiu para Portugal, deixando o filho de cinco anos no reinado — dom Pedro II só sagrou-se imperador, de fato, aos 14 anos.

Dom Pedro I já havia abdicado do trono português em 1826. Ele deixou sua filha, dona Maria da Glória, futura dona Maria II, no trono, com apenas sete anos. O pai acertou o casamento da primogênita com dom Miguel, irmão de dom Pedro I e tio da menina — o casamento foi anulado anos mais tarde, por não haver consumação física. Dom Miguel usurpou o reinado e proclamou-se rei, com apoio da mãe dos dois irmãos, Carlota Joaquina. Só em 1834, com ajuda do pai no campo de batalha, dona Maria II assumiu o trono português.

Depois disso, a vida de dom Pedro I foi curta. No mesmo ano, morreu, aos 36 anos, no dia 24 de dezembro. Por muitos anos, acreditou-se que a causa da morte era sífilis, mas ela foi confirmada como tuberculose. Com um histórico de duas esposas, só com a amante, a Marquesa de Santos, dom Pedro I teve cinco filhos. Em sua ausência do Brasil, quando retornou a Portugal, não deixou de se preocupar com a educação de todos eles, expressando-se em cartas constantes. 

Seu coração foi conservado no Porto, em Portugal, enquanto seu corpo ficou no Brasil, após sua morte, por desejo do próprio dom Pedro I. Neste ano, por comemoração do Bicentenário da Independência, o coração foi trazido ao Brasil, país que o primeiro imperador também considerou sua pátria.