Desrespeito a recomendações

Aglomeração de corredores na Lagoa Seca volta a acontecer neste domingo

Enquanto Minas caminha para o pico da pandemia e os leitos de UTI em Belo Horizonte têm aumento na ocupação, pessoas continuam correndo sem máscara no final de semana

Dom, 21/06/20 - 14h58
Moradores do bairro e de outras partes da cidade correm no meio da rua, ao lado de praça bloqueada | Foto: Cristiane Matos / O Tempo

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Rumo ao pico da pandemia em Minas Gerais — previsto para o dia 15 de julho — e com os leitos de UTI para Covid-19 em Belo Horizonte 78% ocupados, algumas pessoas aproveitaram a manhã de sol deste domingo (21) para correr ao ar livre no entorno da Praça da Lagoa Seca, no Belvedere, região Sul, cenário que tem sido recorrente aos finais de semana. 

A praça está bloqueada com gradis da prefeitura e as pessoas utilizavam a rua para se exercitar, grande parte delas sem máscara. Os educadores físicos Rogério Abras, 33, e Diogo Bonfim, 24, eram alguns dos que não usavam o acessório de segurança. "Ao ar livre não tenho receio de contaminação, com esse espaço todo", pontuou Rogério. Segundo ele, só não utiliza o acessório quando está se exercitando. "(Quando não estou correndo), até atravesso a rua se vem algum sem máscara", concordou Diogo. 

A justificativa de parte das pessoas que corre sem máscara, como os dois, é que ela dificulta a respiração durante a corrida e que todos os corredores mantêm pelo menos dois metros de distância entre si. O advogado Pedro Machado, 27, concorda que a respiração fica difícil, mas, mesmo assim, não dispensou máscara para correr. "Não está todo mundo a dois metros de distância, tem gente correndo em grupo. É incoerente as pessoas entenderem que a pandemia prejudica o trabalho e acharem que deve não prejudicar o lazer", diz.

Morador do bairro Luxemburgo, na região Centro-Sul, ele costumava correr com frequência na Praça da Lagoa Seca, mas diz ter passado três meses sem se exercitar na rua, privilegiando treinos em casa. Saiu para correr novamente pela primeira vez neste domingo (21) e conta que não voltará à região no próximo final de semana, já que a encontrou cheia. 

Um carro da Guarda Municipal circulou pela praça com aviso sonoro lembrando a obrigatoriedade do uso de máscara. Segundo o guarda Geovane Nicácio, a intenção é interpelar aglomerações para orientar sobre medidas preventivas e distribuir máscaras a pessoas aglomeradas. Na Praça Ney Werneck, próxima ao local, os equipamentos de atividade físicas precisaram ser interditados para evitar que pessoas continuassem os utilizando.  

"É desrespeito ao direito de todos", critica infectologista do comitê de enfrentamento à Covid-19 

O infectologista Carlos Starling, um dos médicos do comitê de enfrentamento à pandemia em BH, critica a aglomeração de corredores da Lagoa Seca: “A questão não é correr longe, usando máscara ou sem. O que tem se discutido é a necessidade de isolamento social e de as pessoas evitarem sair neste momento, seja com ou sem máscara, em locais de aglomeração. Se fosse um lugar isolado, no meio do mato, tudo bem. Mas aglomeração favorece a transmissão do vírus. Essa indisciplina é prova da falta de preparo das pessoas para uma convivência em sociedade onde o direito de um é o direito de todos. O que estão fazendo é desrespeito ao direito de todos. Isso é antidemocrático, falta de educação e falta de convivência em sociedade”.

O médico descarta o argumento de que a distância de dois metros ou o espaço ao ar livre impede a transmissão do coronavírus. “Não temos certeza nenhuma em relação a isso e quem diz ter deveria apresentar trabalhos científicos validados que demonstrem isso. Há trabalhos mostrando que pessoas deveriam estar a pelo menos cinco metros uma da outra correndo e a dez, de bicicleta. São poucos trabalhos sobre isso. O que as pessoas defendem é o interesse pessoal delas”, pontua.

Um projeto de lei que prevê multa de R$ 100 reais para quem não utilize máscaras nas ruas de BH está em fase avançada de avaliação: após votação final na Câmara, vai depender apenas da aprovação ou veto do prefeito Alexandre Kalil (PSB). O uso do acessório de segurança é obrigatório na cidade desde 22 de abril. A empresária  Sara Bravo, 37, saiu da região da Pampulha, onde mora, para correr com amigas que vivem no Belvedere. Ela usou máscara para o exercício, mas tem dúvidas se multar pessoas que correm sem o acessório seria justo. "Acredito mais na medida para quem entra em algum estabelecimento sem usar máscara", diz.

Infectologista pede que não se confunda flexibilização de atividades econômicas com fim do isolamento social em BH

O nível de isolamento social na cidade aos finais de semana, quando ele costuma ser mais alto, vem diminuindo. No último domingo (parte de um feriado prolongado), ele foi de 54,7%, de acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). É a segunda taxa mais baixa já registrada nesse dia da semana — no Dia das Mães, em 10 de maio, o índice foi a 53%, o menor até agora.

A movimentação pela capital, porém, pode estar com os dias contados, já que paira uma ameaça de lockdown em BH e em Minas. O prefeito Alexandre Kalil (PSB) sinalizou que o fechamento não está descartado: "Se a máscara continuar no queixo e o churrasco continuar acontecendo, não temos o menor problema em fechar a cidade", disse, em coletiva de imprensa nessa sexta-feira (19). Ao mesmo tempo, o governo do Estado elabora um protocolo de lockdown para aplicar em municípios mineiros que apresentem uma situação considerada mais preocupante por ele e pede reforço do isolamento neste momento.

"Gostaria de fazer uma convocação ao cidadão: que pense seriamente se é preciso sair de casa, que venha a abolir todo encontro com mais pessoas, que acabe com qualquer festa e reunião. Este momento é divisor de águas", pontuou o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, em coletiva de imprensa na última semana.

O infectologista Carlos Starling destaca que a flexibilização da retomada de atividades em BH, iniciada no dia 25 de maio, não é justificativa para pessoas afrouxarem o isolamento. “A flexibilização do comércio é para preservar a economia. Quem está confundindo isso (com fim do isolamento) é por puro interesse pessoal. Estão confundido porque querem confundir, já que sabem muito bem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.

Belo Horizonte registra 3.987 infectados pelo coronavírus e 96 óbitos, segundo o boletim mais recente da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). No Belvedere, um dos bairros com mais casos na capital, foram 35 pessoas contaminadas e um óbito, de acordo com dados municipais de até 10 de junho. 

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