Saúde

Cidade de show milionário poderia construir 136 hospitais com dinheiro da CFEM

Ao todo, R$ 2,3 milhões seriam gastos com apresentações de artistas como Gusttavo Lima e Bruno e Marrone em Conceição do Mato Dentro; evento seria pago com recurso da mineração

Por Aline Diniz, Juliana Siqueira e Pedro Nascimento
Publicado em 30 de maio de 2022 | 21:14
 
 
Obra teve início em julho de 2019 e deveria ter sido concluída em 18 meses Foto: Fred Magno / O Tempo

De 2019 até maio deste ano, Conceição do Mato Dentro, na região Central de Minas, produziu cerca de R$ 1,3 bilhão de  Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) por meio da atividade minerária, de acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). Com essa quantia, daria para erguer 136 hospitais do porte do que está sendo construído na cidade há três anos e cujas obras estão paradas. De acordo com informações da própria prefeitura, a obra do primeiro hospital público do município está orçada em quase R$ 10 milhões.

Atualmente, os moradores usam o Hospital Imaculada Conceição, que tem um convênio com a prefeitura. Além do centro de saúde, há apenas uma Unidade de Pronto-Atendimento na cidade. Os casos mais graves acabam sendo transferidos para Diamantina, Belo Horizonte, entre outros municípios. 

Os números vêm à tona em um momento em que a cidade se envolveu em uma grande polêmica ao contratar artistas para realizar shows no próximo mês. O total que seria investido nas atrações chega a R$ 2,3 milhões, sendo que o contrato de maior valor foi firmado com o cantor Gusttavo Lima (R$ 1,2 milhão). Após diversos questionamentos, o evento foi cancelado. O que seria gasto com os famosos equivale a 23% do valor do hospital público que está sendo edificado na cidade, que tem 17 mil habitantes. 

Os recursos da CFEM, de acordo com ANM, devem ser aplicados em projetos que direta ou indiretamente levem benefícios para a comunidade local, na forma de melhoria em saúde, educação, infraestrutura e qualidade ambiental. É o caso dos hospitais, por exemplo, mas não de shows. Diante de todo esse cenário, não repercutiu nada bem a decisão da prefeitura de Conceição do Mato Dentro de contratar um show milionário.

“Um show deste tamanho? Poderia estar investindo em saúde, em educação, em emprego. A cidade está com uma arrecadação milionária, e há muita gente passando necessidade na cidade”, diz o autônomo Heder Matos. “A cidade ficou perplexa, porque a gente tem várias outras deficiências na cidade que precisam ser corrigidas. Nós temos um hospital parado, uma obra milionária. E não há recurso (médico) na cidade nem para atender em um show desse tamanho. Na educação, eu tenho filho autista, e os recursos para crianças especiais não existem, praticamente. Para conseguir uma professora de apoio, por exemplo, foi preciso muita briga", afirma ele.

Lucas Galdino, de 30 anos, ressalta que a cidade sofre com diversos serviços precários, ao mesmo tempo em que anunciava show artístico. “Enquanto estava sendo veiculada a notícia de Gusttavo Lima, havia bases (bairros) na cidade que não tinham sequer água. Então, a gente fica com o serviço precário em muitas coisas. Nós temos um hospital inacabado e que está parado. Ninguém está feliz pelo Gusttavo Lima não vir, mas a gente tem que ter atenção quanto a ausência dele e quanto à ausência dos serviços básicos. A saúde pede socorro. Se a gente precisar de um especialista, de uma cirurgia, a gente não tem. É preciso ir para cidades vizinhas, como Serro, Diamantina, Guanhães, sendo que aqui (em Conceição do Mato Dentro) poderia ter com essa arrecadação milionária", diz.

Antes de toda a polêmica envolvendo o show do Gusttavo Lima, Ana Cristina e a família se preparavam para o evento. 

"Na realidade, a gente sabia do show e agora a gente está sabendo que foi cancelado. O motivo não foi bem explicado. A população quer saber o motivo para o cancelamento. Havia expectativa, tinha gente alugando casa. Todo mundo estava vindo para a cidade (Conceição do Mato Dentro), minha família toda estava vindo. Todo mundo estava querendo o show”, diz.

No entanto, a moradora concorda que há várias prioridades na "fila". "Mas, com certeza, temos outras prioridades no momento. O pessoal sai daqui para Diamantina, Belo Horizonte (atrás de atendimento médico). Eu, provavelmente, vou para Belo Horizonte, para fazer meus exames, porque aqui não tem. Acho que a prioridade seria saúde, educação. E o Gusttavo Lima depois", disse Ana Cristina.

Arrecadação CFEM

2022- 151.096.092,79
2021 - 668.792.431,34
2020 - 358.363.635,10
2019 - 180.902.066,95
2018 - 32.431.332,53
2017 - 64.635.110,59
2016 - 47.569.393,81
2015 - 23.039.435,12
2014 - 978.649,96

Posicionamento da prefeitura

Sobre o ‘abandono’ das obras do hospital de Conceição do Mato Dentro, a prefeitura afirmou, em nota, que a paralisação ocorreu em 20 de maio deste ano. Segundo o executivo municipal, o contrato com a empreiteira responsável foi encerrado e, no momento, a construção está parada aguardando novo processo de licitação.

Leia a nota na íntegra

A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro informa que a obra do Hospital Municipal, com previsão inicial de conclusão no segundo semestre de 2021, teve o contrato com a empreiteira responsável encerrado. 

Devido à pandemia da Covid-19, houve um aumento exorbitante no preço dos materiais de construção, o que não estava previsto no orçamento inicial. Portanto, no momento, a construção encontra-se paralisada aguardando o novo processo de licitação. 

Informamos ainda que toda a estrutura da edificação encontra-se intacta, sem nenhum problema estrutural. O reinício da obra está previsto para outubro deste ano e o novo prazo de entrega para outubro de 2023. 

A obra conta com vigilantes 24h por dia, incluindo fins de semana e feriados.