A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) espera doações para reformar o edifício da Delegacia Especializada em Roubo de Cargas da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, localizada na avenida Tereza Cristina, no bairro Gameleira, na região Oeste de Belo Horizonte. Conforme a publicação feita no site oficial da instituição, as doações, tanto de materiais quanto de mão de obra, serão geridas pela Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (FETCEMG).
O comunicado da PCMG — que teve um repasse de R$ 196 milhões em 2022 — causou estranheza e até revolta em alguns setores da sociedade. O valor do repasse à instituição foi consultado pela reportagem no site da transparência do governo de Minas. Neste ano, entre janeiro e agosto, esse valor foi de quase R$122 milhões. Não foi possível, no entanto, saber qual o valor a PCMG gasta com pessoal, obras e etc.
Como o jornal O TEMPO tem mostrado nos últimos meses, a Polícia Civil de Minas Gerais não têm garantido condições mínimas de trabalho para os servidores. "A instituição está recebendo doação para uma delegacia nova enquanto, na minha, a gente faz vaquinha para pagar o básico. Eles me oferecem 15 munições por mês, e eu tenho que levar sozinho os presos para o sistema prisional, é um absurdo, um desrespeito. Eu preciso comprar minha própria munição", comentou um investigador, que não terá o nome revelado.
A carência de investimentos no cotidiano dos servidores afeta também as investigações policiais. Na série o Custo da Injustiça, O TEMPO mostrou que pessoas inocentes foram condenadas devido às dificuldades relacionadas a apurações precisas. Conforme nota da PCMG, a doação é juridicamente legal, e o comunicado ocorre após uma empresa se oferecer para realizar uma doação à instituição. A legislação prevê que, nesses casos, a possibilidade de doação seja publicizada. No entanto, a própria FETCEMG informa, em seu portal de notícias, que uma obra recente já foi realizada no mesmo local.
"O prédio, que fica na avenida Tereza Cristina 3826, no bairro da Gameleira, foi todo reformado por meio de uma parceria público privada entre a Polícia Civil, a FETCEMG e outras entidades do setor produtivo", informa a organização em um material publicado no dia 24 de fevereiro. Os repasses para a nova reforma podem ser feitos em cinco dias úteis contando a partir desta quinta-feira (17 de agosto).
Desconhecimento da intervenção
Um assessor da FETCEMG, que terá o nome preservado, não tem conhecimento do que se trata a nova intervenção. "Até onde eu sei, houve uma reforma no prédio, tanto que resultou a visita técnica conforme publicado no site da nossa instituição. Eu não sei o que eles vão fazer agora", disse à reportagem. Além disso, ele explicou que "o prédio (da delegacia) está funcionando normalmente e, na verdade, foi entregue em fevereiro deste ano. O local foi todo reformado", ressaltou.
Para o delegado-geral Antônio Carlos de Alvarenga, que atua na Divisão de Polícia Interestadual (Polinter), o comunicado sobre doações é uma demonstração de desdém da administração estadual. “É uma vergonha. Total demonstração de desprezo deste governo. Minas Gerais sempre considerou a Polícia Civil como instituição de Estado e não como instituição da qual o governador não liga a mínima. É uma declaração quase que de guerra. Desculpe pelo desabafo, mas é o governo que deveria fazer investimentos”, afirmou.
Doações
Os pedidos de doações, segundo o comunicado publicado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), seguem os termos do artigo 10 do Decreto nº 48.444, de 16 de junho de 2022. “O órgão ou a entidade analisará a documentação apresentada pelo interessado e, cumpridos os requisitos, publicará o comunicado em seu sítio eletrônico e no Diário Oficial Eletrônico Minas Gerais – DOMG – e, a fim de receber, no prazo de cinco dias úteis contados da publicação, eventuais manifestações por outros interessados em doar bens e serviços similares ou oferecer em comodato bens semelhantes”, diz o texto.
O processo, conforme o texto, segue ao que foi definido no processo do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) 1510.01.0061864/2021-93, que determinou as doações. "O Estado de Minas Gerais, por intermédio da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais torna público o manifesto de interesse da doação proposta pela pessoa jurídica, Cooperação Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais - CCPRMG, CNPJ 17.249.111/0001-39, referente à doação de bens - Reforma imóvel Tereza Cristina - Delegacia Rural e de Cargas", orienta em um trecho da publicação.
O que diz a PCMG?
Procurada, a PCMG informou que uma empresa entrou em contato com a instituição comunicando que gostaria de realizar uma doação para a Delegacia Especializada em Roubo de Cargas da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. E que, por isso, foi publicado o comunicado, conforme institui a lei. A reportagem questionou sobre a recente reforma feita na mesma delegacia, mas ainda não recebeu nenhum esclarecimento. A reportagem tentou contato, por telefone, com a chefe da PCMG Letícia Baptista Gamboge, mas as ligações não foram atendidas.
Veja a nota na íntegra:
"A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que o comunicado de chamamento publicado no site oficial da PCMG se refere a um procedimento baseado em requisição legal, no caso, o decreto 48.444/2022, que dispõe acerca do regramento para o recebimento de doações. Em conformidade com a legislação, a administração pública é autorizada a receber doações de empresas privadas, sendo obrigada a publicizar no Diário Oficial do Estado o chamamento para empresas interessadas, bem como todas as eventuais doações concretizadas. No caso das doações mencionadas, a PCMG recebeu uma proposta de doação de uma empresa e, conforme determina a lei, abriu chamamento para demais instituições interessadas".
O que diz a FETCEMG?
A assessoria de imprensa da federação foi procurada para informar detalhes sobre o gerenciamento das doações. No entanto, a demanda não foi respondida.