Caso Betim

É comum esquizofrênicos ouvirem vozes de comando, diz psiquiatra

Médica e professora comentou justificativa usada pelo suspeito de matar criança em Betim, que disse ter ouvido um 'chamado'

Por Natália Oliveira e Carolina Caetano
Publicado em 30 de outubro de 2019 | 15:22
 
 
Amigos consolam mãe e cuidadora da vítima Foto: Alex de Jesus

A justificativa do suspeito de 25 anos que matou a facadas, nesta quarta-feira (30), a pequena Ieda Isabella Manoel Peres, de 5 anos, em Betim, foi ter ouvido um "chamado de entidades" e vozes que disseram que ele "deveria matar uma criança hoje". Foi o que relatou o major Paulo Roberto, da 177ª Companhia do 66º Batalhão, que conversou com o jovem logo após o crime. 

Ouvir vozes que mandam fazer alguma coisa é uma das principais características da esquizofrenia, doença que a família do suspeito afirma que ele tem. A família chegou a mostrar laudos atestando a doença para a Polícia Militar. 

A psiquiatra e professora de medicina da Faculdade Ciências Médicas Christiane Carvalho Ribeiro disse que não poderia comentar o caso específico do suspeito, por não ter o examinado, mas, falando sobre a esquizofrenia em geral, ela explica que se trata de uma doença psiquiátrica que resulta em uma série de disfunções cognitivas, entre elas, o delírio e as alucinações. 

"Os pacientes às vezes escutam vozes, escutam sons que não são reais. Eles podem ter discursos e comportamentos desorganizados. As alucinações mais comuns no caso de esquizofrenia são as auditivas. Nesse quadro, de fato, o paciente escuta vozes que mandam ele fazer alguma coisa. Essa alucinação é chamada de 'vozes de comando'. E é muito grave porque esse paciente passa a cometer algum ato que ele não cometeria se não estivesse tendo as alucinações. As vozes podem mandar os pacientes se machucarem ou cometerem um crime", diz a psiquiatra.

Drogas potencializam efeitos da doença 

Há três anos, o suspeito faz uso de crack, segundo registros feitos na Polícia Militar. Ele tem passagens pela polícia por diversos crimes, como tráfico, furtos, ameaça e uso de drogas. E, segundo a psiquiatra, o uso da droga prejudica ainda mais o quadro de uma pessoa com esquizofrenia.

"Quando o paciente usa drogas, principalmente o crack, a gente tem um agravamento do quadro, porque ele tende a não aderir ao tratamento e a doença tende a ficar ainda mais grave. Com o uso de drogas, ele fica mais agressivo também", diz a médica e professora. 

Segundo a polícia, o homem saiu do Ceresp de São Joaquim de Bicas em agosto deste ano. No presídio, ele também teve problemas.

"Ao ver uma situação de perigo ou conflito, o autor começa a rir. No momento em que ele estava preso ocorreu uma briga na cela e ele riu. Os detentos deixaram ele sem alimentação por algum período. A mãe foi visitá-lo e precisou explicar esse quadro do filho", contou o major Paulo Roberto. 

A psiquiatra explica que os esquizofrênicos têm diminuição da capacidade de se expressar e o afeto deles fica diferente do que se esperaria em determinadas situações. "Por exemplo, ao receber notícias muito tristes, era esperado que a pessoa se manifestasse de uma forma triste, mas muitas vezes ela vai ter dificuldade de demonstrar a emoção que ela está sentindo", exemplifica. 

Suspeito ia aumentar dose da medicação

Segundo a Polícia Militar, a família do suspeito apresentou laudos e disse que ele teve uma consulta com um psiquiatra nessa terça-feira (29) para aumentar a dose da medicação.

"Ele foi com a mãe ao psiquiatra porque o remédio não estava fazendo efeito. O médico passou a medicação de 10 para 20 gotas, mas ele não chegou a tomar a nova dose. Ao voltar para casa, ele teve um novo surto. Colocou um funk e ficava dando gargalhadas, dançava sozinho. Subia nos muros, dizia que o 'patrão' tinha mandado ele matar uma criança", explicou o major Paulo Roberto.

A família gravou vídeos da situação para mostrá-lo quando ele voltasse à realidade. Preocupados, familiares esconderam objetos cortantes.  A orientação da psiquiatra Christiane Carvalho Ribeiro é que as famílias de esquizofrênicos sempre procurem atendimento médico e sigam o tratamento à risca. 

Perdão

Já na companhia da Polícia Militar, o homem conversou com o major Paulo Roberto e, aparentemente calmo, pediu perdão. 

"A gente observa que, agora, ele está em um quadro de normalidade. Ele afirma que o ato foi sem querer, pede perdão, diz que agiu sozinho e fala que recebeu a 'ordem'", disse o major.