Nesta segunda-feira (28), completam-se 15 anos que três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e um motorista da instituição foram assassinados enquanto investigavam o possível uso de mão de obra escrava em fazendas no Noroeste de Minas Gerais, episódio conhecido como a “chacina de Unaí”. De 2004 para cá, a luta contra a escravidão vem crescendo no mundo, onde existem mais de 40 milhões de pessoas nessas condições, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mas, no caminho contrário, as fiscalizações diminuíram 24% no Brasil e 65,8% em Minas no mesmo período.
Segundo dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, ligada ao Ministério da Economia, 264 estabelecimentos foram alvos de fiscalizações em propriedades rurais e urbanas em todo o Brasil ao longo de 2004, ano em que ocorreu a emboscada contra os auditores fiscais do trabalho. No ano passado, esse número caiu para 200. Em Minas Gerais, passou de 120 para 41.
Um dos fatores para o afrouxamento no combate ao trabalho escravo no país é a falta de profissionais. “A auditoria perdeu mais de mil vagas nesse período no Brasil. Estamos com menos agentes públicos para fazer o enfrentamento. Só em Minas Gerais, poderíamos ter pelos menos 150 profissionais a mais”, afirma o auditor que coordena o projeto de combate ao trabalho escravo em Minas e presidente da Delegacia Sindical Mineira, Marcelo Campos. O Estado tem, atualmente, 239 auditores.
No Brasil, existem 2.663 profissionais na ativa. É o menor efetivo desde o ano de 1990, quando 3.285 atuavam. “Uma média de cem profissionais se aposenta a cada ano. E o último concurso, de 2013, possibilitou a contratação de cem pessoas. No mesmo ano, aposentaram-se 180. Então, não houve reposição nem da perda do efetivo de 12 meses”, explica o chefe da Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da Economia, Maurício Fagundes. Segundo ele, não há previsão de novo concurso. Questionado, o ministério não informou sobre essa possibilidade.
Política de governo
De acordo com a vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge, a fiscalização também sofreu um revés por não ter sido o foco do governo anterior. “É preciso que haja investimento e um direcionamento para que o combate ao trabalho escravo cresça. Mas não era o que estava acontecendo”, afirma.
O resultado de menos inspeções é que fazendeiros e empresários ficam mais audaciosos e infringem mais a lei. Tanto que, em 41 estabelecimentos fiscalizados no ano passado no Estado, foram encontrados 813 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Em 2004, em 120 inspeções, foram descobertos apenas 19.
A chacina de Unaí forçou uma mudança no trabalho de fiscalização em todo o país. Alguns Estados, como Minas Gerais, ganharam equipes específicas para o combate ao trabalho escravo, e os profissionais passaram a ser escoltados por policiais federais. A data do fato também passou a ser Dia do Auditor Fiscal do Trabalho e Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
“A situação foi tão traumática que tivemos que rever a forma de trabalhar. E o fato de as pessoas apontadas como mandantes estarem soltas traz mais insegurança ainda para a categoria”, afirma o presidente da Delegacia Sindical Mineira, Marcelo Campos.
As investigações da chacina apontam como mandantes do crime os irmãos Antério e Norberto Mânica. Ambos estão em liberdade. Em novembro, Norberto assumiu o crime, anulando o julgamento de Antério, que será refeito.
Mudança na lei
Até 2003
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro previa pena apenas para o ato de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, mas não dava detalhes sobre quais situações se enquadravam nesse perfil.
Em 2003
Uma mudança legislativa especificou o que seria essa condição análoga à de escravo, como a submissão à jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, por exemplo.
Em 2017
O ex-presidente Michel Temer (MDB) publicou portaria que definia o trabalho escravo apenas quando há privação do direito de ir e vir. Muito criticado por diversos órgãos e instituições nacionais e internacionais, o governo voltou atrás na decisão e revogou a norma.