EXCLUSIVO

"O câncer me ensinou o valor da vida", diz transplantado mineiro

Depois de brigar na Justiça, jovem conseguiu realizar transplante de medula óssea; durante entrevista exclusiva, ele conta como um pouco de sua luta

Por ALINE DINIZ
Publicado em 14 de novembro de 2013 | 14:29
 
 

Mais que resignado, o advogado Gabriel Massote, de 29 anos, está agradecido ao câncer. “Devo muito à leucemia. Graças a ela, hoje sou um filho melhor, um irmão melhor, um esposo mais dedicado, um ser humano mais atento às necessidades do próximo. De um jeito diferente, o câncer me ensinou o verdadeiro valor da vida”, reflete.

O uberlandense está internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde, na segunda-feira (11), passou pelo transplante de medula óssea que promete eliminar a doença descoberta em 2011.

A recuperação do mineiro que ficou conhecido em vários países pela luta em prol da doação de medula não tem sido fácil. Mas, mesmo com a dor e as idas constantes ao banheiro, Massote não perde o bom humor – que manteve durante os três anos em que lida com o câncer. Em seu blog pessoal, ele descreveu, na noite dessa quarta-feira (13), o que tem passado. “A impressão era de que eu acabava de passar por um esquartejamento, com cavalos puxando os meus músculos através de cordas para lados opostos”. Felizmente, as dores já foram controladas com “generosas doses de morfina na veia”.

As inovações tecnológicas disponíveis no hospital têm ajudado o mineiro. “Verificando o grau e a extensão da dor, foi instalado no meu cateter um moderno mecanismo por meio do qual eu mesmo posso acionar a liberação de pequenas doses de morfina para controlar a dor. Tudo ao alcance dos dedos”, conta.

Família

A mãe do paciente, Carolina Massote, conta que está “imensamente feliz”. “Depois de passarmos três anos neste furacão, agora vemos um céu azul, brilhando, cheio de alegria. Estou totalmente confiante na recuperação do Gabriel”, revela. Carolina não fraquejou durante a luta. “A gente não imagina o tamanho de nossa força até precisarmos dela”, afirma. 
Mobilização

O otimismo de Massote conquistou muitas pessoas pelo mundo e pelo Brasil. Esse é o caso do empresário Tiago Leite, de 28 anos. “Me tornei doador após me sensibilizar com a história”, disse.

O jovem se impressionou com a dificuldade que os doentes enfrentam para encontrar um  doador compatível e, por isso, resolveu ajudar. “Criei a campanha Sangue do nosso Sangue”, relata. Cartunista desde os 15 anos, Leite produziu um desenho animado em que Gabriel - que tem o apelido de Salsicha -, e explica como funciona o transplante. (veja desenho no vídeo acima)

Entrevista

Gabriel Massote concedeu uma entrevista exclusiva a O TEMPO contando parte de sua história de batalha, otimismo e fé. Confira abaixo:

Como é a recuperação do transplante? Quantos dias você vai ficar internado?
O transplante de medula, ao contrário dos outros tipos de transplante, não tem cirurgia, corte ou dor propriamente dita. Para se ter uma ideia, estive consciente durante toda a infusão. O período de internação é incerto, deve girar em torno de 40 a 50 dias. É um período delicado.

Quais cuidados você terá que tomar depois?
O sucesso do transplante só é verificado após a “pega de medula”, momento em que a medula da doadora começa a produzir as células nas quantidades necessárias para minha sobrevivência. Esse período leva de três a quatro semanas, e, até lá, o monitoramento médico é muito rigoroso, para evitar febres, rejeições e outras intercorrências, que são relativamente comuns.

Você se sente curado?
Ainda é cedo para falar em cura. Com a “pega da medula” será possível falar em maiores chances de cura. Mas a confiança é muito grande.

Por que você criou o blog? (www.transplantando.wordpress.com)
Fui incentivado por minha noiva, agora esposa. Quando criei o blog, a ideia era abordar o assunto câncer sem estigmas, sem preconceitos, levando informação e conscientização sobre o transplante e o processo de doação com muito bom humor, fé e otimismo. O blog já está próximo da visita de número 100 mil.

De onde é sua doadora? Será que ela apareceu depois da campanha?

A minha doadora é de Rondônia, local onde nunca estive. E o fato é que ela, que estava indisponível para o Redome (Registro Nacional de Doadores de Médula Óssea), voltou a entrar em contato dias após a campanha tomar uma proporção nacional. Então, é possível que a mobilização tenha ajudado. Nada é por acaso.

O que essa experiência te ensinou?

Costumo dizer que devo muito à leucemia. Graças a ela, hoje sou um filho melhor, um irmão melhor, um esposo mais dedicado, um ser humano mais atento às necessidades do próximo. De um jeito diferente, o câncer me ensinou o verdadeiro valor da vida.

Como você conseguiu manter o pensamento positivo?
Foram três batalhas: a luta contra o plano de saúde (Gabriel precisou entrar com ações na Justiça para ter o tratamento custeado pela empresa), contra o suposto desaparecimento da doadora e a luta contra a leucemia propriamente dita. Aprendi desde muito cedo com meu pai, que não mais está entre nós, que não importa o tamanho do desafio, devemos enfrentá-los de frente, de forma determinada e com confiança. Parece clichê, mas essa receitinha de bolo tem sido a tônica de toda a nossa família desde a sua passagem, em um acidente automobilístico próximo a Belo Horizonte.

Qual das batalhas foi mais difícil: judicial ou a de saúde?
A batalha judicial teve alguns contornos improváveis que a tornaram mais difícil, pois no caso eu era não apenas o paciente, mas também meu próprio advogado. Não é fácil agir profissionalmente estando do lado de dentro do problema.

Você sempre foi uma pessoa positiva?
Sempre acreditei que positividade chama positividade. Sou daqueles que defende que, quando pensamos assim, o nosso próprio cérebro emana esse bom sentimento para o restante do corpo, num ciclo virtuoso do bem.

Quem te ajudou nos momentos mais difíceis?
Com certeza a família e os amigos. Na primeira fase da doença, por exemplo, foi um amigo que me emprestou uma grande quantia em dinheiro para custear o tratamento. Algo próximo de R$ 300 mil.

Por que você não se tratou pelo SUS?
Eu cheguei a fazer um ano do meu tratamento pelo SUS, no Hospital do Câncer de Uberlândia. Só não dei continuidade lá pois o hospital não faz o transplante, e nos demais a fila de espera por leitos é superior a um ano. Também não achava justo ocupar um leito público por vários meses para o transplante sendo que sempre tive plano de saúde. Estaria tirando a chance de uma pessoa que não teve essa oportunidade. 

Você é uma pessoa religiosa?
A fé esteve comigo o tempo todo. Apesar de católico, recebo diariamente orações e energias das mais variadas religiões. E a todas dou o mesmo valor, por acreditar que todos os caminhos que levam a Deus devem ser respeitados e praticados.Nunca tive medo da morte. Parafraseando um famoso político mineiro que já se foi, “o meu único medo é o da desonra”.